Figura 1 - Capa Descrição da capa: a capa, criada pela designer Aracy Bernardes, com fundo ocre e tons que vão do vinho ao marrom, é ilustrada por metade de um rosto com destaque para olho e parte da boca no lado direito, três imagens desfocadas, sobrepostas e transparentes do meio para o lado esquerdo superior, um fluxo de letras saindo da boca da pessoa sobre fotos descoloridas de praia e flor na parte inferior. O título: Audiodescrição: Transformando Imagens em Palavras e os nomes dos organizadores: Lívia Maria Villela de Mello Motta e Paulo Romeu Filho, estão escritos com letras pretas sobre fundo ocre na parte superior e inferior da capa. Audiodescrição: Transformando Imagens em Palavras Lívia Maria Villela de Mello Motta Paulo Romeu Filho Organizadores 2010 Logo da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Audiodescrição : transformando imagens em palavras / Lívia Maria Villela de Mello Motta, Paulo Romeu Filho , organizadores. -- São Paulo : Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 2010. Vários autores. Bibliografia ISBN 978-85-4047-00-6 1. Acessibilidade cultural 2. Audiodescrição 3. Deficientes visuais 4. Deficientes visuais - Serviços de acessibilidade 5. Direito à informação 6. Inclusão social 7. Meios de comunicação 8. Políticas públicas 9. Tecnologia I. Motta, Lívia Maria Villela de Mello. II. Romeu Filho, Paulo. 10-12127 CDD-303.32 Índices para catálogo sistemático: 1. Deficiência visual e a audiodescrição : Sociologia da acessibilidade cultural e comunicacional 303.32 AGRADECIMENTOS À Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, pelo apoio na publicação deste livro. Aos autores dos artigos e depoimentos, por participarem da construção da história da audiodescrição brasileira. Ao Marco Antonio de Queiroz, MAQ, autor do prefácio e nosso interlocutor na organização deste livro, pelas contribuições e discussões. À Fernanda Cardoso, pela revisão competente e pelo envolvimento com o tema. À Aracy Bernardes, designer da capa, pela criação e paciência para entender e traduzir o conceito. SUMÁRIO Apresentação: Lívia Maria Villela de Mello Motta e Paulo Romeu Filho Prefácio: Marco Antonio de Queiroz - MAQ PARTE I – ARTIGOS 1. Audiodescrição: Breve Passeio Histórico: Eliana Paes Cardoso Franco e Manoela Cristina Correia Carvalho da Silva 2. Políticas públicas de acessibilidade para pessoas com deficiência: Paulo Romeu Filho 3. A Audiodescrição vai à Ópera: Lívia Maria Villela de Mello Motta 4. Audiodescrição e Voice Over no Festival Assim Vivemos: Graciela Pozzobon 5. A Formação de Audiodescritores no Ceará e em Minas Gerais: uma proposta baseada em pesquisa acadêmica: Vera Lúcia Santiago Araújo 6. Blind Tube: conceito, audiodescrição e perspectivas: Lara Pozzobon 7. A Primeira Audiodescrição na Propaganda da TV Brasileira: Natura Naturé um banho de acessibilidade: Maurício Santana 8. O Signo da Cidade: Rodrigo Campos 9. Ponto de Cultura Cinema em Palavras – a filosofia no projeto de inclusão social e digital: Bell Machado 10. A Importância da Audiodescrição na Comunicação das Pessoas com Deficiência: Laercio Sant´Anna 11. “Olhares Cegos”: A Audiodescrição e a Formação de Pessoas com Deficiência Visual: Iracema Vilaronga 12. A pessoa com Deficiência Visual e a Audiodescrição – relato pessoal de uma trajetória de luta por inclusão: Naziberto Lopes de Oliveira 13. A Experiência da Vivo: Pioneirismo e Multiplicação: Luis Fernando Guggenberger e Eduardo Valente 14. Vida em Movimento – primeiro documentário brasileiro com audiodescrição: Marta Gil PARTE II – A PRIMEIRA AUDIODESCRIÇÃO A GENTE NUNCA ESQUECE 1. Audiodescrição: poucas e precisas palavras: Sidney Tobias de Souza 2. Em algum lugar do passado: Joana Belarmino 3. A Incompletude do Olhar: Elizabet Dias de Sá 4. Por mares nunca dantes navegados: Cristiana Mello Cerchiari 5. Um Caminho sem Volta: Lothar Antenor Bazanella 6. Eu ouço, eu vejo, eu sinto as mesmas emoções: Antonio Carlos Barqueiro 7. Vendo o que a outra pessoa vê: Marcos André Leandro 8. Fechamento de um Processo: Roger Martins Marques 9. Enxergar sem Ver: Jucilene Braga PARTE III – OLHOS QUE FALAM 1. O Outro Lado da Moeda: Letícia Schwartz 2. A Grande História da Água: Leonardo Rossi Lazzari 3. E com a palavra os audiodescritores do Teatro Vivo: Carlos Eduardo Marçal da Silva, Marli Fernanda Nunes, Milena de Oliveira Leite, Pilar Garcia Alava, Rosilene Cortes Almeida 4. Emprestar o Olhar: Rosângela Barqueiro 5. A Audiodescrição no Centro Cultural São Paulo: Ana Maria Campanhã, Ana Maria Rebouças, Camila Feltre, Carmita Muylaert Moreira, Iris Fernandes, Lizette T. Negreiros, Maria Adelaide Pontes APRESENTAÇÃO É com muito prazer que apresentamos aos caros leitores o primeiro livro brasileiro sobre audiodescrição, uma mostra significativa da produção intelectual brasileira sobre o tema, que reúne trabalhos de professores e profissionais da área, além de artigos e depoimentos de pessoas cegas e videntes engajadas na luta pela implementação do recurso no Brasil, mais especificamente na TV brasileira. A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual em eventos culturais, gravados ou ao vivo, como: peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas, desfiles e espetáculos de dança; eventos turísticos, esportivos, pedagógicos e científicos tais como aulas, seminários, congressos, palestras, feiras e outros, por meio de informação sonora. É uma atividade de mediação linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma o visual em verbal, abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à informação, contribuindo para a inclusão cultural, social e escolar. Além das pessoas com deficiência visual, a audiodescrição amplia também o entendimento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos. O livro objetiva informar profissionais de TV, cinema, teatro, museus e outras artes visuais, assim como professores e alunos de cursos de audiodescrição, profissionais da área de Letras, Tradução, Comunicação e Artes, Educação e outras ligadas a questões de acessibilidade. Além disso, servirá como material de referência e apoio técnico-teórico para pessoas que buscam conhecer a técnica, que frequentam os cursos de formação de audiodescritores e que já trabalham com pessoas com deficiência visual. Para isso, discute o conceito, o panorama mundial e brasileiro, o histórico, a experiência brasileira em teatro, TV, festivais de cinema, óperas, filmes, exposições, comerciais, animações e documentários. Divide-se em três partes: a primeira é composta de artigos que apresentam e discutem leis e decretos, práticas e aspectos teóricos; a segunda, entitulada: A Primeira Audiodescrição a Gente Nunca Esquece, apresenta depoimentos de pessoas com deficiência visual sobre suas experiências com audiodescrição, enfatizando a relevância do recurso. Na terceira parte, Olhos que Falam, estão os depoimentos de audiodescritores, os quais relatam suas práticas com diversos gêneros de espetáculos como: comerciais, animação, peças de teatro, exposições, cinema, com destaque para o quanto a atividade contribui para o desenvolvimento pessoal e profissional de cada um. O prefácio, escrito por Marco Antonio de Queiroz, certamente, motivará os caros leitores a empreenderem uma viagem estimulante e inusitada aos caminhos já percorridos pela audiodescrição no Brasil. Aproveitem!!! Lívia Maria Villela de Mello Motta e Paulo Romeu Filho Prefácio Marco Antonio de Queiroz – MAQ* Ao ser convidado para prefaciar este livro senti-me duplamente entusiasmado. Em primeiro lugar, porque a audiodescrição tem sido muito debatida entre nós, pessoas com deficiência visual e audiodescritores, como um dos recursos de tecnologia assistiva nos meios de comunicação que mais traz autonomia às pessoas com deficiência que dela necessitam. Discutimos quais os melhores caminhos para a produção de uma audiodescrição de qualidade; quais técnicas devem ser levadas em conta para que ela seja o mais informativa possível; quem é realmente gabaritado para ministrar cursos de capacitação para futuros profissionais; quais metodologias devem ser utilizadas nesses cursos; qual o papel das pessoas com deficiência na produção da audiodescrição; quem e quantos são os reais usuários dessa acessibilidade; a posição insustentável da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT – e, finalmente, as políticas públicas dos governos para garantir sua obrigatoriedade. Essas discussões estão neste livro e o leitor conhecerá muito de audiodescrição ao tomar contato com elas. Fiquei entusiasmado também, em segundo lugar, devido à forma como entrei nesse barco, como essa "praia" me invadiu, como vim parar aqui para escrever sobre este livro para seus leitores, no final, todos nós. O que me deixa arrepiado até hoje foi a emoção que senti ao vivenciar, pela primeira vez, a audiodescrição. Temos, com este livro, a oportunidade de mostrar ao leitor a experiência de cada um, seja como usuário, seja como produtor, seja como pessoa com deficiência e/ou audiodescritor, deixando ao leitor um leque de experiências práticas e teóricas, que poderão contribuir para a divulgação e o crescimento da audiodescrição no Brasil, um dos objetivos desta publicação. Minha experiência com a audiodescrição começou certo dia, no início de agosto de 2007. Estava em frente ao meu computador fazendo algum trabalho quando recebi um telefonema. Meu telefone fixo tem bina falante, acessível e, mesmo não reconhecendo o número que tocava, atendi. Era Lara Pozzobon, curadora do, na época, 3º Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência. Ela me convidava para ser jurado do festival. Aquela desconhecida estava propondo que eu fosse jurado de um festival internacional de cinema? Tudo bem, algumas pessoas não entendem como posso desenvolver acessibilidade em sites na web, criar códigos, dar consultoria e, para quem enxerga e não convive com pessoas cegas como eu, acham que o que faço é algo impensável para uma pessoa com a minha deficiência. Mas, se pessoas com deficiência visual podem fazer o que faço, por que não outras coisas que não se conhece? Daí a achar que eu poderia encontrar um jeito alternativo de enxergar a tela do cinema e julgar filmes internacionais, mesmo sendo sobre deficiências, era uma coisa que até eu duvidava. – Você sabe que eu sou cego? Fui logo direto, sem expressões como "pessoa com deficiência visual" ou qualquer outra, para não restar nenhuma dúvida. – Eu estou te convidando justamente porque você é cego. Chamei o Paulo Romeu Filho, ele não pôde vir e indicou você. Pensei logo... bem, o Paulo Romeu é cego, se ela o chamou e depois a mim é porque ela quer um jurado cego mesmo... e adicionando ao meu pensamento: corajosa essa mulher! (complementei ainda: "Que doida"!) – E como eu, cego, poderei avaliar um filme? – A palavra audiodescrição estava na ponta da minha língua, mas como nunca tinha assistido nada com essa técnica, será que Lara sabia que só assim eu poderia exercer o que ela estava propondo? Por coincidência, conheci a audiodescrição através de um depoimento de Paulo Romeu sobre o primeiro filme com audiodescrição produzido no Brasil em DVD e existente nas locadoras. Era um texto entusiasmado sobre acessibilidade e cidadania. Além disso, sobre essa técnica, apenas tinha lido alguns escritos e colocava a audiodescrição como um item da lista de acessibilidades para pessoas com deficiência... Lara explicou: – São 34 filmes e todos com audiodescrição, que é a descrição em palavras das imagens dos filmes que não são mencionadas pelo áudio original. – Ah, sei... (dei uma de entendido para não declarar a minha quase total ignorância sobre o assunto). Eu topo! respondi já não disfarçando minha alegria, preocupação e arrepio na espinha... Não poderia deixar de contar para os leitores, mesmo sendo este texto o prefácio, a forte emoção de quando assisti ao primeiro filme com audiodescrição. Eu tinha de prestar atenção absoluta aos filmes do Festival e julgá-los durante 12 dias. Iria assistir a 34 curtas, médias e longas metragens depois de quase 30 anos sem assistir a um filme sozinho, pois perdi a visão aos 21 anos e gostava muito de ir ao cinema. O primeiro filme do festival era um curta de 13 minutos com uma música norte-americana de fundo. Depois de uns 5 minutos escutando a audiodescrição e voice over feita por Graciela Pozzobon, e percebendo que, sem ela, aquele filme seria totalmente inacessível para mim, pois não havia diálogos, só a música, entrei em um estado de surpresa e de letargia... E, por mais que quisesse assistir somente ao filme, fiquei imaginando simultaneamente o futuro das pessoas com a minha deficiência: poderíamos ir aos cinemas com autonomia, como eu já estava fazendo naquele momento; a teatros, como o da Vivo, que já com contava com a audiodescrição feita por Lívia Motta; assistir a vídeos de toda a ordem, como os já existentes na época, da série "Vida em Movimento", propostos por Marta Gil, que corri atrás para conhecer e divulgar; assistir aos programas das TVs entendendo tudo, como os posteriores programas da TV Brasil e Cultura; a vídeos como o filme do artigo do Paulo Romeu, único que conhecia naquele momento e que, atualmente, estão aumentando em número; os comerciais da Natura, marca de cosméticos, realizados por Maurício Santana e Leonardo Rossi mostrando-nos de forma acessível produtos que já poderíamos ser consumidores a mais tempo, enfim... estampei um sorriso bobo no rosto, um ar aéreo, um "mundo da lua" nessa imaginação futura, demorada e feliz que, hoje, como mostrei rapidamente acima e conheceremos através de seus próprios autores, já se tornou passado realizado e começa a crescer em qualidade e quantidade. Quem me visse naquele instante poderia me confundir com um drogado. Na verdade, eu estava mesmo era embasbacado com aquele recurso que nasceu com a cegueira, utilizado por nossos familiares com boa vontade e habilidades pessoais e não por profissionais atentos, estudiosos, como naquele momento. A descrição doméstica de cenas, roupas, expressões estava no lugar certo e na hora certa, feita agora por especialistas de forma nada caseira. Tive de assistir novamente a esse filme para poder julgá-lo, pois a emoção não me deixava fazê-lo naquele momento. Apesar de ter consciência de que aquela técnica não me substituiria a visão perdida, decididamente ela estava permitindo que eu visse. Dali em diante estou junto à audiodescrição. Emocionei-me com essa nossa sensação, como escreveu Jucilene Braga: "a audiodescrição é totalmente indispensável. Por meio dela é como se eu enxergasse sem ver". A questão básica é a de acesso à informação, assim como explicita Rosângela Barqueiro: "nem sempre a informação está disponível e/ou acessível. Uma simples informação pode interferir na vida de forma positiva ou negativa – em menor ou maior grau de importância. Mas o fato é que interfere". Os leitores terão a oportunidade de ler depoimentos como esse, cada qual com a sua peculiaridade, no decorrer deste livro. Amigos com a minha deficiência contam para todos a sua primeira vez e em todos percebemos com emoção a importância da audiodescrição. Antes dela, como Lothar Antenor Basanela escreve "gostava mais de ouvir o relato sobre filmes do que propriamente assisti-los". Muitos de nós deixamos de assistir a produtos audiovisuais porque a falta de informações os deixa vazios. Identificamo-nos com a citação de Sidnei Tobias quando, emprestada de Nietzsche, nos diz: "A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida". E é isso que definitivamente queremos: a beleza da arte em sua totalidade ou, ao menos, ao máximo que ela possa nos dar. A descrição de imagens apesar de parecer para nós "coisa antiga", como revela Marcos André Leandro em seu depoimento, já feita "por minha avó", profissionalmente é mais que nova, o que faz resultar no que Cristiana Ceschiari de modo muito objetivo afirma: "Como estamos navegando 'por mares nunca dantes navegados', como escreveu Camões, não sei exatamente onde vamos aportar, mas sei que quero estar neste barco". Lendo sobre os diversos gêneros de espetáculos já produzidos com audiodescrição, surpreendemo-nos com a audiodescrição em óperas... quem diria que poderíamos assistir a uma com independência? Lívia Motta, audiodescritora que começou esse trabalho, nos revela como foi realizado e Antonio Carlos Barqueiro nos mostra o resultado em seu depoimento: "Uma grande experiência para mim foi assistir à ópera Cavalleria Rusticana, no Teatro São Pedro em São Paulo, julho de 2009. Através da audiodescrição, pude entender a mensagem, acompanhar as ações e, ao final do espetáculo, me emocionar como em poucas ocasiões. E, principalmente: podendo comentar com qualquer pessoa e até mesmo com qualquer crítico”. Elizabet Dias de Sá nos revela a importância da audiodescrição em sua vida no texto "A Incompletude do Olhar". Mas a audiodescrição não significa só pessoas com deficiência apaixonadas por sua liberdade e autonomia, ela é, em si, um conjunto de técnicas e estratégias, o trabalho de um grupo, experiência e arte. Tenho certeza de que os leitores interessados no tema ficarão fascinados ao conhecerem o que há por trás de cada palavra ou frase audiodescritiva, nas aulas verdadeiramente didáticas que nossos audiodescritores, como Vera Santiago, Maurício Santana, Graciela e Lara Pozzobon, ministram escrevendo sobre o assunto; e, também, como coordenadores de projetos começam a inserir a audiodescrição em seus trabalhos. Muito importante ainda é ela não ser apenas aceita, como impulsionada por empresas. Ficamos felizes lendo Letícia Schwartz ao dizer: "Audiodescrever me deixa feliz. Simples assim. Discutir metodologias e sistemáticas, assistir a um mesmo filme até quase conhecê-lo de cor, estudar e me informar sobre assuntos que não domino para melhor compreender as imagens. Garimpar palavras que correspondam exatamente àquilo que quero descrever, cortar- ajustar-encaixar narrações nos espaços disponíveis como quem monta um quebra-cabeças. Ouvir o filme de olhos fechados e perceber que ele se torna compreensível". Mesmo assim, com toda essa arte e desejo, percebemos, através dos pontos que Iracema Vilaronga e Laércio Santana destacam em seus artigos, a complementaridade de motivos para que a audiodescrição ainda seja uma técnica pouco conhecida, apesar de ser uma acessibilidade tão importante para inúmeros meios de comunicação. Segundo Iracema, "Os autores de produtos audiovisuais, enquanto arte visuocêntrica, ainda não se deram conta de que pessoas com deficiência visual também gostam, vivenciam e precisam de tais experiências. Grande parte desse público fica privada do lazer e da expressão cultural através de tais produtos, por estar