O PRIMEIRO ESPETÁCULO DE BALLET COM AUDIODESCRIÇÃO A GENTE NUNCA ESQUECE

Fotografia de Fernanda Bianchini, com vestido rodado branco com corpo amarelo, dando a mão para Leo, um garotinho bailarinho com jaqueta azul e calça branca, formando uma roda com várias meninas bailarinas vestidas de princesas, no palco do Auditório Ibirapuera. Ao fundo, painel com desenho de portas em arco.

Mais um espetáculo de ballet com audiodescrição da Cia Ballet de Cegos aconteceu no Auditório Ibirapuera, no dia 27 de junho. O espetáculo: Olhando para as Estrelas, dividido em duas partes com intervalo de 10 minutos entre elas, apresentou na primeira uma suíte, montagem mais curta, do  Ballet de Repertório: A BELA ADORMECIDA, do compositor russo Tchaikovsky; e na segunda, diversas coreografias, algumas inéditas e outras já apresentadas em espetáculos anteriores. O público aplaudiu de pé a técnica apurada das bailarinas e bailarinos, a graça das crianças, a voz linda de Vitória Giovanna cantando a música da Bela e a Fera.

Audiodescrever um espetáculo de dança é sempre um grande desafio, um trabalho delicado e minucioso que precisa, necessariamente, incluir leveza na escolha das palavras, musicalidade na voz que narra os movimentos e conhecimento de termos técnicos que traduzem os passos. Não dá para ficar presa aos princípios canônicos da audiodescrição ou seja descrever somente aquilo que vemos. É preciso ir além, juntar movimentos, iluminação, cenário e figurino, ao significado da coreografia, ao tema, à proposta do coreógrafo e diretor cênico. Tudo isso, “junto e misturado”, para criar um todo significativo e compor um roteiro que acompanhe a estética do espetáculo.

Comecei a incluir termos mais técnicos na audiodescrição dos espetáculos de ballet, como os nomes, na sua grande maioria franceses, de passos elaborados, posturas, flexões e saltitos. Para isso, tive que buscar literatura, contar com a ajuda dos coreógrafos e também dos próprios bailarinos. Mas foi o feedback de bailarinas com deficiência visual que assistiram ao espetáculo Quebra Nozes, realizado no Teatro Alfa no final de 2011, que foi determinante para isso, deixando evidente a necessidade de introduzir mais termos técnicos na audiodescrição, todos eles com uma breve explicação. Desta forma, é possível atender às expectativas tanto de leigos que podem conhecer e ampliar seu repertório cultural, como de profissionais da dança.

Os depoimentos abaixo de pessoas com deficiência visual, como Cristiana Cerchiare e Cleber Souza, e de Lucy Gruenwald, pessoa que enxerga, todos assistindo a um ballet com audiodescrição pela primeira vez, destacam a importância do recurso de acessibilidade comunicacional. Para as pessoas com deficiência visual, a possibilidade de ver com palavras um espetáculo, tendo acesso a todas as informações visuais; e para os videntes, uma oportunidade de entender mais o espetáculo, ampliar o repertório cultural e desenvolver o senso de observação.  

“Acompanho o trabalho da Ver com Palavras desde o início. Porém, o dia 27 de junho foi muito especial, já que trouxe a possibilidade de assistir o ballet da Cia. Fernanda Bianchini com audiodescrição.

Eu já tinha ouvido falar de apresentações anteriores desses bailarinos com esse recurso de acessibilidade, mas eu nunca podia ir, por motivos variados. Já ouvira uma entrevista com a Fernanda, fundadora da Companhia e criadora do método de ensino de ballet para cegos, e algumas alunas e ex-alunas minhas haviam feito parte do grupo de bailarinas. Portanto, assim que verifiquei que a apresentação do dia 27 era compatível com a minha agenda, convidei uma amiga Lucy Gruenwald, também fã da audiodescrição e da cultura, para ir comigo.

Chegamos ao local da apresentação, o Auditório Ibirapuera, sem dificuldade. O mais difícil foi achar uma vaga para estacionar o carro. Esse deve ter sido o maior problema encontrado pelos outros espectadores, já que o auditório demorou a ficar cheio. (Foram ocupados cerca de 80% dos lugares, segundo a Lucy.)

Minha expectativa era ver um ballet, e ela foi cumprida na primeira parte do espetáculo. Na segunda, vi bem mais que isso: uma sequência de ritmos populares (roque, samba e street dance), entremeados por ballet clássico e sapateado. Entre uma música e outra, eu ouvia os comentários da Lucy, que falavam sobre os bailarinos que ela mais tinha apreciado. Ficava me perguntando se eu concordava com ela, e para chegar a uma resposta combinava as impressões causadas pelas palavras da audiodescritora Lívia Motta, transmitidas da cabine, pela música em si, pela minha imaginação e pela intensidade dos aplausos da plateia. Até agora não cheguei a uma conclusão, talvez porque o ballet seja uma arte tão visual que possibilite uma visão limitada do espetáculo por pessoas cegas.