socialmente vinculado à experiência estética o sentido da visão". E para Laércio, "aí está, certamente, o maior desafio da audiodescrição. Devido ao pouco estímulo oferecido aos produtos audiovisuais graças à falta de acessibilidade, as pessoas com deficiência, em sua grande maioria, não desenvolveram uma cultura para o teatro, cinema ou televisão. Despertá-las para estes ‘novos canais de comunicação’ é preponderante para torná-las consumidoras de produtos audiodescritos”. Através de iniciativas como a de Rodrigo Campos, audiodescritor totalmente alinhado às nossas perspectivas, podemos conhecer "de camarote", como surgiu, como foi feita passo a passo, a audiodescrição e closed caption do O Signo da Cidade, 1ª sessão da história do cinema nacional em que surdos e cegos vivenciaram a estreia de um filme do circuito comercial. Por outro lado, eu diria, do mesmo lado, Naziberto Lopes, nos narra sua experiência na Espanha, qualificada por ele como marcante, ao presenciar a estreia do filme Quem quer ser um milionário, lançado em circuito comercial na cidade de Madri. Naziberto nos conta: “Foi extremamente gratificante estar naquela sala de cinema junto com tantas outras pessoas com e sem deficiência, todas assistindo o mesmo filme e no mesmo momento, cada uma tendo sua especificidade atendida e podendo desfrutar do prazer e da emoção daquele entretenimento. Confesso que mesmo com a barreira do idioma, dublado e audiodescrito em espanhol, consegui ter uma compreensão ampla da trama podendo discuti-la com meu colega que não possui deficiência. Joana Belarmino destaca a questão do consumo de produtos audiovisuais por pessoas cegas: "Quando reflito sobre a realidade da cegueira, associando-a ao desenvolvimento histórico e sociocultural, percebo o grande salto dado com a era tecnológica, no sentido da sua potencialidade para a democratização da comunicação,trazendo à tona inúmeras perspectivas para a ampliação do consumo adequado de inúmeros produtos da cultura, sobretudo os produtos audiovisuais". E parece que a VIVO penetrou em sua reflexão ao escrever sobre essa ampliação no teatro, através de seus representantes Luis Fernando Guggenberger e Eduardo Valente: "O Teatro Vivo, endereço do circuito cultural de São Paulo que integra as instalações do prédio sede da Vivo na capital paulista, foi o primeiro da América Latina a oferecer audiodescrição para pessoas com deficiência visual. A novidade, que seria incorporada definitivamente à rotina da casa, estreou em julho de 2006, na peça O Santo e a Porca. (...) A aceitação do público e a repercussão na imprensa não deixavam dúvidas: ali estava uma semente a ser cultivada". E foi: o Teatro Vivo possui audiodescrição uma vez por semana em todas as suas peças realizada através de seus voluntários capacitados pela audiodescritora Lívia Motta. Tenho certeza também de que, mesmo que você pouco ou nunca tenha ouvido falar sobre audiodescrição, seja você pessoa com deficiência, candidato a audiodescritor, coordenador de projetos que atendam à acessibilidade universal, gestor do governo ou de empresas particulares, responsável por políticas públicas ou um mero e distraído leitor que não tem ideia de como esse livro caiu em suas mãos, a audiodescrição e tudo que a envolve vai te pegar em cada linha pela sua importância, pela emoção, pela arte – diria Bell Machado – pela filosofia e você, sem perceber, ao final, pode querer ir além, estar mais perto e entre nós também expressando sua experiência. Eliana Franco e Manuela Carvalho nos oferecem um histórico interessantíssimo sobre a audiodescrição no mundo e aqui entre nós. Nesse sentido, este livro virá adicionar à pouca literatura brasileira sobre o assunto, uma contribuição importante para o conhecimento das várias experiências existentes no mercado e na academia. Estas, no Brasil, se fundindo cada vez mais. Os vários enfoques abordados pelos que aqui escrevem, como já disse, abrem um leque imenso de caminhos para todos nós. Entretanto, sabemos que a audiodescrição ainda é uma acessibilidade pontual nos produtos audiovisuais e cênicos, mas todos são unânimes em dizer que ela é uma necessidade fundamental e que deve ser introjetada na cultura social e, especialmente, no cotidiano das pessoas com deficiência. A maioria de nós ainda a desconhece e, se nós a desconhecemos, não sentimos falta consciente dela. A maior parte dos trabalhos de audiodescrição sofrem de descontinuidade e acabam por não atingir o grande público de seus usuários. Pelo censo IBGE de 2000, prestes a ser refeito, éramos 16,5 milhões de pessoas com deficiência visual no Brasil, 2,8 milhões de pessoas com deficiência intelectual, entre autistas, síndrome de Down e outras, além das pessoas com transtorno de aprendizagem como os disléxicos, que podem se beneficiar também com a audiodescrição, por ser um segundo canal sensorial a ser aproveitado para uma compreensão mais rápida das informações visuais. Assim, este livro também cumpre a função de divulgador desse recurso de tecnologia assistiva. Ninguém sabe tão bem quanto Paulo Romeu sobre a luta pelo direito à audiodescrição. Como ele mesmo vai nos revelar, há muito tempo que estamos batalhando pela regulamentação de leis já existentes, logo, por direitos já adquiridos. Por vezes, temos de relaxar para podermos recobrar forças, por outras lutar por esses direitos judicialmente e mostrar que somos cidadãos, assim como consumidores de informação, cultura, produtos e serviços como todo mundo. Finalmente, para deixar aqui algo além do conhecimento que cada um de vocês poderá desfrutar neste livro, deixo também a receita de um bolo: Meu bolo é de massa comum, bem gostosa, daquela que a vovó fazia para tomarmos o café com pão da tarde. O mais importante desse bolo caseiro, são os sonhos, não os de Valsa, mas os que surgem a cada mordida. Sonhos grandes, açucarados, confortantes, aguados de simples desejos. Não são sonhos impossíveis, apenas sonhados enquanto mordemos, sonhos de alguém, de um beijo quase esquecido, da visão do amor que um dia existiu ou mesmo do amor latente e estocado que só percebemos quando aparece para nos deixar felizes. Sonhos de mães e pais para seus filhos, sonhos de filhos com suas namoradas e namorados, sonhos de vó para neto que nunca crescerá, mas que já é um homem. A cada mordida uma viagem, a cada viagem inúmeras dores esquecidas, mágoas lavadas, boca salivada. Um bolo que, como tudo, acaba e que pode ser refeito. Entretanto, lá no fundo, onde o bolo se apoiou para que o pudéssemos partir e saborear, o maior dos sonhos possíveis escrito com chocolate, relevo, luta, amor e liberdade... um sonho audível: AUDIODESCRIÇÃO JÁ! Aos organizadores dessa obra conjunta, Lívia Maria Villela de Mello Motta e Paulo Romeu Filho, meus sinceros agradecimentos pela oportunidade de estar nela, presente, e parabéns por essa feliz iniciativa. Aos autores destes significativos artigos e depoimentos, gostaria de lhes declarar minha imensa felicidade por terem compartilhado suas experiências. Aos leitores, desejo o melhor proveito de suas informações, inspiração para o surgimento de outras obras e, o que é mais importante, a curtição de tudo de bom e de novo que possam conhecer com ela. Verão, início de 2010. PARTE I ARTIGOS AUDIODESCRIÇÃO: BREVE PASSEIO HISTÓRICO Eliana Paes Cardoso Franco* Manoela Cristina Correia Carvalho da Silva A audiodescrição consiste na transformação de imagens em palavras para que informações-chave transmitidas visualmente não passem despercebidas e possam também ser acessadas por pessoas cegas ou com baixa visão. O recurso, cujo objetivo é tornar os mais variados tipos de materiais audiovisuais (peças de teatro, filmes, programas de TV, espetáculos de dança, etc.) acessíveis a pessoas não-videntes, conta com pouco mais de trinta anos de existência. Uma realidade em países da Europa e nos Estados Unidos, a AD vem paulatinamente ganhando maior visibilidade e projeção também em outros locais, à medida que o direito da pessoa com deficiência visual à informação e ao lazer é reconhecido e garantido. O objetivo deste texto é oferecer um breve panorama histórico da AD em nível nacional e internacional. Como a promoção da acessibilidade encontra-se em estágios diferentes em diferentes países, há locais, como no caso do Brasil, onde a AD ainda dá seus primeiros passos. Esperamos com este texto, portanto, contribuir para gerar maior interesse sobre o tema e informar o público em geral sobre suas origens. Para tanto, apresentamos algumas das pesquisas, publicações e opções em termos de formação em AD hoje disponíveis. 1. Breve panorama da AD no mundo 1.1 As origens A prática de se descrever o mundo visual para pessoas não-videntes é imemorial. No entanto, enquanto atividade técnica e profissional, a AD nasceu em meados da década de 70 nos Estados Unidos, a partir das ideias desenvolvidas por Gregory Frazier em sua dissertação de mestrado. Apesar de esse trabalho datar do ano de 1975, a AD teve seu debut somente na década seguinte graças ao trabalho do casal Margaret e Cody Pfanstiehl. Margaret Rockwell, portadora de deficiência visual e fundadora do serviço de ledores via rádio The Metropolitan Washington Ear, e seu futuro marido, o voluntário Cody Pfanstiehl, foram responsáveis pela audiodescrição de Major Barbara, peça exibida no Arena Stage Theater em Washington DC em 1981. Na época, o Arena Stage Theater havia recebido recursos públicos para tornar suas produções mais acessíveis e Margaret Rockwell foi contatada para ajudar nessa empreitada. Ela, por sua vez, buscou o auxílio de Cody Pfanstiehl e o casal, então, passou a audiodescrever as produções teatrais. Eles também foram responsáveis pelas primeiras audiodescrições em fita cassete usadas em visitas a museus, parques e monumentos nos EUA, além de contribuir de maneira significativa para levar a AD à televisão. Em 1982, eles audiodescreveram a série de TV American Playhouse, transmitida pela Public Broadcasting Service (PBS). Enquanto o programa era exibido, a audiodescrição era transmitida simultaneamente via rádio. Os primeiros testes para transmitir programas televisivos com AD pré-gravada em rede nacional começaram quatro anos depois. A estação de TV WGBH, afiliada da PBS em Boston, anteviu a possibilidade de usar o recém-criado Programa de Áudio Secundário (SAP) para esse fim. A partir de 1986 e com o auxílio do Metropolitan Washington Ear, a WGBH começou a realizar vários testes de recepção com espectadores com deficiência visual. Esses testes culminaram na criação do Descriptive Vídeo Services (DVS), o primeiro provedor de material audiodescrito pré-gravado para televisão dos EUA. O DVS foi oficialmente lançado em 1990. Ainda em 1990, quatro organizações foram premiadas pela National Academy of Television Arts and Sciences por suas importantes contribuições para levar a AD à televisão: o AudioVision Institute, criado pelos Drs. Gregory Frazier e August Coppola em 1987 na San Francisco State University; a Narrative Television Network (NTN), fundada por James Stovall em 1989; o Metropolitan Washington Ear; e a WGBH. O AudioVision Institute, além de promover cursos em audiodescrição e pesquisar diversas aplicações para a técnica, foi responsável pela exibição do primeiro filme com AD nos EUA, Tucker de Francis Ford Coppola, irmão de August Coppola. James Stovall havia começado a audiodescrever filmes em vídeo em 1988 e, em seguida, fundado a NTN para audiodescrever filmes para a TV a cabo, inicialmente sem a tecnologia SAP. Já a parceria entre o Metropolitan Washington Ear e a WGBH havia resultado na criação do DVS. Após sua estreia na televisão, a AD passou também a ser oferecida em óperas e no cinema. Em 1994, o Metropolitan Washington Ear audiodescreveu Madame Butterfly para a companhia Washington Opera. Já em 1992, a WGBH deu início ao projeto Motion Picture Access (MoPix) para levar a AD ao cinema em escala comercial. Vários testes foram feitos até que, em 1999, a primeira sala de cinema a contar com a tecnologia desenvolvida pelo grupo exibiu o filme O Chacal. Hoje, centenas de salas dispõem dos equipamentos e podem exibir filmes com audiodescrição nos EUA. Uma década após seu nascimento, a AD foi gradativamente ganhando espaço também fora do território americano. A Europa foi apresentada à técnica em meados da década de 80, mais precisamente em 1985. As produções amadoras do pequeno teatro Robin Hood em Averham, na Inglaterra, foram as primeiras a contar com o recurso. Exibições de caráter profissional e em larga escala passaram a ser oferecidas no Theatre Royal em Windsor a partir de 1988, sendo a primeira delas a peça Stepping Out. Na televisão e no DVD, o RNIB (Royal National Institute of Blind People), a maior instituição de cegos do país, tem sido responsável pela promoção da audiodescrição em larga escala, elevando o país ao primeiro posto em volume de audiodescrição oferecida ao cidadão com deficiência visual. Após a Inglaterra, a AD, na forma pela qual a conhecemos hoje, chega à Espanha. Em 1987, a Organización Nacional de Ciegos Españoles (ONCE) audiodescreve o filme O último Tango em Paris. Em seguida, é a vez da França. O país é apresentado à técnica durante o Festival de Cannes de 1989. Dois extratos de filmes com AD, resultado de um curso de formação em audiodescrição realizado por estudantes franceses junto ao AudioVision Institute nos EUA, são exibidos na ocasião. Ainda em 1989, os franceses audiodescrevem seu primeiro filme, Indiana Jones e a Última Cruzada. Nesse mesmo ano, as primeiras sessões especiais de cinema com AD são organizadas na Alemanha, fruto dos relatos ouvidos sobre a exibição dos filmes em Cannes. Na televisão, a rede de TV bávara Bayerishes Rundfunk, de Munique, foi pioneira em oferecer alguns itens de sua programação audiodescritos e por fazer uso sistemático de um consultor com deficiência visual durante o processo de audiodescrição desses itens. E assim, de país em país, a AD vai gradativamente ganhando espaço dentro e fora da Europa. Hoje, além dos Estados Unidos, os países que mais investem na audiodescrição, tanto na televisão como no cinema e no teatro são Inglaterra, França, Espanha, Alemanha, Bélgica, Canadá, Austrália e Argentina. 1.2 Pesquisas e publicações Apesar de ter sua origem no contexto acadêmico, a AD logo adquiriu um caráter mais prático-técnico e utilitário. Não causa surpresa, portanto, o fato de que pesquisas sobre o tema só tenham começado a ser relatadas na década de 90, quase vinte anos após o seu surgimento. Os primeiros estudos foram conduzidos nos EUA e Inglaterra, nações com maior tradição em AD, e surgiram no contexto da implantação do recurso na TV. Nos EUA, muitas dessas pesquisas contaram com o apoio da American Foundation for the Blind (AFB) e envolveram o DVS. Na Inglaterra, a maioria dos estudos contou com o apoio do Royal National Institute of Blind People (RNIB) e aconteceu como parte integrante do projeto Audio Described Television (AUDETEL), um consórcio multinacional formado para investigar os diversos aspectos (técnicos, logísticos, artísticos, etc.) envolvidos na transmissão de programas audiodescritos pela TV na Europa. Muitos desses estudos deram origem a artigos publicados em periódicos especializados ligados à questão da deficiência visual como o Journal of Visual Impairment & Blindness (EUA) e o British Journal of Visual Impairment (Inglaterra). São exemplos dessa primeira fase, os trabalhos de Kuhn (1992 apud SCHMEIDLER & KIRCHNER, 2001) ; Kuhn e Kirchner (1992 apud SCHMEIDLER & KIRCHNER, 2001) ; Katz e Turcotte (1993 apud SCHMEIDLER & KIRCHNER, 2001) ; Frazier e Coutinho-Johnson (1995 apud SCHMEIDLER & KIRCHNER, 2001) ; Packer (1996); Pettitt, Sharpe e Cooper (1996); Peli, Fine e Labianca (1996); Packer e Kirchner (1997); e Schmeidler e Kirchner (2001). Nessa fase inicial, as pesquisas procuravam traçar um perfil da população com deficiência visual e seus hábitos televisivos, estabelecer se a audiodescrição seria um recurso apreciado por seu público alvo, e determinar se o seu uso contribuiria para que esse público compreendesse materiais audiovisuais mais facilmente. Essas pesquisas foram de fundamental importância, pois, além de tornarem mais clara a relação das pessoas com deficiência visual com a televisão e o vídeo, suas necessidades e preferências, elas também demonstraram a validade da AD para seus usuários. De acordo com esses trabalhos, a AD não só aumentaria a compreensão dos programas, como traria uma série de outros benefícios. Segundo Packer (1996), por exemplo, a AD auxiliaria a aquisição de conhecimentos sobre o mundo visual, especialmente aqueles ligados a normas de interação social (linguagem corporal, estilos de roupa, etc.); tornaria a experiência com a TV mais agradável e educativa; proporcionaria um sentimento de maior independência, igualdade e inclusão; e desobrigaria familiares e amigos da tarefa de descrever os programas. Segundo Schmeidler e Kirchner (2001), a AD traria ainda o benefício de deixar o público com deficiência visual mais confortável para conversar com pessoas videntes sobre os programas a que assistiam. Os resultados desses primeiros estudos, portanto, foram bastante positivos e abriram caminho para novas linhas de investigação sobre o tema. Pesquisas que aproximaram a audiodescrição da Ciência da Computação, especialmente das áreas de multimídia e inteligência artificial, por exemplo, foram empreendidas pelo Departamento de Computação da University of Surrey (2002-2005) durante o período de vigência do projeto Television in Words (TIWO) ; Piety (2003) dedicou sua dissertação de mestrado à investigação da audiodescrição enquanto sistema de comunicação; o Royal National Institute of Blind People e a Vocaleyes (2003) realizaram pesquisas sobre o uso da audiodescrição em museus, galerias e sites históricos e culturais; e o Alliance Library System empreendeu projeto de pesquisa para estudar a aplicação da técnica a acervos digitais (PETERS; BELL, 2006). Foi, entretanto, a área de Estudos da Tradução aquela que mais produziu material acerca da AD a partir do início dos anos 2000. Como o recurso começou a ser entendido como um exemplo de tradução intersemiótica e um modo de tradução audiovisual, muitas publicações especializadas na área passaram a tratar do assunto. As primeiras referências podem ser encontradas em uma edição especial da revista The Translator. Em sua introdução, Gambier (2003) discorre sobre as 12 diferentes modalidades que compõem o gênero Tradução Audiovisual, citando entre elas a audiodescrição. A partir daí, artigos sobre AD começaram a ser publicados em revistas como META, Quaderns, Translation Watch Quarterly, Translating Today, TRANS. Revista de Traductología e Linguistica Antverpiensia. Podem ser citados, entre esses trabalhos, os de Benecke (2004); Hernández-Bartolomé e Mendiluce-Cabrera (2004); Orero (2005a, 2005b, 2005c); Snyder (2005); Díaz Cintas (2005); Díaz Cintas, Orero e Remael (2007); Matamala (2005, 2007); Pujol e Orero (2007); Orero, Pereira e Utray (2007); Fuertes e Martinez (2007); Badia e Matamala (2007); Matamala e Orero (2007 apud REMAEL & NEVES, 2007) ; Remael e Vercauteren (2007); Remael e Neves (2007); Hurtado (2007b apud REMAEL & NEVES, 2007) ; e Braun (2007 apud REMAEL & NEVES, 2007) . Em geral, esses trabalhos se ocuparam em traçar um breve histórico da AD; detalhar as etapas do processo de audiodescrição; apresentar as especificidades da AD para o cinema, TV, teatro ou ópera e os modelos e normas adotados em diferentes países; delinear as competências necessárias aos profissionais; e discutir questões ligadas à formação de audiodescritores. Durante esse período, vários trabalhos sobre audiodescrição também foram apresentados em seminários e congressos, entre eles Languages and the Media (2002, 2004, 2006, 2008) em Berlim; In So Many Words (2004) em Londres; Media For All em Barcelona (2005) e Leiria (2007); MuTra: Multidimensional Translation em Saarbrücken (2005), Copenhagen (2006) e Viena (2007); Audio Description for Visually Impaired People (2007) em Guildford; e Congreso de Accesibilidad a los Medios para Personas con Discapacidad, AMADIS em Madri (2006), Granada (2007) e Barcelona (2008). Alguns desses encontros, inclusive, deram origem a livros sobre o assunto. Em 2007, é lançado o livro Accesibilidad a los Medios Audiovisuales para Personas con Discapacidad - AMADIS’ 06 (MEZCUA; DELGADO, 2007), reunindo trabalhos sobre legendagem para pessoas com deficiência auditiva, AD e acessibilidade à Web. Os textos abordam questões as mais variadas como a formação, a normatização, a pesquisa e os aspectos técnicos envolvidos no processo de se tornar materiais audiovisuais acessíveis a diferentes públicos. Nesse mesmo ano, também é lançado o livro Media for All: Subtitling for the Deaf, Audio Description and Sign Language (DÍAZ CINTAS; ORERO; REMAEL, 2007). Nove dos trabalhos incluídos na publicação versam sobre audiodescrição. Os textos tratam de assuntos os mais diversos, desde trabalhos baseados na Linguística de Corpus até a análise contrastiva da AD de um mesmo filme em duas línguas diferentes, passando por trabalhos dedicados à AD de obras de arte e espetáculos de balé, e um primeiro esboço do que poderia ser um guia único internacional para a criação de roteiros de AD. Ainda em 2007, é publicado o livro Traducción y Accesibilidad: subtitulación para sordos y audiodescripción para ciegos: nuevas modalidades de Traducción Audiovisual (HURTADO, 2007a). Apesar de seu título sugerir a presença de textos tanto sobre a tradução para cegos quanto para surdos, a publicação dedica-se quase que exclusivamente à AD. Quatorze dos dezesseis trabalhos incluídos na publicação versam sobre audiodescrição. Tal como no livro Media for All mencionado anteriormente, podem ser encontrados textos sobre temas bastante variados como, por exemplo, a relação entre a linguagem cinematográfica e a AD ou entre a AD e a linguagem literária, a chuchotagem audiodescritiva (audiodescrição sussurrada), a audiodescrição com apoio táctil, a caracterização dos personagens nos roteiros audiodescritos, e o uso da AD como ferramenta didática de ensino do processo de tradução. Já em 2008, é lançado o livro Accesibilidad a los Medios Audiovisuales para Personas con Discapacidad - AMADIS’ 07 (HURTADO & DOMÍNGUEZ, 2008). No que tange à AD, são apresentados os resultados de uma pesquisa sobre as preferências de videntes e não-videntes quanto à audiodescrição ; e o embrião de um sistema de audiodescrição baseado em entornos virtuais de trabalho colaborativo, uma alternativa para tornar o processo mais ágil e econômico. Também é discutida a questão da formação de audiodescritores, tema de nossa próxima seção. 1.3 Formação Três têm sido os modelos utilizados para a formação em AD: o treinamento através de cursos de curta duração ministrados por audiodescritores com experiência de mercado; o treinamento em serviço promovido por empresas que trabalham com AD; e a formação acadêmica, em geral na forma de módulos em cursos de mestrado em Tradução Audiovisual, ou cursos certificados em nível de extensão. Os EUA têm dado preferência pelos dois primeiros modelos, enquanto a Europa tem adotado os dois últimos. No entanto, cresce entre os europeus o movimento por uma maior normatização e profissionalização na área. Cresce também a crença na necessidade de uma formação sólida para que se possa projetar, de forma eficaz, o resultado da percepção visual sobre o discurso. Por isso, a formação universitária pode eventualmente vir a ser privilegiada. Hoje, são exemplos de instituições de ensino superior que oferecem formação em AD o The Open College Network West and North Yorkshire (curso certificado) e a University of Surrey (mestrado) na Inglaterra, a Universitat Autònoma de Barcelona (mestrado) na Espanha e a University College Antwerp (mestrado) na Bélgica. Após esse breve passeio pela AD em nível internacional, é hora de descrevermos o cenário brasileiro. 2. Breve panorama da AD no Brasil 2.1 As origens No Brasil, a AD foi utilizada em público, pela primeira vez, em 2003, durante o festival temático Assim Vivemos: Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência, que reproduz a ideia do festival Wie Wir Leben (Como Nós Vivemos) de Munique, na Alemanha, e que acontece a cada dois anos. Dois anos mais tarde, em 2005, foi lançado em DVD o primeiro filme audiodescrito do país, Irmãos de Fé, seguido de Ensaio sobre a Cegueira em 2008, que constituem até o momento os únicos filmes audiodescritos que foram lançados em circuito comercial. Em 2008 surgiu também na televisão a primeira propaganda acessível para pessoas com deficiência, promovida pela marca Natura. O Festival de Cinema de Gramado, em sua edição de 2007, e o Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, nas edições de 2006 e 2007, foram as primeiras mostras não-temáticas a exibirem filmes audiodescritos. No teatro, a peça Andaime, exibida em São Paulo em 2007, foi o primeiro espetáculo teatral a contar com o recurso. Já a montagem Os Três Audíveis foi o primeiro espetáculo de dança audiodescrito, que aconteceu em Salvador (maio de 2008) e em Curitiba (junho de 2009). E em maio de 2009, em Manaus, o público com deficiência visual pôde apreciar a primeira ópera audiodescrita do país, Sansão e Dalila, atração do XIII Festival Amazonas de Ópera. Num outro âmbito, a audiodescrição também começou a ser promovida para um público com deficiência visual mais restrito, com as sessões mensais de filmes audiodescritos ao vivo na Associação Laramara, em São Paulo, e através do projeto do Ponto de Cultura – Cinema em Palavras – promovido pelo Centro Cultural Louis Braille, em Campinas. Com o intuito de fortalecer e promover a audiodescrição no país, foi formada a primeira associação de audiodescritores do Brasil, a MIDIACE – Associação Mídia Acessível, em setembro de 2008, formada basicamente por integrantes das universidades federais de Minas Gerais, Bahia e da universidade estadual do Ceará. Em outubro do mesmo ano, aconteceu o 1º. Encontro Nacional de Audiodescritores realizado em São Paulo. E, no final de 2008, as pessoas com deficiência visual também ganharam seu primeiro site de filmes acessíveis, o , uma iniciativa da Lavoro Produções, Educs e Cinema Falado. Todas essas ações pioneiras foram amplamente bem recebidas. Contudo, sua continuidade tem dependido muito mais de iniciativas privadas do que do apoio das autoridades dos meios de comunicação no que diz respeito ao cumprimento da lei que garante o acesso da população brasileira com deficiência visual aos meios audiovisuais. Desde a promulgação da lei 10.098 (BRASIL, 2000), regulamentada pelo Decreto 5.296 (BRASIL, 2004), alterado pelo Decreto 5.645 (BRASIL, 2005) e pelo Decreto 5.762 (BRASIL, 2006b), o recurso da audiodescrição tornou-se um direito garantido pela legislação brasileira. Após consulta e audiência públicas e a oficialização da Norma Complementar nº1 (BRASIL, 2006a), as emissoras de TV foram obrigadas a oferecer, num prazo máximo de dois anos, duas horas diárias de sua programação com audiodescrição. A quantidade de horas diárias deveria aumentar gradativamente para que, num prazo máximo de dez anos, ou seja, 2016, toda a programação estivesse acessível. No entanto, desde que o referido prazo foi vencido, em 27 de junho de 2008, três portarias já foram publicadas, numa clara demonstração de que os interesses das emissoras de TV ainda falam mais alto. A Portaria 403 (BRASIL, 2008c) suspendeu a obrigatoriedade do recurso da audiodescrição por 30 dias. A Portaria 466 (BRASIL, 2008b), de 30 de julho de 2008, restabeleceu a obrigatoriedade do recurso e concedeu prazo de 90 dias para que as emissoras iniciassem a transmissão de programas com audiodescrição. A Portaria 661 (BRASIL, 2008a), de 14 de outubro do mesmo ano, suspendeu novamente a aplicação do recurso para realização de uma nova consulta pública sobre a questão, com prazo até 30 de janeiro de 2009, sendo possível sua prorrogação sine die e a convocação de mais uma audiência pública (ROMEU FILHO, 2008). Em novembro de 2009, o Ministério das Comunicações lança a Portaria 985, que abre uma nova consulta pública para propor alterações na Norma Complementar no 1/2006. A questão está, agora, nas mãos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que devem julgar uma ação movida pelo Conselho Nacional dos Centros de Vida independente (CVI - Brasil) e pela Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) com vistas a suspender a Portaria 661. Enquanto o entrave legal não se resolve, o direito de acesso aos meios para os não-videntes continua em suspenso. No Brasil, portanto, diferentemente da realidade das nações europeias e dos EUA descritas anteriormente, a luta é para que o direito à AD “saia do papel” e que cidadãos brasileiros com deficiência visual também possam ter acesso às produções culturais exibidas em território nacional. 2.2 Pesquisas e publicações A pesquisa em AD no país, ainda que escassa, está sendo liderada pelas universidades federais da Bahia, de Pernambuco, Minas Gerais e pela universidade estadual do Ceará. A bibliografia específica ainda é muito restrita e resume-se a um artigo de autoria de Franco (2006b) na revista Ciência e Cultura da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e a outros três artigos: de Orero (2007), Casado (2007) e Franco (2007a) num número especial da TradTerm: Revista do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia da Universidade de São Paulo (USP), organizado pelas Profas. Dras. Eliana Paes Cardoso Franco (UFBa) e Vera Lúcia Santiago Araújo (UECE). O primeiro artigo (FRANCO, 2006b) trata da questão da acessibilidade aos meios e traz referências à legenda fechada e à audiodescrição. Os três últimos discutem a audiolegendagem para a ópera (ORERO, 2007), a audiodescrição sob um ponto de vista histórico e técnico (CASADO, 2007), e os primeiros resultados de uma pesquisa de recepção em audiodescrição realizada na cidade de Salvador pelo grupo TRAMAD (Tradução, Mídia e Audiodescrição) (FRANCO, 2007a). O TRAMAD é um grupo de pesquisa certificado pelo CNPq e pioneiro no Brasil, tendo iniciado suas atividades no ano de 2004. Coordenado pela Dra. Eliana Franco (UFBA), o TRAMAD reúne pesquisadores voluntários graduados e pós-graduados, dentre eles, uma consultora com deficiência visual. O grupo realiza estudos com vistas a elaborar um modelo de audiodescrição que vá ao encontro das necessidades e preferências do público brasileiro com deficiência visual. É de autoria do grupo o artigo “Confronting amateur and academic audiodescription: a case study” (FRANCO et al, 2008) a ser publicado nos anais do seminário Audio Description for Visually Impaired People, realizado na University of Surrey, em Guildord, Inglaterra, em julho de 2007. Além do referido artigo, o TRAMAD vem representando o Brasil na pesquisa sobre audiodescrição, em encontros internacionais, em países tais como a Espanha (FRANCO; ARAÚJO, 2005); Dinamarca (FRANCO, 2006a); Inglaterra (FRANCO, 2007b); e França (FRANCO, 2008). No âmbito nacional, o grupo tem promovido parcerias com outras áreas do conhecimento, como o projeto TRAMADAN (Tradução, Mídia, Audiodescrição e Dança), que resultou na audiodescrição do primeiro espetáculo de dança do Brasil mencionado anteriormente. É também de autoria de um dos integrantes do grupo a primeira dissertação de mestrado em AD do país (SILVA, 2009), fruto de pesquisa intensiva com o público infanto-juvenil com deficiência visual. A partir do início de 2008, o grupo tem desenvolvido trabalhos para o cinema, o teatro e a dança. Outro grupo de pesquisa que vem se dedicando ao assunto é o LEAD (Legendagem e Audiodescrição), coordenado pela Dra.Vera Lúcia Santiago Araújo, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). O LEAD tem como objeto de pesquisa a acessibilidade audiovisual para cegos e surdos. O grupo vem apresentando trabalhos sobre AD em eventos e desenvolvendo iniciativas, como a audiodescrição de filmes e peças, a promoção de festivais de cinema acessíveis, além de visitas guiadas a teatros, no próprio estado do Ceará. Mais recentemente, o grupo LEAD tem desenvolvido o importante projeto DVD Acessível, que busca promover a audiodescrição de filmes em DVD junto a seus produtores. Além da UFBA e UECE, outras duas unidades de ensino contam com pesquisadores interessados no tema da AD, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Podem ser citados entre esses pesquisadores a Dra. Célia Magalhães e a Dra. Adriana Pagano da UFMG, e o Dr. Francisco Lima da UFPE. No entanto, como a promoção da acessibilidade é um tema que vem ganhando cada vez mais adeptos, a tendência é a de que a AD venha a conquistar maior visibilidade e a atrair um maior número de pesquisadores em território nacional. 2.3 Formação No Brasil, dois têm sido os modelos utilizados para a formação em AD: o treinamento através de cursos informais promovidos pela iniciativa privada e a formação universitária certificada no nível de especialização ou extensão. No primeiro caso, destacam-se os trabalhos da Dra. Lívia Motta, responsável pela preparação dos audiodescritores do Teatro Vivo em São Paulo, e de Graciela Pozzobon, audiodescritora do festival Assim Vivemos e treinadora de audiodescritores no Rio de Janeiro. No contexto universitário, os Professores Eliana Franco, Vera Santiago Araújo e Francisco Lima vêm ministrando cursos de extensão e especialização para a formação de audiodescritores, a primeira em Salvador (UFBa) e Maranhão (UFMA), a segunda em Fortaleza (UECE), Belo Horizonte (UFMG e PUC- MINAS) e Natal (UERN), e o terceiro em Recife (UFPE). Juntos, já introduziram a audiodescrição para cerca de 200 alunos. Sejam certificados ou não, formal ou informalmente, mais e mais audiodescritores estão sendo treinados para suprir o mercado que inevitavelmente se abrirá com a devida implementação da lei de acessibilidade. 3 Conclusão Desde seu nascimento até aqui, a AD já percorreu um longo caminho, cruzando continentes e levando a diferentes países a perspectiva de se oferecer maior acesso à informação, à cultura e ao lazer. Apesar dessa trajetória promissora, é importante frisar que a AD não se encontra no mesmo estágio de desenvolvimento em todas as partes do mundo. Em países como o Brasil, por exemplo, o recurso ainda dá seus primeiros passos. É vital, portanto, que pesquisas na área sejam estimuladas e que o recurso ganhe maior visibilidade entre o público em geral, inclusive o vidente. Quanto mais pesquisas, mais publicações e mais cursos formais na área, maior será a consolidação do direito à acessibilidade audiovisual pelas pessoas com deficiência visual, direito esse materializado através da audiodescrição. Enquanto isso, os nomes que começaram a construir a história da AD no Brasil e que batalham incansavelmente para sua implementação, tais como Lara e Graciela Pozzobon, Lívia Motta, Eliana Franco, Vera Santiago Araújo, Francisco Lima, Bell Machado, Maurício Santana, além, é claro, de seus maiores apoiadores, como Paulo Romeu Filho, Marco Antonio Queiroz e Iracema Vilaronga, começam a ganhar seguidores cada vez mais entusiasmados que estão dispostos a fazer com que a AD saia do papel e ganhe os teatros, salas de cinema, museus e telas de computador e TV do Brasil afora. E que assim seja. Referências Bibliográficas BADIA, Toni; MATAMALA, Anna. La docencia en accesibilidad en los medios. TRANS.Revista de Traductología, Málaga, n. 11, 2007, p. 61-71. BENECKE, Bernd. Audio-Description. Meta, Montréal, v.49, n.1, p.78-80, abr. 2004. Disponível em: . Acesso em: 04 nov. 2007. BRASIL. Portaria nº 661, de 14 de outubro de 2008. D.O.U., 15 out. 2008a. Ministério das Comunicações. Disponível em: . 