À medida que em minha mente interagiam a música, as palavras da audiodescritora – que incluíam nomes de passos de ballet e o nome de vários bailarinos – e as intervenções de Fernanda (que foi uma espécie de mestre de cerimônias), pensei que ler o roteiro de uma audiodescrição é como fazer uma receita culinária: todos os ingredientes devem ser colocados na medida certa. Caso contrário, a receita “desanda”.

Fico feliz por saber que a audiodescrição do dia 27 não “desandou”, e que o bailarino-mirim Leonardo, de quatro anos de idade, já está se acostumando a subir no palco. Será que ele vai estar no próximo espetáculo com audiodescrição? Acho que muitas pessoas com e sem deficiência visual querem literalmente pagar para ver. Em tempo: O ingresso custou R$20,00, preço irrisório pela qualidade do espetáculo.” Cristiana Cerchiare (professora com mestrado em Educação, consultora da Ver com Palavras)

“Ontem achei tudo perfeito. Não houve excesso e nem falta. Vc estava em cima do lance. Parabéns!!! Achei muito legal vc passar informações adicionais não se limitando apenas à audiodescrição. Isso ajuda a entender melhor o enredo do espetáculo e, com certeza, os videntes também gostariam de ter tais informações durante o show. Foi perfeito. Num espetáculo de dança quanto mais informação melhor, pois não há que se preocupar em sobrepor falas. Numa peça de teatro deve-se ter muito mais cuidado com isso e descrever o que realmente é importante para o entendimento, mas, na dança, foi ótimo”. Cleber Souza (músico)

“Esta foi a minha primeira vez com um espetaculo de ballet com audidescrição. Foi uma surpresa muito boa, muito enriquecedora. É incrível como não prestamos atenção a inúmeros detalhes, enquanto não somos chamados à atenção.

Diferentemente das peças teatrais, o  ballet não é falado e portanto  a audiodescrição cabe como uma luva e fica tudo muito light e agradável, sem necessidade de muito esforço mental para coordenar muitos textos. Achei muito importante tambem as referencias sobre a parte mais tecnica com as descrições dos passos. Vivendo e aprendendo, SEMPRE, não é mesmo?

Não posso deixar de destacar o prazer de ver a Cris assistindo e acompanhando tudo. Ficamos trocando impressões o tempo todo.Saí do teatro muito leve e feliz, uma energia muito mágica!

E para terminar ainda demos entrevista para o pessoal da California que está fazendo o filme. Espero que realmente esta experiência rode o mundo. A Cris destacou a importancia da audiodescrição, caso contrario ela não poderia ter participado do evento.” (Lucy Gruenwald (Especialista em Gestão de Projetos de TI pela Escola Politécnica e Acessibilidade Digital)

Além dos depoimentos que enfatizam a importância da audiodescrição em um espetáculo de ballet para promover o acesso de quem não enxerga, registro também o encontro especial que tive com um pequeno bailarino e sua mãe. Antes do espetáculo, no ensaio geral, conheci e conversei com Leo, o caçulinha da companhia, que faz sucesso no palco de jaqueta azul com botões e enfeites dourados, calça branca e impecáveis sapatilhas brancas. Esperto e muito desinibido, me fez mil perguntas. Coloquei nele os fones de ouvido e falei sobre a audiodescrição. Ele queria saber se iria escutar o Luan Santana e se eu ia contar a história dos Três Porquinhos…

Que coisa boa saber que o pequeno Leo, desde bem cedo, vai poder ter acesso a espetáculos, filmes e outros produtos audiovisuais com audiodescrição!

Outros posts já publicados sobre a Cia Ballet de Cegos:

 AS MENINAS BAILARINAS E A AUDIODESCRIÇÃO

BALLET FERNANDA BIANCHINI COM AUDIODESCRIÇÃO

Por Lívia Motta – publicado em 08 de julho de 2013.

2 Comentários para O PRIMEIRO ESPETÁCULO DE BALLET COM AUDIODESCRIÇÃO A GENTE NUNCA ESQUECE

  1. avatar

    Olá! Dessa vez não tive a oportunidade de ouvir a audio descrição do espetaculo, mas tive a grande oportunidade de estar no palco dançando. Emocionante! Tudo lindo demais! Parabéns mais uma vez Lívia por ter feito a audio descrição do espetaculo.

    • avatar

      Foi muito bonito o espetáculo, Maria Rita! Parabéns pela sua apresentação!!! Beijos.

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