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Neste artigo, pretendo demonstrar como conheci e me envolvi com as questões de acessibilidade para pessoas com deficiência, em geral, e com a audiodescrição, em particular, bem como apresentar, seguindo uma linha do tempo, a sucessão de eventos transcorridos desde 2000, sobre a regulamentação do recurso da audiodescrição, para sua implementação na televisão brasileira. Como me envolvi com a audiodescrição Perdi a visão em 1980 devido a um acidente de carro. Estava com 22 anos e cursava o penúltimo ano de engenharia química. Depois de muitos meses nos quais minha vida se resumiu a entrar e sair de hospitais e consultórios médicos, iniciei o processo de reabilitação na Fundação Dorina Nowil Para Cegos, onde aprendi a usar a bengala-guia, ler e escrever em braille e a realizar diversas atividades de vida diária. Já estava com 25 anos quando, com o apoio de meus pais e de minha namorada, com quem me casei em 1985, voltei a me sentir física e emocionalmente apto a retomar minha vida normalmente. Foi então que conheci Domingos Sessa Neto, presidente do Instituto Brasileiro de Incentivos Sociais – IBIS, onde iniciei minha formação em informática, área ainda relativamente recente no Brasil e na qual as pessoas cegas vinham conseguindo demonstrar seu potencial apesar da pouca tecnologia adaptada existente naquela época. Já possuía alguns conhecimentos de processamento de dados porque era uma das disciplinas do currículo da faculdade de engenharia, mas foi no IBIS que realmente me interessei pela área e decidi então dedicar-me a ela profissionalmente. Em 2003, a empresa em que trabalho, que contrata pessoas com deficiência desde 1973, havia criado uma Equipe de Acessibilidade com o objetivo de identificar e propor soluções para as situações que constituíam barreiras para o desempenho de atividades desses funcionários. Fui convocado a participar dessa equipe e, como parte do trabalho de pesquisa de casos de sucesso de outras empresas, descobrimos que a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT havia recentemente criado o Comitê Brasileiro de Acessibilidade (CB40), específico para a elaboração de normas de acessibilidade para pessoas com deficiência. Esse comitê estava organizado em três comissões distintas para o estudo e elaboração de normas técnicas nas áreas de: barreiras arquitetônicas, barreiras nos transportes) e barreiras na comunicação. Posteriormente, foi criada uma nova comissão de estudos para a acessibilidade digital. A empresa me indicou para representá-la junto ao CB40, por isso comecei a participar das reuniões da Comissão de Estudos de Acessibilidade na Comunicação. Havia interesse, tanto da empresa em que trabalho quanto da comissão de estudos da ABNT, na criação de uma norma brasileira que tratasse do estabelecimento de diretrizes para a construção de sites na internet acessíveis para pessoas com deficiências. A CE03 criou um grupo de trabalho para a elaboração dessa norma e fui indicado para coordená-lo, mas logo nas primeiras reuniões percebemos que, em 1999, o World Wide Web Consortium - W3C, organismo normatizador mundial da internet, tinha publicado o documento intitulado “Recomendações de Acessibilidade para os Conteúdos da WEB”, que praticamente esgotava o assunto e já havia se transformado em referência internacional. Portanto, concluímos que melhor seria os desenvolvedores brasileiros de sites seguirem aquelas recomendações, ao invés de tentarmos criar padrões próprios para o Brasil; por isso o grupo de trabalho foi desfeito. Pouco tempo depois, a Equipe de Acessibilidade também foi desfeita em virtude de uma grande reestruturação da empresa em que trabalho, mas eu já havia sido infectado pelo “vírus da acessibilidade”, então continuei participando das reuniões da ABNT por iniciativa própria. A comissão de estudos de acessibilidade na comunicação já havia criado um grupo de trabalho que estava discutindo a elaboração de uma norma sobre o estabelecimento de diretrizes para a produção de legendas para pessoas surdas nos programas de televisão. Ainda não conhecia a audiodescrição. Assim, devido a minha formação na área de engenharia e a meus conhecimentos de informática, passei a coordenar um outro grupo de trabalho, que foi responsável pela elaboração da NBR 15250: Acessibilidade em Caixa de Auto-Atendimento Bancário. Fazia alguns anos que a Rede SACI – Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação – distribuía um boletim diário por e-mail com notícias do interesse de pessoas com deficiência. Foi por intermédio daquele boletim que, durante a elaboração da NBR 15250, tomei conhecimento da audiodescrição ao ler a divulgação do lançamento do DVD do filme Irmãos de Fé, o primeiro a ser lançado no Brasil com o recurso. Fui a uma vídeolocadora, trouxe o DVD para casa e, logo de início, me surpreendi ao perceber que o menu de abertura do DVD era acessível, pois conforme pressionava as teclas direcionais do controle remoto, uma locução me indicava as opções pelas quais eu estava navegando. Gostei da sensação de autonomia e liberdade porque, até aquele dia, precisava que algum vidente me ajudasse a selecionar as opções como idioma, qualidade do áudio, assistir os extras, etc.. Mas a surpresa foi ainda maior quando o filme começou, e aquela mesma voz dos menus aparecia em momentos chave, explicando e informando o que se passava nas cenas que eu não conseguiria entender pela falta da visão. Imediatamente compreendi o que era a audiodescrição e sua importância como um recurso capaz de promover a inclusão dos cegos em um mundo predominantemente visual. Na primeira reunião da CE03 após ter assistido àquele filme, cheguei a propor a elaboração de uma norma para a audiodescrição, a exemplo do que já se estava fazendo com as legendas para as pessoas surdas, mas a falta de maiores informações a respeito do assunto inviabilizou a proposta naquele momento. Alguns meses depois, em outra reunião da CE03, o Laramara – Associação de Assistência ao Deficiente Visual fez a apresentação de um trabalho que vinha desenvolvendo, e que consistia da exibição de filmes com audiodescrição feita ao vivo para pessoas cegas. Com base nessa apresentação, a coordenadora da CE03 decidiu incluir a audiodescrição como um novo capítulo a ser discutido pelo grupo de trabalho que estava elaborando a minuta da norma de legendas para surdos, aumentando assim o escopo da norma, que foi publicada pela ABNT como NBR 15290: Acessibilidade em Comunicação na Televisão. Algumas semanas após a publicação da NBR 15290, Genézio Fernandes Vieira, pessoa cega que trabalha como Procurador da Fazenda Nacional e, na época, também atuava como conselheiro do Conselho Nacional de direitos dos Portadores de Deficiência – CONADE, passou meus contatos para a Dra. Denise Costa Granja, coordenadora de assuntos judiciais do Ministério das Comunicações e também conselheira do CONADE. Em nosso primeiro contato, a Dra. Denise me informou que estava encarregada de elaborar um documento a ser publicado pelo Minicom para regulamentar os artigos do Decreto 5.296 que tratam da acessibilidade na televisão. Disse que o Genézio havia comentado sobre minha participação na elaboração da NBR 15290, e me perguntou se poderia ajudá-la na tarefa de que havia sido incumbida. Foram algumas semanas de inúmeros telefonemas e intensa troca de e-mails diários com a Dra. Denise até que, em novembro de 2005, havíamos concluído a redação de uma minuta de Norma Complementar, que foi submetida a consulta pública pela Portaria 476/2005 do Ministério das Comunicações, e ainda estabeleceu data para a realização de uma audiência pública. Este foi o início de uma sucessão de cartas, ofícios, reuniões técnicas, portarias, consultas e audiências públicas a respeito da audiodescrição, uma verdadeira Via Crucis para a implementação do recurso na televisão brasileira, que passo a descrever. A Saga da Audiodescrição no Brasil Dezembro de 2000 Foi sancionada a Lei 10.098, que ficou conhecida como Lei da Acessibilidade, por estabelecer normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, além de outras providências. Os artigos 2 (inciso II, alínea D), e 17 desta lei merecem ser aqui destacados, por serem aqueles mais diretamente relacionados à audiodescrição: Art. 2o Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições: ... II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em: ... d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa; ... Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. A íntegra desta lei pode ser obtida em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10098.htm Dezembro de 2004 Foram necessários quatro anos para que fosse publicado o Decreto 5.296, que regulamenta a Lei da Acessibilidade, inclusive no que se refere à acessibilidade na comunicação, de modo geral, e, na televisão, em particular: Regulamenta as leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. O artigo 52 deste decreto determinou a adaptação dos aparelhos televisores de modo a poderem ser usados por pessoas com deficiência, e o artigo 53 originalmente atribuiu à Anatel a competência para regulamentar as questões referentes à acessibilidade na programação veiculada pelas emissoras de televisão, entre elas: closed caption ou legenda oculta, audiodescrição e janela para intérprete de LIBRAS. A íntegra deste decreto pode ser obtida em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm. Fevereiro de 2005 Foi assinado o Decreto 5.371, que reformulou e estabeleceu as competências do Ministério das Comunicações e da Anatel, no que se refere aos serviços de transmissão e retransmissão da programação de televisão. A reformulação nas competências do Ministério das Comunicações e da Anatel estabelecida por este decreto exigiu, em consequência, que o artigo 53 do Decreto 5.296 também fosse reformulado, conforme se verá mais adiante. A íntegra deste decreto, já com as alterações posteriores a sua publicação, pode ser obtida em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2005/Decreto/D5371.htm. Junho de 2005 A Rede Globo de Televisão apresenta a novela América, que tem em sua trama dois personagens cegos. Para auxiliar a autora da novela na construção desses personagens, uma de suas assessoras cria um grupo de discussão na internet do qual participam aproximadamente cinquenta pessoas cegas. Durante essas discussões, surge a solicitação para que a TV Globo inclua a audiodescrição na produção e veiculação da novela, que foi formalizada para a diretoria da emissora como carta aberta, que está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/carta-aberta-rede-globo-de- televisao.html. Outubro de 2005 O Comitê Brasileiro de Acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT publicou a Norma Brasileira NBR 15290: Acessibilidade em Comunicação na Televisão. Texto disponível em http://www.mj.gov.br/corde/arquivos/ABNT/NBR15290.pdf. Novembro de 2005 O Ministro das Comunicações assinou a Portaria 476, submetendo a consulta pública uma minuta de Norma Complementar, destinada a regulamentar o artigo 53 do Decreto 5.296; e agendou data para a realização de audiência pública. A íntegra desta, assim como de outras portarias que tratam da audiodescrição, não estão disponíveis no site do Ministério das Comunicações, mas podem ser encontradas em http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=17757. Dentre as manifestações recebidas nessa consulta pública, destacam-se o ofício nº 90 da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT, e a análise desse ofício, elaborada pela Coordenadoria Geral de Assuntos Judiciais do Ministério das Comunicações. A íntegra destes documentos, que se transformaram na primeira discussão sobre a acessibilidade na programação das emissoras brasileiras de televisão pode ser obtida em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/oficio-abert-902005.html e http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/10/coordenadoria-geral-de- assuntos.html. Dezembro de 2005 Foi assinado o Decreto 5.645, que deu nova redação ao Artigo 53 do Decreto 5.296, atribuindo ao Ministério das Comunicações a responsabilidade pela regulamentação das diretrizes de acessibilidade na programação das emissoras de televisão, bem como estabeleceu prazo de 120 dias para a publicação dessas diretrizes, ficando assim compatível com as novas determinações estabelecidas pelo Decreto 5.371. Deste modo, no que se refere à audiodescrição, entendida como descrição e narração, em voz, de cenas e imagens, os artigos do Decreto 5.296 passaram a vigorar com a seguinte redação: Art. 52. Caberá ao Poder Público incentivar a oferta de aparelhos de televisão equipados com recursos tecnológicos que permitam sua utilização de modo a garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva ou visual. Parágrafo único. Incluem-se entre os recursos referidos no caput: I - circuito de decodificação de legenda oculta; II - recurso para Programa Secundário de Áudio (SAP); e III - entradas para fones de ouvido com ou sem fio. Art. 53. Os procedimentos a serem observados para implementação do plano de medidas técnicas, previstos no art. 19 da Lei no 10.098, de 2000, serão regulamentados, em norma complementar, pelo Ministério das Comunicações. § 1o O processo de regulamentação de que trata o caput deverá atender ao disposto no art. 31 da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. § 2o A regulamentação de que trata o caput deverá prever a utilização, entre outros, dos seguintes sistemas de reprodução das mensagens veiculadas para as pessoas portadoras de deficiência auditiva e visual: I - a subtitulação por meio de legenda oculta; II - a janela com intérprete de LIBRAS; e III - a descrição e narração em voz de cenas e imagens. § 3o A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República assistirá o Ministério das Comunicações no procedimento de que trata o § 1o. Janeiro de 2006 O Ministério das Comunicações publicou a Portaria nº 1/2006 e realizou audiência pública para discussão dos comentários recebidos na consulta pública instituída pela Portaria MC 476/2005, da qual participaram representantes da ABRA - Associação Brasileira de Radiodifusores, ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, Fundação Roquete Pinto representando as emissoras públicas, a CORDE - Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência, o CONADE - Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e a UBC – União Brasileira de Cegos. Participei dessa audiência pública acompanhando o presidente da União Brasileira de Cegos, Volmir Raimondi. Março de 2006 Realizada reunião no Ministério Público Federal, a redação original do Decreto 5.296 remetia para a Anatel a competência para regulamentar a questão da aplicação de recursos de acessibilidade na televisão para pessoas com deficiência. Esse decreto, depois, foi alterado e a responsabilidade passou a ser do Ministério das Comunicações, cuja competência restringe-se à televisão aberta, de recepção livre e gratuita para o público em geral. Deste modo, acabou sendo criado um vácuo legislativo sobre a obrigatoriedade também para as TVs por assinatura veicularem sua programação com os mesmos recursos de acessibilidade exigidos para as emissoras de televisão aberta. Para discutir essa questão, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão convocou o Ministério das Comunicações, a Anatel e a CORDE para uma reunião, na qual foi acordado que o Poder Executivo faria uma nova alteração no Decreto 5.296 para corrigir a falha, o que não aconteceu até este momento. A ata dessa reunião pode ser obtida em http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/01/pfdc-e-acessibilidade-na- televisao.html. Abril de 2006 Foi assinado o Decreto 5.762, que prorrogou por 60 dias o prazo para o cumprimento do que determina o Decreto 5.645, ou seja, ampliou o prazo para o Ministério das Comunicações publicar a regulamentação do artigo 53 do Decreto 5.296. Íntegra disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5762.htm Junho de 2006 Em 27 de junho de 2006, depois de ter ouvido e analisado toda a argumentação técnica, econômica e jurídica apresentadas na consulta e na audiência pública citadas, o Ministério das Comunicações publicou a Portaria 310, oficializando a Norma Complementar nº 1 que estabeleceu o cronograma de implantação e os requisitos técnicos para tornar a programação das TVs abertas acessível para pessoas com deficiência. A Norma Complementar nº 1 definiu carência de dois anos para que as emissoras de televisão tivessem tempo para promover as adequações necessárias em sua programação e, ainda, escalonamento progressivo da quantidade diária de programação que deveria ser transmitida com os recursos de acessibilidade previstos. De acordo com o documento, somente a partir de 27 de junho de 2008, as emissoras estariam obrigadas a produzir duas horas diárias de programação acessível, aumentando a carga diária um pouco a cada ano até que, somente depois de passados 10 anos, atingíssemos a totalidade da programação sendo gerada com os recursos de acessibilidade. Esta portaria, que também traz o texto da Norma Complementar nº 1 está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/audiodescricao-portaria- 310-do.html. Dois dias após o Ministério das Comunicações ter publicado a Portaria 310, o Presidente da República assinou o Decreto 5.820, que dispõe sobre a implantação do SBTVD-T – Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre –; estabelece diretrizes para a transição do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão; e dá outras providências. Este decreto, além de estabelecer o modelo japonês de televisão digital para o Brasil, também determinou que os padrões analógico e digital de televisão devessem conviver por dez anos, contados a partir da publicação do decreto. A íntegra deste decreto pode ser acessada em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5820.htm. Neste ponto, para melhor entendimento do leitor, é importante salientar que a Norma Complementar nº 1, assim como a NBR 15290 da ABNT, foram elaboradas tendo como base os recursos de acessibilidade existentes no padrão de televisão analógico, visto que, até o momento da publicação dessas normas, ainda não havia definição sobre o sistema de televisão digital a ser adotado no Brasil. A definição do padrão de televisão digital brasileiro, publicada apenas dois dias após a definição das obrigações das emissoras de televisão veicularem sua programação com recursos de acessibilidade, viria a se transformar em um dos principais argumentos dos radiodifusores para as sucessivas postergações na implementação desse direito das pessoas com deficiência, conforme discutido em documentação que referencio mais adiante. Outubro de 2006 O Ministério das Comunicações publicou a Portaria 652, que estabeleceu critérios, procedimentos e prazos para a consignação de canais de radiofrequência destinados à transmissão digital do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de televisão, no âmbito do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre – SBTVD-T. Esta portaria pode ser encontrada em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/portaria-652-do-ministerio- das.html Dentre outras providências, esta portaria criou o Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, composto por especialistas de diversas áreas para estudar e assessorar o Ministério das Comunicações no estabelecimento de diretrizes técnicas do sistema digital. Dezembro de 2006 A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Convenção Sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que trata especificamente sobre a acessibilidade na televisão em seu artigo 30: Artigo 30 - Participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de participar na vida cultural, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e deverão tomar todas as medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência possam: 1. Desfrutar o acesso a materiais culturais em formatos acessíveis; 2. Desfrutar o acesso a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais, em formatos acessíveis; Conforme se verá adiante, esta convenção transformou-se em um dos pilares para a defesa do direito à audiodescrição na televisão brasileira. Março de 2007 O Presidente da República protocola, na ONU, o depósito da assinatura da Convenção Sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. O fato relevante para a luta pela implementação da audiodescrição no Brasil é que o Presidente da República também depositou assinatura de um protocolo adicional a esta convenção, que submete seus signatários ao monitoramento da ONU para o cumprimento dos princípios da convenção. Maio de 2008 Em 26 de maio de 2008, 1 mês antes do final da carência de dois anos determinada pela Norma Complementar nº 1/2006 para o início das transmissões de programação com os recursos de acessibilidade previstos, a ABERT enviou ofício ao Ministério das Comunicações oferecendo uma série de motivos para solicitar prorrogação de prazo. O documento alegava impedimentos de ordem legal e uma série de dificuldades técnicas, operacionais e econômicas para a implementação dos recursos de acessibilidade na programação veiculada pelas emissoras afiliadas. Este ofício está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/oficio-abert-402008.html. Anexo a este ofício, a ABERT enviou parecer elaborado pela empresa Quadrante Consultores em Radiodifusão e Telecomunicações, que está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/parecer- quadrante-consultores.html. Junho de 2008 Em 25 de junho, os participantes do grupo de discussão TVACESSIVEL (http://br.groups.yahoo.com/group/tvacessivel) enviam carta ao Ministro das Comunicações rebatendo os argumentos apresentados pelos radiodifusores no ofício ABERT 40/2008. Esta carta está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/10/sobre-audiodescricao-o- que-diz-abert-e.html. Em 27 de junho de 2008, exatamente no dia em que venceria a carência de 2 anos prevista na Portaria 310, o Ministério das Comunicações publicou a Portaria 403, que suspendeu o recurso da audiodescrição por 30 dias, mantendo a obrigação para os demais recursos de acessibilidade previstos na Norma Complementar nº 1. Esta portaria pode ser acessada em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/audiodescricao-portaria- 403-do.html. A FEBEC – Federação Brasileira de Entidades De e Para Cegos, deu publicidade a uma moção na qual manifestava sua contrariedade pelo adiamento do início das transmissões de programas televisivos com o recurso da audiodescrição. Texto disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/10/mocao-publica-da-febec- contra-suspensao.html. Julho de 2008 Em 9 de julho, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo 186 – Convenção Sobre Direitos das Pessoas com Deficiência – tornando-se o primeiro tratado internacional a vigorar no Brasil com status de Emenda Constitucional. Íntegra disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/legislacao/legin.html/visualizarTextoAtualiz ado?idNorma=577811. A União Brasileira de Cegos oficiou ao Ministro das Comunicações manifestando seu repúdio pela publicação da Portaria 403. Texto disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/oficio-da-ubc-ao- ministro-das.html. Em 15 de julho, a União Brasileira de Cegos oficiou à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, solicitando providências para o imediato restabelecimento das disposições constantes na Portaria 310. Texto disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/manifestacao-da- uniao-brasileira-de.html. A Procuradoria Geral da República abriu processo administrativo e oficiou ao Ministério das Comunicações, solicitando esclarecimentos. Texto disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/procuradoria-geral-da- republica-oficia.html. Em 23 de julho, o Ministério das Comunicações realizou reunião técnica da qual participaram representantes da ABERT, representantes da UBC – União Brasileira de Cegos – e alguns profissionais de audiodescrição brasileiros. Essa reunião aconteceu em sala anexa ao gabinete do Ministro Hélio Costa e teve duração aproximada de 3 horas. Participei dessa reunião representando a UBC. Em 27 de julho, a União Brasileira de Cegos e a Federação Brasileira das Entidades De e Para Cegos realizaram assembleia conjunta na qual decidiram se fundir como entidade única, dando origem à ONCB – Organização Nacional de Cegos do Brasil. Em 30 de julho, o Ministério das Comunicações publicou a Portaria 466, restabelecendo a obrigatoriedade de veiculação do recurso da audiodescrição e determinou prazo de 90 dias para o início das transmissões. Texto disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/audiodescricao- portaria-466-do.html. Outubro de 2008 Antes do término do prazo de 90 dias estabelecido na Portaria 466, o Ministério das Comunicações novamente suspendeu a aplicação somente do recurso da audiodescrição, conforme previsto na Portaria 310, para a realização de nova consulta pública com prazo até 30 de janeiro de 2009, com possibilidade de prorrogação sine die, e ainda prevendo a possibilidade de convocação de mais uma audiência pública, conforme Portaria 661 de 14 de outubro de 2008. O texto da Portaria 661 pode ser obtido em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/audiodescricao-portaria- 661-do.html. Com o patrocínio da Secretaria da Pessoa com Deficiência do governo do Estado de São Paulo e apoio da VIVO – operadora de telefonia celular –, aconteceu o I Encontro Nacional de Audiodescritores. Informações disponíveis em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/i-encontro-nacional-de- audiodescritores.html. Este evento, que contou com a participação dos principais audiodescritores brasileiros e pessoas com e sem deficiência, todos militantes na luta pela implementação da audiodescrição no Brasil, foi marcado, na palestra de encerramento, pela leitura de um ofício da secretária, Dra. Linamara Rizzo Batistela para o Ministro das Comunicações, no qual manifesta seu apoio à implementação da audiodescrição na programação veiculada pelas emissoras de televisão. Novembro de 2008 A COCAS – Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador também emitiu nota pública manifestando seu repúdio à protelação na implementação do recurso da audiodescrição. Texto disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/10/nota-publica-da-cocas- contra-portaria.html Enviei e-mail para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão relatando as sucessivas portarias e adiamentos do Ministério das Comunicações quanto à obrigatoriedade de implementação do recurso da audiodescrição na programação das emissoras brasileiras de televisão, e solicitando providências cabíveis no sentido de fazer valer os preceitos legais pertinentes ao assunto. Esta comunicação está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/paulo-romeu-denuncia- para-pfdc.html. Dezembro de 2008 Em 30 de dezembro de 2008, inconformados com as sucessivas suspensões do recurso da audiodescrição pelo Ministério das Comunicações, o Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente e a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down ingressaram no Supremo Tribunal Federal com Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 160) contra a União. No documento, alegam descumprimento, pelo ministério, dos prazos estabelecidos no Decreto Federal 5.296/2004, que determinou ao Ministério das Comunicações a responsabilidade pela regulamentação dos artigos referentes à acessibilidade nos meios de comunicação. Posteriormente, a ONCB manifestou-se, nesta ação, na condição de Amicus Curae. O recurso ao Supremo Tribunal Federal foi possível graças à Convenção Sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que vigora no Brasil com status de equivalência de Emenda Constitucional. A inicial desta ação está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/11/adpf-160-arguicao-de- descumprimento-de.html. Janeiro de 2009 A CORDE – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência realizou reunião técnica com a participação de diversos audiodescritores e instituições representativas de pessoas com deficiência para discutir as questões formuladas pelo Ministério das Comunicações na Portaria 661/2008. Como resultado dessa reunião, a CORDE protocolou no Ministério das Comunicações o documento disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/10/sobre-audiodescricao-o- que-disse-corde.html. A Organização Nacional de Cegos do Brasil manifestou-se publicamente em defesa do recurso da audiodescrição: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/10/organizacao-nacional-de- cegos-do-brasil.html. Fevereiro de 2009 Em fevereiro de 2009, o Ministério Público Federal, por intermédio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal também ingressou com Ação Civil Pública contra a União, pelos mesmos motivos alegados na ADPF 160. A inicial desta ACP pode ser encontrada em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2009/11/acp-200934000047646- acao-civil-publica.html. Maio de 2009 O Ministro das Comunicações, Hélio Costa, mediante despacho, abriu nova consulta pública para receber contribuições a respeito da audiodescrição, conforme notícia divulgada no site do Minicom: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/ministerio-das- comunicacoes-maio-de.html. Para essa nova consulta pública, o Minicom publicou em seu site uma série de documentos recebidos na consulta pública instituída pela Portaria 661, que se encerrou em janeiro de 2009. No entanto, esses documentos foram publicados em formatos inacessíveis para pessoas cegas, justamente os maiores interessados na implementação do recurso da audiodescrição. Junho de 2009 O CONADE – Conselho Nacional de Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência – manifesta-se por ofício ao Ministro das Comunicações, repudiando a edição da Portaria 661 e as sucessivas protelações da obrigatoriedade da veiculação de programas com audiodescrição pelas emissoras brasileiras de televisão. Manifesta-se, também, contra a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência aos documentos publicados no site do Ministério das Comunicações, e para os quais pede contribuições. Este ofício está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/conade-oficia-ao-ministro- das.html. No mesmo mês, o CONADE também oficiou à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, solicitando providências para fazer que o Ministério das Comunicações tornasse acessíveis para pessoas com deficiência os documentos que publicou em seu site e para os quais solicitou contribuições da sociedade. Ofício disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/conade-oficia-ao-ministerio- publico.html. Também as instituições representativas de pessoas com deficiência – Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente, a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e a Organização Nacional de Cegos do Brasil – impetraram Mandado de Segurança contra a União. No documento, solicitam o cancelamento da última consulta pública aberta pelo Ministério das Comunicações, em virtude da falta de acessibilidade aos documentos e, ainda, em virtude de parte deles terem sido publicados em outros idiomas, o que restringe, ainda mais, a participação dos interessados na consulta, em igualdade de condições. A inicial deste Mandado de Segurança está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/mandado-de- seguranca.html. Julho de 2009 Como não houve manifestação do Superior Tribunal de Justiça ao solicitado no Mandado de Segurança acima citado até 30 de junho, data em que se encerrou a consulta pública, as entidades impetrantes da ação produziram um aditamento, agora solicitando a reabertura da consulta pública, ao invés de seu cancelamento, para que as pessoas com deficiência pudessem participar. A íntegra do aditamento está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/aditamento-do-mandado- de-seguranca.html. Agosto de 2009 Em decisão liminar, o Superior Tribunal de Justiça ordenou ao Ministério das Comunicações a reabertura da consulta pública, pelo prazo de 45 dias, determinando que todos os documentos publicados no site do Minicom fossem adaptados de modo a permitir sua leitura por pessoas com deficiência, bem como que os documentos publicados em outros idiomas fossem traduzidos para o português. A íntegra da decisão pode ser obtida em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/decisao-liminar-do- mandado-de-seguranca.html. Setembro de 2009 O Ministério das Comunicações, em atendimento à decisão liminar do Ministro Amilton Carvalhido no Mandado de Segurança acima citado, reabriu a consulta pública por 45 dias, e disponibilizou todos os documentos em formatos acessíveis para pessoas com deficiência, como se pode ler em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/consulta-publica-sobre- audiodescricao.html. Assim, foi possível às pessoas com deficiência terem acesso aos seguintes documentos: Ofício ABERT nº 7 de 2009: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/01.doc Expediente da Rádio e Televisão Bandeirantes: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/02.doc Memorando 19 do Instituto Benjamin Constant: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/03.doc Expediente da Sociedade Beneficente para Deficientes de Aparelhos Auditivos: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/04.doc Parecer da Quadrante – Consultores em Radiodifusão e Telecomunicações: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/05.doc Audiodescrição nos Estados Unidos: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/06.doc Audiodescrição na Inglaterra, Espanha e Itália: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/07.doc Audiodescrição na Alemanha, Irlanda e Canadá: http://www.mc.gov.br/wp-content/uploads/o-ministerio/documentacao-sobre- acessibilidade-consulta-publica/08.doc Os documentos originais, em formato PDF, inacessíveis para pessoas com deficiência podem ser obtidos em: http://www.mc.gov.br/o- ministerio/documentacao-sobre-acessibilidade-consulta-publica/. Outubro de 2009 Uma vez que puderam ter acesso aos documentos publicados pelo Ministério das Comunicações, as pessoas com deficiência enviaram suas contribuições, dentre as quais disponibilizo a minha própria (http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/paulo-romeu-disse-para-o- ministerio-das.html). Também contribuíram outras pessoas envolvidas na luta pela audiodescrição, como, por exemplo, a Profa. Dra. Lívia Motta (http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/livia-motta-diz-para-o- ministerio-das.html). Novembro de 2009 O Ministério das Comunicações publicou a Portaria 985, abrindo mais uma consulta pública na qual apresentou uma minuta de alteração da Norma Complementar nº 1/2006, propondo as seguintes modificações: 1. Torna o recurso da audiodescrição exigível apenas na programação veiculada pelas emissoras no sistema de televisão digital; 2. Altera o cronograma de implementação da audiodescrição originalmente proposto para iniciar em 2 horas por dia chegando a 100% da programação após 10 anos, para 2 horas por semana a partir de julho de 2011 chegando, no máximo, a 24 horas por semana após 10 anos; 3. Desobriga as retransmissoras afiliadas a emissoras cabeça-de-rede de tornar acessíveis a programação própria. A íntegra desta portaria está disponível em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/audiodescricao-portaria- 985-do.html. Fevereiro de 2010 A Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, antiga CORDE, promoveu nova reunião técnica para a qual foram convidados diversos audiodescritores, entidades representativas de pessoas com deficiência, entidades representativas das emissoras de televisão, diversos órgãos do governo federal, dentre outros. Como resultado dessa reunião, foi protocolado no Ministério das Comunicações o documento que pode ser obtido em: http://blogdaaudiodescricao.blogspot.com/2010/02/audiodescricao-atos-do- minicom-podem.html. Conclusão A esta altura, depois de tantos eventos ocasionados pela edição de leis, decretos, portarias, despachos, ofícios, cartas e inúmeras manifestações de todos os segmentos envolvidos na implementação da audiodescrição na televisão brasileira, o leitor certamente já se deu conta de que se trava uma verdadeira batalha entre os interesses comerciais de grandes grupos empresariais de comunicação e o direito dos cidadãos com algum tipo de deficiência. Infelizmente, esta luta não se restringe apenas ao Brasil, mas acontece em praticamente todos os países onde o sistema de televisão digital já está em funcionamento. Em todo o mundo, não existem dúvidas de que o maior, mais abrangente e mais democrático meio de comunicação, cultura e lazer é a televisão, especialmente para as pessoas com deficiência. A maioria das pessoas com todos os tipos de deficiências não têm o hábito de frequentar cinemas e teatros, alguns pela falta de acessibilidade arquitetônica, outros pela falta de acessibilidade na comunicação. Somem-se a este fato as informações constantes no I Anuário de Estatísticas Culturais do Ministério da cultura, disponível em http://www.cultura.gov.br/site/2009/09/08/minc-divulga- primeiro-anuario-de-estatisticas-culturais-do-pais/, que apresenta informações preocupantes como as de que apenas 8,7% dos municípios brasileiros possuem salas de cinema, e apenas 21,20% são equipados com salas de teatro. O resultado é o quadro sinistro da exclusão cultural e de acesso à informação a que estão submetidos os 25 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência (dados do censo do IBGE realizado em 2000). No entanto, ainda de acordo com dados do anuário de estatísticas culturais, 95,11% dos lares brasileiros têm aparelhos de televisão e, mesmo aqueles localizados nas regiões mais remotas, recebem os sinais da programação das emissoras de televisão por meio de antenas parabólicas. O conjunto destas informações não deixa dúvidas de que a televisão é o principal meio de comunicação de massa. É, pois, o principal meio pelo qual a população se informa e se diverte, especialmente as pessoas de menor poder aquisitivo, e mais especialmente as pessoas que, pela falta de acessibilidade aos equipamentos de cultura, ficam privadas de usufruir direitos básicos e essenciais, previstos em nossa Carta Magna. Neste sentido, é evidente que o legislador deva se preocupar em tornar a televisão brasileira acessível para pessoas com todos os tipos de deficiência. E a audiodescrição é, sem dúvida, o recurso que pode torná-la acessível não apenas para pessoas com limitações visuais ou intelectuais, mas também para idosos, disléxicos e para todos aqueles com dificuldades de compreensão de audiovisuais e leitura de textos contidos em imagens. Ainda que a audiodescrição possa representar um ônus para as emissoras, conforme sustentado por suas entidades representativas, não há como calcular o preço do desrespeito ao direito de aproximadamente 20 milhões de brasileiros. Queremos AUDIODESCRIÇÃO JÁ, e queremos um cronograma para sua implementação que, no final, atinja 100% da programação. A AUDIODESCRIÇÃO VAI À ÓPERA Lívia Maria Villela de Mello Motta* Este artigo objetiva discutir a experiência pioneira no Brasil de audiodescrição em espetáculos de ópera: Sansão e Dalila no Teatro Amazonas , em Manaus, Cavalleria Rusticana, Pagliacci e O Barbeiro de Sevilha no Theatro São Pedro, em São Paulo. A ópera, um espetáculo que reúne música instrumental, canto lírico, literatura, poesia, teatro e dança, e que fala, geralmente, sobre infortúnios, traição, assassinatos, mistérios e, acima de tudo, sobre amor, foi durante muito tempo o entretenimento favorito da nobreza, das elites sociais e intelectuais, com grande parte do seu repertório escrito nos séculos passados. Talvez por isso, por considerá-la um espetáculo elitista, complexo e antiquado, algumas pessoas tenham, ainda, uma certa resistência à ópera. Fraga e Matamoro (2001) afirmam, por outro lado, que no século XIX, a ópera era um espetáculo popular por excelência e continua sendo um gênero de espetáculo capaz de lotar estádios de futebol, em apresentações com tenores famosos, como Plácido Domingo, Luciano Pavarotti e José Carreras, por exemplo; um gênero atual que vem atraindo mais e mais aficionados. A audiodescrição, recurso que transfere a dimensão visual de um espetáculo para o verbal, por meio de informação sonora, ampliando, desta forma, o entendimento e promovendo o acesso à informação e à cultura, possibilita que pessoas com deficiência visual assistam a peças, filmes, programas de TV, exposições, desfiles e, neste caso, mais especificamente, a espetáculos de ópera em igualdade de condições com as pessoas que enxergam, o que nos remete ao conceito de acessibilidade cultural. A audiodescrição amplia, assim, o entendimento não somente das pessoas com deficiência visual, como também de pessoas com deficiência intelectual, pessoas com dislexia e pessoas idosas. Ou seja, uma plena participação dos diferentes públicos: que todos possam apreciar as artes e a cultura, com a eliminação de barreiras físicas, atitudinais e comunicacionais. Em seu artigo sobre acessibilidade em óperas na Catalonia, Orero (2007) comenta que muitas pessoas idosas encontram problemas na leitura das legendas em óperas, tanto pelo tamanho das letras como pelo contraste entre a cor do fundo e a cor das letras. Esse problema com o contraste pôde ser percebido no Theatro São Pedro, na ópera O Barbeiro de Sevilha. Algumas pessoas que enxergam e que estavam com os fones de ouvido, tiveram dificuldades com a leitura das legendas e comentaram que a audiodescrição foi, nesse caso, um recurso bastante providencial. Promover o acesso a óperas para pessoas com deficiência visual, tornando esse tipo de espetáculo acessível com o recurso da audiodescrição, foi um desafio e tanto proposto pelo Instituto Vivo, em uma parceria com o Governo do Estado de São Paulo e com a Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas, na apresentação em Manaus. Em primeiro lugar, por ser a ópera, como já mencionado, um gênero ainda desconhecido da grande maioria; em segundo, porque a ópera é cantada em língua estrangeira – em Manaus em francês e em São Paulo em italiano – e, por causa disso, a leitura das legendas tem que ser feita concomitantemente à audiodescrição. A questão da acessibilidade para diferentes públicos vem sendo trabalhada pelo Instituto Vivo e faz parte do Programa Cultural Vivo EnCena, programa que abre novos olhares para a arte como instrumento de educação e de inclusão cultural, tanto para jovens estudantes de escolas públicas como para pessoas com deficiência. Coube a mim, a elaboração dos roteiros, bem como a preparação dos audiodescritores, a elaboração da lista de pessoas com deficiência visual convidadas, o pedido de feedback para quem assistiu e a tabulação dos dados gerados pelos feedbacks. Aos audiodescritores locutores, funcionários da Vivo e voluntários do Instituto Vivo, coube a tarefa de assistir aos ensaios, ensaiar o roteiro com o vídeo das óperas, especialmente gravado para isso, fazer a revisão dos roteiros, receber os convidados e audiodescrever, ao vivo, os espetáculos. O artigo passa a discutir, abaixo, cada uma dessas etapas. 1. Mergulhando no mundo da ópera e a preparação dos audiodescritores, funcionários e materiais Pouca familiaridade eu tinha com óperas, quando Marcelo Romoff lançou o desafio de tornar Cavalleria Rusticana um espetáculo acessível para as pessoas com deficiência visual. Essa prática, já comum no Teatro Vivo desde 2007, seria agora implementada no Theatro São Pedro. A audiodescrição já havia ido à ópera em Manaus, no XIII Festival Amazonas de Ópera, em abril de 2009, em Sansão e Dalila, a primeira ópera brasileira com audiodescrição , uma iniciativa do Instituto Vivo em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de Amazonas, como mencionado acima. Alguns funcionários da Vivo, da Secretaria da Cultura e da Biblioteca Braille fizeram o curso de audiodescrição, ministrado por mim, com uso de videoconferências, em um ambiente virtual de aprendizagem e em encontros presenciais, para poder audiodescrever esse espetáculo e outros, contribuindo para transformar o Teatro Amazonas em um lugar mais acessível. Conhecer o vocabulário específico, o histórico deste gênero de espetáculo, a classificação dos solistas masculinos (barítono, tenor, contratenor e baixo) e femininos (contralto, mezzo-soprano e soprano), o que são árias, duetos, libretos, récitas, intermezzos , e outras muitas especificidades, me permitiu um mergulho no mundo da ópera, uma oportunidade de conhecer mais de perto esse universo musical que tanto encanta os ouvidos, surpreende os olhos e enleva o espírito. A música, segundo Goulding (1996), faz com que a ópera seja muito mais intensa que uma peça de teatro. As árias, duetos, trios e quartetos oferecem uma forma incomparável de comunicação de diferentes emoções simultaneamente, o que seria impossível de ser alcançado em uma peça, por exemplo. Esse mergulho no mundo operístico foi compartilhado com os audiodescritores do Instituto Vivo, uma fase preparatória que envolveu o envio de e-mails com sugestão de sites para conhecer as óperas, sinopse, apresentação dos personagens, tradução dos libretos, ficha técnica, texto do diretor cênico, cronograma de ensaios e apresentações. Houve, ainda, gravação em vídeo de ensaio de cada ópera, roteiro e encontros preparatórios, como também escala para as apresentações. Além das pesquisas na internet, leitura de libretos e outros materiais, o contato e as conversas com o diretor cênico de cada ópera, com assistentes e diretores de produção, alguns solistas e participantes do coro, a pianista preparadora e a maestrina do coral, muito colaboraram para o entendimento do espetáculo e a elaboração do roteiro. As informações e rubricas do diretor não são, geralmente, conhecidas pelo grande público; entretanto, para o audiodescritor é fundamental entender a leitura que o diretor faz da obra e como ele pretende passar isso para a plateia, usando recursos imagéticos nos quais se incluem a iluminação, o cenário, o posicionamento dos personagens em cena e outros. Digna de destaque é a receptividade da classe artística para com o recurso de audiodescrição, com o reconhecimento da importância de tornar a arte acessível para diferentes públicos, o que, possivelmente, fará com que estendam a acessibilidade para outros espetáculos. Comprovando apoios significativos, cito dois depoimentos de representantes da área. Lívia Sabag, diretora cênica de Pagliacci, manifestou-se em comunicação pessoal por e- mail: Como diretora do espetáculo, talvez eu seja a única pessoa envolvida na produção da ópera 'Pagliacci' que conheça absolutamente todos os detalhes da encenação. Foi impressionante e gratificante perceber, ao ler os retornos escritos pelos deficientes visuais, quão envolvidos e quão interados do espetáculo eles ficaram. Ouso dizer, considerando todas as avaliações que li e ouvi, que eles fruíram mais do espetáculo do que algumas pessoas do público comum. Foi uma honra para nós da produção e equipe artística poder participar de um projeto tão importante e inovador quanto esse. Espero que existam cada vez mais iniciativas como essa em todo o país, democratizando, dessa forma, o acesso à arte, da qual os deficientes visuais são geralmente privados. Mário Masetti, diretor da Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA), revelou adesão à causa em seu depoimento ao Jornal Estado de São Paulo, em reportagem publicada em julho de 2009: A partir de agora, todas as óperas encenadas no Theatro São Pedro contarão com o recurso da audiodescrição. E outros projetos com acessibilidade estão em andamento. Para o próximo ano, as peças do Teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, devem contar com tradução para a linguagem de sinais para deficientes auditivos. “É um projeto piloto que pretendemos estender aos outros teatros do Estado”, adianta Mario Masetti, diretor artístico da Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA), que administra seis teatros estaduais (UMA ÓPERA comentada..., 2009). Na implementação do recurso, uma etapa que não pode ser esquecida é a da preparação dos funcionários do teatro e da empresa que loca equipamentos de tradução simultânea, principalmente daqueles que trabalham na recepção e entrega de equipamentos, já que esses funcionários atenderão às pessoas com deficiência visual antes, durante e após o espetáculo. Algumas informações sobre a deficiência visual, instruções de como conduzir as pessoas até os lugares na plateia, ou de como dar orientações sobre o funcionamento dos fones são essenciais para completar as condições de acessibilidade do local. As instruções verbais sobre como usar os receptores, por exemplo, precisam ser aliadas à experiência tátil, posicionando a mão da pessoa sobre os botões (liga/desliga, volume, canal). Outro aspecto importante é a impressão em braille e ampliado, em tinta, dos programas que são distribuídos em cada ópera. Esse material tem sido bastante apreciado pelas pessoas com deficiência visual, que apontam para a complementação do entendimento do espetáculo, dado esse que pode ser observado nos recortes abaixo, extraídos dos feedbacks fornecidos por e-mail, depois das apresentações da ópera Cavalleria Rusticana: O material em braille, também é um material de apoio importante e ajuda bastante na compreensão da ópera, mas nada se comparado à riqueza de detalhes e ao profissionalismo da audiodescrição. O folder em braille é um recurso que certamente torna o evento ainda mais acessível, uma vez que possibilita o prévio contato com dados técnicos sobre a direção, criação, atores / personagens, a sinopse, dentre outros detalhes que favorecem a compreensão acerca do espetáculo. O folder em braille é importante a fim de que se tenha material a ser consultado não só logo após o espetáculo, mas também quando se quer reavivar a memória. 2. Elaboração de roteiros para óperas Para traduzir em palavras toda a grandeza e magnitude de um espetáculo de ópera, ampliando o entendimento das pessoas com deficiência visual, o roteiro para óperas divide-se em sete partes: apresentação, sinopse, informações técnicas, cenário, caracterização dos personagens, informações sobre o teatro e a audiodescrição propriamente dita do espetáculo, que inclui a entrada e saída de cena, as ações, trejeitos e expressões corporais, assim como a leitura das legendas. Também uma série de instruções para os audiodescritores, tais como a organização do roteiro, a marcação no texto, a troca de turnos, a pronúncia dos nomes estrangeiros, sugestões de como ensaiar e seguir o roteiro, estão inseridas no início do documento, considerando que, neste caso, o audiodescritor roteirista não é o mesmo que o audiodescritor locutor. Abro parênteses aqui para explicar especificidades desses dois profissionais que trabalham com a audiodescrição. Em alguns países, como na Inglaterra, por exemplo, tanto o roteiro como a locução são, geralmente, feitos pela mesma pessoa. O mesmo não acontece na Espanha, segundo Snyder (2004). Para cada uma das funções, são necessárias habilidades específicas; o locutor precisa ter impostação vocal, clareza, entonação e adequação da voz com o gênero de espetáculo. Já o roteirista precisa de um bom conhecimento do léxico, intimidade com a elaboração de textos e técnicas de sumarização. Ambos precisarão, sem dúvida, mergulhar no tema de cada espetáculo a ser audiodescrito para a familiarização, a construção da intimidade com os personagens e texto e, consequentemente, para o melhor desempenho de suas tarefas. Para a elaboração do roteiro, faz-se necessário participar em um maior número possível de ensaios e, já com o libreto em mãos, fazer as anotações referentes aos elementos mencionados acima. Fels e Udo (2009) apontam que ainda é incipiente o número de pesquisas que investigam a qualidade e a quantidade de audiodescrição em cada espetáculo, enfatizando a necessidade de familiarização com o tema, o gênero, as mensagens do autor e do diretor, o estilo de atuação e, principalmente, a adequação das escolhas lexicais mais apropriadas para a elaboração do roteiro. Também Braun (2008) comenta as formas de promover o acesso a óperas, com diferentes níveis de informação. A Royal Opera House, em Londres, por exemplo, costuma oferecer apenas uma introdução à ópera em áudio antes do espetáculo, não inserindo a audiodescrição durante o mesmo. Já no Liceu Opera, em Barcelona, a audiodescrição está presente durante todo o espetáculo, mesmo contrariando um dos princípios da audiodescrição de, preferencialmente, não sobrepor a audiodescrição aos diálogos e, nesse caso, à música. Em um espetáculo de ópera, geralmente, o roteiro é bem mais extenso que em uma peça teatral, pois há a conjugação das legendas com a audiodescrição. Em Sansão e Dalila, as legendas não foram acrescentadas ao roteiro; elas eram lidas diretamente da projeção sobre o palco, o que causou uma certa dificuldade na distribuição de turnos entre os audiodescritores. Ter um roteiro completo com legendas, que podem ser transformadas em discurso indireto ou mantidas no direto, dá ao audiodescritor maior agilidade e segurança, imprimindo ritmo mais adequado e qualidade à audiodescrição. As pessoas com deficiência visual entram na plateia 20 minutos antes do horário do espetáculo para que seja iniciada a audiodescrição, já que apresentação, sinopse, informações técnicas, cenário, caracterização dos personagens e do teatro, tudo isso é feito antes. Todos esses pormenores – o local onde acontecem as cenas, a caracterização física dos personagens e seus elaborados trajes e outras informações que complementam um espetáculo cênico – são muito importantes para que as pessoas com deficiência visual possam construir as imagens, literalmente visualizar o espetáculo, o que colabora para o entendimento do contexto e da obra como um todo. Recortes de depoimentos, transcritos abaixo, enfatizam a relevância das informações que são fornecidas antes do início do espetáculo, com destaque para o sentimento de pertencimento que toma conta das pessoas quando são incluídas e respeitadas como cidadãs. As informações referentes ao enredo, ficha técnica, personagens, figurino e cenário, audiodescrição da ópera, leitura das legendas, entonação e clareza dos audiodescritores, de maneira geral, posso considerar perfeita, rica de muitos detalhes, com intervenções pertinentes e sem atropelos ou interferência na fala dos atores, demonstrando o comprometimento e a dedicação contumaz dos voluntários. Estou incrivelmente feliz por, pela primeira vez, assistir uma ópera. Confesso que mudei minha opinião sobre este tipo de espetáculo, e através dos olhos dos audiodescritores pude "ver" como uma ópera pode ser linda. Fiquei muito admirada pela descrição do teatro, pois imaginei que ia ver a ópera, somente a peça em si. Mas "vi" muito mais, pois os parentes e amigos, geralmente, quando narram um filme, novela, ou algo semelhante, descrevem as cenas e dificilmente o ambiente. (...) As roupas e o cenário da peça foram bem detalhados. Noto que a apresentação das instalações do teatro, bem como dos cenários que antecedem os espetáculos/cenas são muito importantes e nos colocam em condições de igualdade no entendimento do contexto, das circunstâncias. Neste teatro em especial, por ter sido restaurado e ter uma história significativa. Posso dizer que a cada dia as descrições estão mais claras e objetivas. Eu diria mais: estão precisas e indo direto ao ponto. Descrever o cenário, o figurino e os personagens fez com que a história ficasse mais real. E a tradução objetiva dos cantos também foi ótima. A audiodescrição não atropelou a música que veio diretamente ao coração e foi a música que me fez entender finalmente qual é o segredo ou o mistério que uma ópera pode ter. O roteiro propriamente dito para a audiodescrição inclui as ações, entrada e saída em cena, o posicionamento dos personagens no palco, seus movimentos, expressões fisionômicas, gestos, efeitos de iluminação e a leitura das legendas. Como mencionado anteriormente, é possível fazer a leitura da legenda na íntegra, ou transformá-la em discurso indireto, de uma forma mais sumarizada, o que tem algumas vantagens, dentre elas: dar ao espectador a oportunidade para apreciar o canto sem a interferência da fala do audiodescritor e não ter a necessidade de interpretação do audiodescritor. Lembro que o audiodescritor não precisa, necessariamente, ser um ator, embora a leitura com certa interpretação seja necessária, assim como a entonação de acordo com o gênero do espetáculo. No discurso direto, o audiodescritor fala como se fosse o personagem e no indireto ele fala sobre o personagem, o que, certamente, influi na sua entonação e interpretação. Dois audiodescritores, um homem e uma mulher preferencialmente, dividiram as falas da audiodescrição e a leitura das legendas em cada récita. Fels e Udo (2009) discutem essa questão de emoção e interpretação na audiodescrição, apontando para a necessidade de um maior envolvimento do audiodescritor com o tema, argumentando que a audiodescrição não é somente informação, mas entretenimento, e não pode ser neutra e sem emoção, contestando outros autores que optam pela neutralidade. Na ópera, um gênero de espetáculo com alto teor dramático e emotivo, a audiodescrição precisa, necessariamente, acompanhar esse clima, sem exigir, entretanto, que o audiodescritor “dispute um lugar no palco com os tenores ou barítonos.” O trecho do roteiro de O Barbeiro de Sevilha, que apresento abaixo, exemplifica o uso do discurso direto e indireto na tradução das legendas: Fígaro despede-se de Rosina e diz que tem algo confidencial para lhe contar. (discurso indireto) Ele sai. Rosina sobe na bicicleta e diz: Como ele é galante! (discurso direto) Entra Don Bartolo de avental branco, luvas de borracha e maleta de médico. Ele xinga Fígaro de desgraçado, indigno e maldito. (discurso indireto) Rosina diz para si mesma que Bartolo só sabe gritar. (discurso indireto) Bartolo diz: Fígaro ainda vai se dar mal... ...fez um hospital de toda a família, de tanto ópio, sangria e rapé. (discurso direto) Enciumado, ele pergunta se Rosina viu o barbeiro. (discurso indireto) Rosina confessa que falou com ele. (discurso indireto) Ela diz que a conversa de Fígaro é agradável e sua aparência é jovial! (discurso indireto) Diz para si mesma: Morra de raiva, velho decrépito. (discurso direto) Foi possível perceber que algumas pessoas com deficiência visual gostariam de que todas as legendas fossem lidas na íntegra no discurso direto, enquanto que outras acharam boa a sumarização e o uso do discurso indireto, como podemos perceber pelos trechos de dois feedbacks sobre O Barbeiro de Sevilha, transcritos abaixo: A descrição estava bem audível e foi muito bem feita. A pena é que nem sempre os diálogos foram audiodescritos na íntegra... Acredito que, foi a melhor audiodescrição que acompanhei nos eventos recentes, uma vez que as interferências dos audiodescritores foram bastante pertinentes e no momento adequado, sem interferir no desempenho dos solistas e na música, dando harmonia ao evento. Depois de elaborado e revisado, o roteiro é enviado ao diretor do espetáculo, para aprovação e verificação da adequação da linguagem; e para os audiodescritores locutores, que fazem a leitura e assistem a ensaios e à fita gravada da ópera com ele em mãos, podendo sugerir alguma alteração. Tanto Benecke (2007) como Snyder (2004) apontam para a importância da transmissão (delivery) da audiodescrição pelo audiodescritor locutor, que nem sempre é o mesmo que o roteirista. Muitas vezes, o roteiro está bem elaborado, mas a locução sem vida faz com ele perca a qualidade. O contrário também pode acontecer: o audiodescritor com sua entonação, timbre, clareza e alguns improvisos pode melhorar um roteiro medíocre. Nem sempre é possível, embora desejável, fazer a primeira audiodescrição do espetáculo apenas com alguns espectadores cegos para o teste de recepção, com tempo para mudar o sugerido. Após cada espetáculo, roteirista e audiodescritores, em conversa com as pessoas com deficiência visual, recebem os comentários gerais sobre o espetáculo e sobre a audiodescrição e, além disso, é enviado um pedido de feedback para cada pessoa com deficiência visual que assistiu ao espetáculo, o que contribui bastante para a reconstrução da prática. 3. Feedbacks para a reconstrução da prática O questionário de avaliação foi elaborado com cinco questões de múltipla escolha para conhecer as impressões sobre o espetáculo, destacando a compreensão da história, o desempenho dos solistas, a contribuição da audiodescrição para o entendimento de todos estes aspectos e, consequentemente, para a inclusão cultural das pessoas com deficiência visual. Os resultados fornecem, aos audiodescritores, dados quantitativos e qualitativos que colaboram para a reconstrução da prática e apontam para a heterogeneidade do público alvo. O expectador com deficiência visual tem preferências diversas como qualquer outro público. Entretanto, existem, ainda, algumas especificidades da deficiência visual, cegueira ou baixa visão, que ampliam essas diferenças, tais como: pessoas que nasceram cegas e que não têm memória visual, pessoas que ficaram cegas mais tarde e que têm alguma memória visual dependendo da época em que perderam a visão, pessoas que ainda enxergam um pouco e que precisam ficar o mais próximo possível do palco para poder perceber os personagens e seus movimentos, assim como o cenário e outros elementos. Além de toda essa diversidade, é possível afirmar que algumas pessoas, no primeiro contato com a audiodescrição, podem se confundir um pouco, já que precisam prestar atenção a coisas diversas ao mesmo tempo – o diálogo dos atores, a trilha sonora e a audiodescrição – para juntá-los em um todo significativo, ou seja, como todos os elementos visuais convertidos em texto são processados na mente dos receptores. Por outro lado, quando se acostumam com o recurso, passam a reivindicar mais detalhes e incomodam- se com alguns períodos de silêncio, muitas vezes necessários, pois pensam que podem estar perdendo alguma informação relevante. Outras pessoas temem não escutar bem o som do palco se permanecerem com o fone nos dois ouvidos e preferem manter apenas um. Tudo isso precisa ser levado em consideração na elaboração do texto da audiodescrição, já que o objetivo é atingir o maior número de pessoas, ampliando o entendimento do que assistem e possibilitando que transformem novamente em imagens aquilo que foi traduzido para o verbal. Em suma, algumas pessoas preferem uma descrição mais sucinta, outras, mais detalhada, como exemplificam recortes de alguns depoimentos abaixo: Em relação à descrição, foi muito boa, todavia, sugiro que seja o mais sucinta possível. Achei que funcionou bem a áudio, com salvas exceções em algumas vezes que houveram lacunas, mas estas totalmente compreensíveis, pois se trata de uma obra que além de descrever, se fez necessário a tradução simultânea. Vale ressaltar que considerei excelente a entonação e a clareza empregadas pelos audiodescritores quando da exposição dos aspectos visuais, como a rica descrição das cores, das características físicas dos personagens, dos seus movimentos, gestos, encenações, interações, além do amplo detalhamento dos figurinos e do cenário. A descrição das cenas estava perfeita, bem como a dos figurinos, marcação no palco e personagens. Só senti falta de mais informações sobre a orquestra, como quantidade de músicos, idade média do corpo como um todo, etc. Gostaria de comentar que a qualidade da audiodescrição está cada vez melhor. Os voluntários parecem cada vez mais seguros e as leituras estão cada vez mais fluentes. Adorei o programa com letras ampliadas! Achei bacana também os momentos de silêncio em que podíamos apreciar somente as árias. Com relação à avaliação geral do recurso utilizado, a tabulação dos dados sobre as três óperas apresentadas no Theatro São Pedro, em São Paulo, onde estiveram presentes 467 pessoas, dentre elas 52% com deficiência visual, aponta para os seguintes resultados: * 65% respondeu que a audiodescrição foi ótima, 26% respondeu que foi boa e somente 3% respondeu que foi razoável, nos dados consolidados das três óperas; * 84% respondeu que serão capazes de discutir a ópera O Barbeiro de Sevilha com outras pessoas; * 65% respondeu que serão capazes de discutir a ópera Pagliacci com outras pessoas; * 48% teve um entendimento completo do enredo, personagens, cenário e movimentação dos solistas, 48% teve um entendimento suficiente e apenas 4% mencionou algum entendimento em O Barbeiro de Sevilha; * 39% teve um entendimento completo do enredo, personagens, cenário e movimentação dos solistas, 44% teve um entendimento suficiente e apenas 9% mencionou algum entendimento em Pagliacci. Os dados apresentados evidenciam a relevância do recurso para o maior entendimento da ópera e, consequentemente, para a inclusão cultural das pessoas com deficiência visual. Foi possível perceber o encantamento e a emoção provocados por esse gênero de espetáculo e também a desmistificação do caráter elitista da ópera. A audiodescrição foi, sem dúvida, responsável por permitir o entendimento e a participação plena das pessoas com deficiência visual. Concluo este artigo passando a palavra para as pessoas com deficiência visual que assistiram aos espetáculos. O leitor, certamente, poderá perceber nas linhas e entrelinhas, abaixo, o significado da audiodescrição e os benefícios que ela traz. Crescemos e aprendemos todos, roteirista, audiodescritores, pessoas com deficiência visual e pessoas que enxergam que assistiram ao espetáculo com os fones de ouvido. A mídia impressa e televisiva contribuiu para divulgar o que é e a importância do recurso para mais e mais pessoas. Os que assistiram às reportagens conheceram a audiodescrição; os solistas, produtores e diretores puderam certificar-se de que a arte pode ser acessível a todos, sem exceção. Eu achei o espetáculo ótimo, tanto a música, o desempenho dos solistas, quanto a audiodescrição que foi ótima, bem pausada para que possamos montar uma imagem mental bem próxima da visual. Certamente o espetáculo dá para ser discutido com os videntes sem problemas. Inclusive fica muito interessante essa discussão pois quando a imagem que fizemos é muito próxima da que nos foi comentada pela pessoa vidente, aí vemos o resultado da audiodescrição. Espero que possamos contar sempre com esse recurso. (O Barbeiro de Sevilha) Foi a ópera que mais gostei, devido principalmente, à boa trama da história, à ótima música e à perfeição da narrativa dos detalhes do cenário, figurino e movimentação dos atores feitas pelos audiodescritores, fatos que, não só facilitam a compreensão do espetáculo, mas fazem valorizar a riqueza da arte incluindo o deficiente visual de forma plena na sociedade. Obrigado pela oportunidade, Parabéns pelo trabalho e evento. (Pagliacci) Que a audiodescrição é muito importante para nós, todos já sabemos. Mas para assistir a uma ópera a audiodescrição é muito mais que importante; é absolutamente imprescindível. Mesmo para aqueles que possam entender o idioma. (Cavalleria Rusticana) É algo indispensável para a compreensão completa, do que os cegos são privados, na grande maioria dos concertos, por não poderem falar com quem está ao lado para pedir uma descrição detalhada do que ocorre no palco. Não vejo como poderia ser melhor. No meu ponto de vista, foi impecável. (Cavalleria Rusticana) Estou incrivelmente feliz por, pela primeira vez, assistir uma ópera. Confesso que mudei minha opinião sobre este tipo de espetáculo, e através dos olhos dos audiodescritores pude "ver", como uma ópera pode ser linda. (Cavalleria Rusticana) A audiodescrição indubitavelmente enriqueceu muito a compreensão da Ópera Cavalleria Rusticana, pois propiciou o complemento necessário para que nós, pessoas com deficiência visual, pudéssemos desfrutar com intensidade das sensações e sentimentos despertados pelo acesso ao universo das informações visuais. Assim, pude apreciar a ópera com um aproveitamento muito mais amplo, uma vez que por meio da audiodescrição, tive acesso a uma gama de detalhes visuais que, normalmente, não seria possível sem a assistência deste tão importante recurso de acessibilidade. Um dentre tantos outros exemplos de cena que poderia citar como marcante e perceptível graças ao recurso da audiodescrição, escolho o momento em que Turiddu, segurando a taça com vinho na mão, passa o braço por sobre os ombros de Lola na frente de Alfio, num ato de extrema provocação e ela se afasta. Esta cena esquenta ainda mais o clima de rivalidade entre Turiddu e Alfio na disputa por Lola. (Cavalleria Rusticana) Referências bibliográficas BENECKE, B. Audio Description: Phenomena of Information Sequencing. MuTra 2007 – LSP Translation Scenarios: Conference Proceedings. Munich/ Saarbrücken, 2007. BRAUN, S. Audiodescription Research: State of Art and Beyond. Translation Studies in the New Millennium 6. University of Surrey. UK, 2008. FELS, D.; UDO, J. P. Re-fashioning fashion: an exploratory study of live audio- described fashion show. Paper 17, Springer-Verlag: Ted Rogers School of Information Technology Management Publications and Research, 2009. FRAGA, F.; MATOMORO, B. A Ópera. Editora Angra. São Paulo, 2001. GOULDING, P. G. Ticket to Opera. New York and Canada: Fawcett Books, 1996. ORERO, P. Audiosubtitling: a possible solution for opera accessibility in Catalonia. TRADTERM 13. São Paulo, 2007. SNYDER, J. Audio description: the visual made verbal. Maryland, USA: Audiodescription Associates, Takoma Park, 2004. SUHAMY, J. Guia da Ópera. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007. UMA ÓPERA comentada, para ajudar deficientes: Cavalleria Rusticana contará com tradução e audiodescritor. O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jul. 2009. Disponível em . Acesso em: 13/02/2010 Audiodescrição e Voice Over no Festival Assim Vivemos Graciela Pozzobon Costa* Panorama O Festival Assim Vivemos – Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência é um festival de cinema temático que exibe filmes que apresentam questões relativas às deficiências de um modo geral. Trata-se do primeiro festival de cinema no Brasil a reunir e apresentar ao público um panorama atualizado e completo do que se produz no mundo sobre este tema. Por ser um festival internacional, os filmes são estrangeiros em sua maioria, falados nas mais diversas línguas. Desde a sua primeira edição em 2003, um dos pressupostos do Assim Vivemos foi o de disponibilizar os recursos de acessibilidade em todas as sessões. Não parecia lógico aos realizadores, Lara Pozzobon e Gustavo Acioli, exibir filmes sobre deficiências sem que todas as pessoas, independentemente de suas necessidades, tivessem acesso às sessões. Os recursos que foram disponibilizados foram a audiodescrição para pessoas com deficiência visual, as legendas com indicações de ruídos (Closed Caption) para as pessoas com deficiência auditiva, intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) em todos os debates e palestras, e ambiente acessível para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida. O fato de o festival ser internacional, com filmes falados em diversas línguas, trouxe um dado de complexidade para a produção da acessibilidade para as pessoas cegas: como essas pessoas não estão aptas a lerem as legendas, as quais contêm as traduções dos diálogos dos filmes, tais informações também deveriam estar contidas no contexto sonoro da audiodescrição. Ou seja, no caso dos filmes estrangeiros do Festival, a audiodescrição tradicional – contendo apenas a descrição das cenas e sendo inserida nos espaços entre as falas dos personagens – não era suficiente, pois esta atende a produtos nacionais ou previamente dublados em português. Para o pleno entendimento dos filmes estrangeiros por parte das pessoas cegas, fazia-se necessário incluir as falas dos personagens, traduzidas para o português, junto com as informações contendo as descrições. A opção de realizar uma dublagem tradicional foi descartada por alguns motivos. Em primeiro lugar, a logística de recebimento dos filmes em um festival de cinema internacional é naturalmente complexa, o que faz com que não haja tempo hábil, impossibilitando a antecedência necessária para a produção da dublagem tradicional. Em segundo lugar, no caso do Assim Vivemos, todos os filmes são exibidos com os recursos de acessibilidade, o que significa um volume de aproximadamente 32 filmes, entre curtas e longas, em cada edição do festival. O terceiro e principal motivo é que a dublagem tradicional suprime completamente a voz original do personagem, ficando a voz do dublador sobreposta à voz original. Desta forma, perde-se parte importante dos significados da obra. Os filmes apresentados no Festival Assim Vivemos são, na sua maioria, documentários que retratam a vida de pessoas com deficiência e todas as questões que as envolvem. Nesse caso, percebemos que a voz original dos personagens, que muitas vezes contam suas próprias histórias, traz em si aspectos e informações importantes. A forma de falar, o ritmo e a entonação com que contam suas histórias pessoais revelam nuances de personalidades e sentimentos. Outro fator importante é que, no caso principalmente de documentários, a língua original, assim como o ambiente onde vivem os retratados, os objetos que utilizam e a maneira como se relacionam, contextualizam a história e nos ajudam a compreender melhor suas realidades. Portanto, para deixar a voz original dos personagens presente, a solução encontrada foi realizar o voice over dos diálogos, falas ou narrações, recurso já utilizado em canais de televisão sempre que se faz necessária a tradução simultânea em produtos estrangeiros não dublados. O recurso do voice over consiste na sobreposição da voz do ator/narrador à voz original do personagem, fazendo com que o espectador ouça tanto o som original quanto a tradução. Normalmente, a tradução fica em primeiro plano e a voz original ao fundo. Desta forma, no caso do Festival Assim Vivemos, consideramos audiodescrição a junção da descrição das cenas com o voice over. Os atores audiodescritores realizam tanto a descrição das cenas quanto o voice over de todas as falas e diálogos. Esse trabalho é feito ao vivo e transmitido via fones de ouvido para cada usuário. A audiodescrição é recebida pelos fones enquanto o universo sonoro original do filme é transmitido pelo sistema de som da sala. Assim, o usuário tem autonomia para regular o volume do conteúdo acessível, o que não ocorreria caso o som do filme também fosse transmitido para os fones. Com tal estrutura, a sessão transcorre normalmente, sem nenhuma interferência para o público em geral, ou seja, temos uma sessão inclusiva, em que pessoas com e sem deficiência visual podem assistir ao mesmo filme sem qualquer tipo de interferência. Produção da audiodescrição e Voice Over O roteiro de audiodescrição para os filmes do Festival Assim Vivemos é feito a partir da lista de diálogos do filme, previamente traduzida para o português. Normalmente, essa tradução é feita para a legendagem e é essa mesma tradução que o audiodescritor roteirista utiliza. A descrição das cenas obedece às mesmas regras da inserção da audiodescrição em produtos nacionais ou dublados, ou seja, entra nos espaços entre as falas dos personagens, nos silêncios, nas pausas e em alguns momentos sobre a trilha sonora musical. As falas e os ruídos importantes devem ser preservados. A diferença desse roteiro para o roteiro de um produto nacional é que ele irá conter também todas as falas dos personagens. Desta forma, o roteiro final consiste nas descrições inseridas entre as falas dos personagens. Exemplos de roteiros: 1- Filme nacional: As falas da personagem estão no roteiro apenas como referência e não precisam estar necessariamente completas. Neste caso, o ator audiodescritor lê apenas a audiodescrição e utiliza-se das falas apenas para localizar suas entradas e saídas. 2- Trecho do roteiro de audiodescrição para o filme Incuráveis, de Gustavo Acioli. AD: Através de uma antiga porta de madeira entreaberta, aparece um quarto simples iluminado por um abajur. A mulher se ajeita olhando-se em um espelho. Mulher: Não repara a bagunça, ta? AD: Ela apanha uma roupa no chão. Mulher: Fica à vontade. (barulho da porta) AD: Ela fecha a porta. O homem de pé observa através da janela. O ambiente é banhado por uma luz azulada. Mulher: Eu podia botar uma música pra gente. AD: Ela caminha em direção ao banheiro. Mulher: Mas o vizinho...já veio aqui reclamar uma vez. AD: Levanta o vestido e senta no vaso sanitário. 3- Filme Estrangeiro: Neste caso, as falas dos personagens precisam estar completas e identificadas, pois também serão lidas pelos atores audiodescritores. Trecho do roteiro de audiodescrição e voice over para o filme Los Olvidados de Luis Buñuel. AD: Um grupo de jovens de diferentes idades faz uma brincadeira em um terreno urbano desocupado entre prédios. Ao fundo um prédio em ruínas. Em primeiro plano um muro de pedras e madeira improvisado. Eles brincam de tourada. Um garoto está montado nas costas de outro e outro faz de conta que é o touro. Ele corre com a cabeça baixa em direção a um garoto que sacode uma camisa. Um rapaz bebe em uma caneca enquanto outro diz: Rapaz 2- Não se esqueça dos outros! AD: O rapaz que bebia passa a caneca e pergunta: Rapaz 1- Quem quer um cigarro? AD: Todos se aproximam. Ele distribui os cigarros. Um garotinho observa montado em cima de um poste. O rapaz oferece cigarros a ele e pergunta: Rapaz 1- Você fuma? AD: E o garotinho responde: Garotinho- Não, me faz tossir. AD: Oferece para outro que responde: Garoto- Não gosto. AD: O rapaz diz: Rapaz 1- Tão grande e tão bobo. Maricas! AD: O garoto diz: Garoto- Eu preciso ir trabalhar. AD: E um menino: Menino- Só tolos trabalham. AD: O garoto diz: Garoto- Pena, vejo vocês depois. Voice Over Depois de o roteiro estar pronto, contendo a audiodescrição e todas as falas dos personagens, inicia-se o período de ensaios. Diferente da audiodescrição feita em produtos nacionais ou dublados em português, em que apenas uma voz é necessária, na audiodescrição com voice over são necessárias, no mínimo, duas vozes. No Festival Assim Vivemos, utilizam-se duas vozes, uma masculina e outra feminina. Em um primeiro momento, os atores assistem e estudam a obra, em seguida dividem os personagens. Normalmente, o ator audiodescritor fica responsável pelos personagens masculinos e a atriz audiodescritora pelos femininos. Porém, cada situação deve ser avaliada e analisada particularmente e não é incomum, por exemplo, se há diálogos frequentes entre duas mulheres ao longo do filme, que se decida que a voz masculina faça uma das mulheres e a feminina, a outra. Esse recurso facilita a diferenciação entre os personagens. Em um segundo momento, decide-se quem fará a audiodescrição; normalmente opta-se pela voz feminina quando o volume de personagens masculinos é maior e vice e versa. Para que o resultado fique satisfatório, o passo seguinte é a realização de ensaios. Um diretor coordena os ensaios e orienta os atores em relação a entonação, volume, ritmo e intenção. Preferencialmente, atores profissionais realizam esse trabalho, pois estes se utilizam de técnicas vocais e expertises da formação de ator. Estão treinados para mudar o tom de voz e o ritmo de fala em questão de segundos. Além disso, conseguem ter uma percepção geral da cena e, portanto, realizam sua intervenção de maneira que a presença do audiodescritor fique o mais integrada possível à obra original. O ator audiodescritor não “imita” exatamente o tom e o ritmo da fala do personagem, mas se aproxima do modo de falar do personagem, de modo que fique clara a associação. Como a fala original do personagem está audível ao fundo, não é necessário que o audiodescritor grite, por exemplo, quando o personagem está dizendo algo gritando, mas sim que imprima na voz a mesma intensidade e força do grito. Se o audiodescritor está fazendo voice over de uma voz infantil, não é necessário que ele imite completamente, apenas que ele aproxime sua voz da voz infantil. Desta forma, quando o audiodescritor está fazendo voice over, usa seu conhecimento de atuação para “entrar e sair” dos personagens, anulando a sua personalidade e maneira de falar própria para dar lugar às formas de expressão vocal dos personagens. O voice over exige consciência vocal plena, rapidez e capacidade de variação de vozes, ritmos e volumes, além de rapidez na orquestração dessas capacidades, já que muitas vezes o ritmo dos diálogos é rápido. A entonação deve ser discreta, pois nunca se pode perder de vista que o “ator principal” é a voz original do personagem no filme. O voice over, neste caso, funciona como um suporte de compreensão. A entonação semelhante à do personagem original funciona para que o resultado sonoro como um todo fique harmônico, caso contrário o resultado causará distanciamento e desconforto. Outra competência importante para o ator audiodescritor que realiza o voice over em filmes estrangeiros é a familiaridade com línguas estrangeiras, pois muitas vezes os personagens citam nomes próprios, lugares ou expressões que permanecem na língua original; além disso, o conhecimento da língua ajuda o audiodescritor a perceber profundamente a cadência da fala de cada personagem, saber em qual palavra ou expressão o personagem está dando ênfase ou se está sendo irônico, para depois reproduzi-la. Outra competência importante para o ator audiodescritor é perceber a dinâmica sonora do filme. Por isso, deve conhecer a obra previamente. Sabendo em que momentos do filme deve falar mais baixo ou mais alto, produzirá um resultado agradável e orgânico aos ouvidos. Em uma cena de briga, por exemplo, a audiodescrição pode fica mais intensa, enquanto que em um momento mais silencioso deve ser feita de maneira mais sutil. A audiodescrição funciona como um complemento que levará ao usuário as informações que estão contidas nas imagens (descrições) e nas falas (voice over). Este recurso é um complemento e não deve nunca competir com o filme; os personagens principais são os personagens originais e suas histórias. O audiodescritor, portanto, deve ser discreto quando está fazendo a descrição assim como quando está fazendo o voice over. O tom de voz da audiodescrição deve ser neutro, discreto e agradável. No caso do voice over, o tom deve ser um pouco mais carregado de intenções; porém como explicado anteriormente, este deve acompanhar o tom de voz original e não se transformar no personagem. Esta é uma diferença sutil que modifica o resultado final, tornando o conjunto de informações sonoras organizado, de modo que cada informação tenha seu momento para ser revelado. No Festival Assim Vivemos, a dupla de atores audiodescritores realiza a audiodescrição ao vivo, ou seja, simultaneamente à exibição do filme. Os atores audiodescritores ficam em uma cabine com isolamento acústico, montada dentro da sala de cinema ou dentro da cabine de projeção. É importante que os atores tenham boa visibilidade da tela. Se isso não for possível por questões da arquitetura da sala, um monitor em sincronismo com a imagem da tela do cinema deve ser montado dentro da cabine, para que os atores acompanhem o filme simultaneamente aos espectadores na sala. Através de fones de ouvido, os atores audiodescritores recebem o som do filme e através de microfones individuais, suas vozes são captadas e transmitidas para os fones de ouvido dos usuários. Os usuários da audiodescrição recebem fones de ouvido individuais e um receptor, pelo qual podem regular o volume da transmissão. Programa Assim Vivemos Em 2009, o Festival Assim Vivemos tornou-se também um programa de televisão chamado Programa Assim Vivemos, exibido nacionalmente na TV Brasil. Para o Programa Assim Vivemos, foram selecionados os filmes de curta-metragem exibidos ao longo das edições do festival, na sua maioria filmes estrangeiros. Assim como no Festival, os recursos de acessibilidade eram pressupostos do programa. Começou-se a pensar, então, nas questões técnicas que envolviam a transmissão da audiodescrição na televisão, já que os recursos para as pessoas com deficiência auditiva, que são a janela com a tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais e as legendas com indicações de ruídos, já estavam tecnicamente estabelecidos. Nos países em que a audiodescrição já está sendo veiculada em canais de televisão, a transmissão se dá através da tecnologia SAP (Second Audio Program), disponibilizada pela tecla secundária de áudio, encontrada na maioria dos televisores. Os usuários, então, podem optar por assistir ao programa com audiodescrição, da mesma forma que se pode optar por assistir a um filme com o som original em alguns canais no Brasil. Na ocasião do início da exibição do Programa Assim Vivemos, a TV Brasil não dispunha da tecnologia de transmissão SAP em todo o território nacional. Por essa razão, optou-se pela transmissão aberta da audiodescrição, audível a todos. Mesmo sabendo que a audiodescrição não é indicada para os videntes, por gerar informações redundantes, ou seja, a descrição do que está sendo visto, decidiu-se pela transmissão aberta porque esta seria a única opção. Além disso, por se tratar de uma novidade no Brasil, daria a oportunidade para que todos os brasileiros conhecessem e se familiarizassem com esse recurso. Tínhamos, então, o desafio de realizar as gravações da audiodescrição e voice over dos curtas-metragens. Depois de preparar e revisar os roteiros, a equipe de audiodescrição foi para um estúdio de gravação profissional. Ao contrário do Festival Assim Vivemos, cuja logística da produção e o espaço físico disponível permitem apenas uma dupla de atores audiodescritores, a gravação em estúdio permite que mais vozes sejam inseridas em um único filme. Em estúdio não existe a obrigação de se gravar tudo ao vivo: pode-se gravar e regravar cada passagem até que o resultado fique satisfatório. Normalmente, grava-se uma voz por vez, o que possibilita que as vozes sejam gravadas em momentos diferentes e que a interação e a dinâmica entre a audiodescrição e o voice over sejam manipuladas depois da gravação. Deste modo, a distribuição dos personagens entre os atores pode ser feita de forma menos rígida, comportando quantas vozes forem necessárias, dependendo do número de personagens de cada filme. Ainda assim, os atores costumam desempenhar mais de um personagem por filme, sem prejuízo da qualidade do resultado final, visto que o ator domina técnicas para variar a voz e diferenciar personagens. Seguindo a experiência do Festival, no Programa Assim Vivemos optou-se pelo voice over sobreposto à voz original dos personagens nos filmes de língua estrangeira. Nosso desafio foi o ajuste dos volumes para que o universo sonoro original dos filmes ficasse presente, mas sem “brigar” com o som gravado contendo a audiodescrição e o voice over. Para tal, optamos por baixar o volume do som original nos momentos em que entra a audiodescrição ou voice over e retornar ao nível normal quando não está acontecendo audiodescrição ou voice over. Dessa forma, este trabalho de mixagem que ocorre após a gravação do conjunto de informações sonoras, representa um estágio fundamental para a realização da audiodescrição com qualidade. Seja em produtos estrangeiros ou nacionais, a audiodescrição simplesmente “colada” ao som original do produto resulta em um universo sonoro não harmônico, onde os dois sons competem entre si, tornando o todo incompreensível e cansativo. O ajuste de volumes é um trabalho que exige sensibilidade e conhecimento das necessidades do usuário da audiodescrição. Assim, o universo sonoro contendo o som original do filme mixado ao novo som criado, que contém audiodescrição e voice over, resulta em um todo agradável aos ouvidos. Considerações Finais A tecnologia e o conhecimento devem estar a favor da melhor forma de inserir a audiodescrição e o voice over em produtos de língua estrangeira, lembrando sempre, que o objetivo principal é fornecer informação enquanto o conteúdo sonoro original é preservado na sua essência. A audiodescrição com voice over disponibiliza um ferramental completo para a acessibilidade de pessoas com deficiência visual para qualquer produto audiovisual estrangeiro, visto que este recurso rompe a barreira da língua. Trata-se de um recurso sem precedentes, que põe à disposição do usuário a possibilidade de adquirir conhecimento e entretenimento com as mais variadas produções audiovisuais. A FORMAÇÃO DE AUDIODESCRITORES NO CEARÁ E EM MINAS GERAIS: UMA PROPOSTA BASEADA EM PESQUISA ACADÊMICA Vera Lúcia Santiago Araújo (Universidade Estadual do Ceará - UECE)* Introdução A Universidade Estadual do Ceará (UECE) discute a acessibilidade audiovisual desde o ano 2000 investigando a legendagem para surdos. A pesquisa em audiodescrição (AD) começou em 2008 e foi motivada pela implantação da AD no Brasil e pela ausência de pesquisa acadêmica na área. A Portaria 310 de 27 de junho de 2006 prevê a obrigatoriedade da AD para pessoas com deficiência visual e legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE) ou janela de Libras (JL) para surdos a partir de 2008. Com base nessa legislação, as emissoras de TV aberta deveriam oferecer AD, LFS ou JL gradativamente, até atingir a totalidade da programação em 10 anos. No que diz respeito aos surdos e ensurdecidos, a lei foi cumprida, porém o mesmo não aconteceu com as pessoas com deficiência visual, já que o Ministério das Comunicações vem adiando a implantação da AD (Portarias 403, 466, 661) desde junho de 2008. Enquanto essa implantação não acontece, estamos realizando pesquisas que investigam padrões de audiodescrição para serem usados no país e promovendo cursos de formação de profissionais comprometidos com a acessibilidade. Além da UECE, duas universidades, a UFBA e a UFMG, também participam das pesquisas, porém é com a última que temos vários projetos em andamento, patrocinados por diversas agências de fomento à pesquisa (CAPES, CNPq, FUNCAP e FAPEMIG) e pelo BNB. O maior deles é um projeto de cooperação acadêmica (PROCAD), financiado pela CAPES, que tem como objetivo formar tanto pesquisadores em AD como audiodescritores. Vários cursos em nível de graduação e, principalmente, de pós-graduação foram realizados até agora em algumas universidades do Brasil (UECE, UFMG, UFBA, UERN e PUC-MINAS). Este artigo enfoca os principais aspectos desses cursos de formação de audiodescritores. Está subdividido em duas seções: a primeira traz o referencial teórico sobre audiodescrição com ênfase na pesquisa na área; a segunda trata mais especificamente do funcionamento dos cursos. 1. A pesquisa em AD A AD é uma modalidade de tradução audiovisual definida como a técnica utilizada para tornar o teatro, o cinema e a TV acessíveis para pessoas com deficiência visual. Trata-se de uma narração adicional que descreve a ação, a linguagem corporal, as expressões faciais, os cenários e os figurinos. A tradução é colocada entre os diálogos e não interfere nos efeitos musicais e sonoros. Seria a tradução das imagens, do enredo, do cenário e da ação (BENECKE, 2004). Originou-se nos Estados Unidos nos anos 70. Já é bastante utilizada nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Japão. Em alguns desses países já existe até uma regulamentação que obriga as emissoras de TV a audiodescreverem seus programas e filmes: EUA (50 horas por mês); Reino Unido (inicialmente 4% da programação; em 2010, 10%). A pesquisa em AD está incluída dentro dos Estudos de Tradução porque adotamos a definição de Jakobson (1995), que reconhece três tipos de tradução: a interlinguística ou tradução propriamente dita (texto de partida e chegada em línguas diferentes); a intralinguística ou reformulação (texto de partida e chegada na mesma língua); e a intersemiótica ou transmutação (texto de partida e chegada em meios semióticos diferentes, do visual para o verbal e vice-versa). Então, mais especificamente, a AD seria uma tradução intersemiótica porque transmuta as imagens de um filme em palavras. A inclusão da AD como tradução é de fundamental importância para o seu reconhecimento como trabalho intelectual. O próprio governo não reconhece esse status quando define a AD como “locução” na Portaria 310: Áudio-descrição: corresponde a uma locução [grifo nosso], em língua portuguesa, sobreposta ao som original do programa, destinada a descrever imagens, sons, textos e demais informações que não poderiam ser percebidos ou compreendidos por pessoas com deficiência visual. A AD vai muito além da descrição de informações percebidas pela visão. Questões técnicas, linguísticas e fílmicas precisam ser observadas para que se possa levar a cabo a tarefa. As respostas a essas questões dependem muito do gênero do filme a ser audiodescrito e muitas delas não podem ser generalizadas. Um audiodescritor competente precisa estar preparado para lidar com problemas, tais como: 1. Que informação priorizar?; 2. A sobreposição entre o áudio do filme e da AD é sempre não recomendável? 3. Como deve ser a narração? Semelhante a uma contação de histórias? Monocórdia ou com inflexões de voz? 4. Quais as características do texto da AD? Semelhante a um texto literário? Com descrições detalhadas dos personagens, do enredo e da ação? Ou deve somente privilegiar a ação? Em nossa opinião, a tarefa do audiodescritor é bem mais complexa do que a definição oferecida pelo governo. Sua execução deve ser realizada por profissionais preparados para decidir que estratégia adotar na hora em que estas dificuldades aparecerem. A pesquisa em AD ainda é muito incipiente. Que seja do nosso conhecimento, com exceção dos trabalhos de Franco (2007) e Jimenez Hurtado (2007), todas as outras publicações sobre AD versam sobre o lado profissional da prática tradutória. São normalmente os tradutores que dividem suas experiências com o público. Alguns desses audiodescritores são: Snyder (2005), Benecke (2004), Hyks (2005) e Matamala (2005). A pesquisa coordenada por Franco (2007) passou por várias etapas: visita às instituições que atendem pessoas com deficiência visual na Bahia, seleção dos participantes, seleção do filme, AD do filme, elaboração de questionários sobre o filme e análise dos dados. Foram selecionados dois grupos de 10 sujeitos, a maioria com baixa visão e apenas um deles cego congênito. O filme selecionado foi Pênalti, curta com duração de 8 minutos, “filmado em Salvador, no mais puro ‘baianês’[grifo da autora], tema sobre futebol, uma pitada de sexo, e o mais importante, imagens extremamente significativas para a compreensão do enredo” (FRANCO, 2007: 180). A gravação da AD foi feita em um estúdio na cidade de Salvador (FRANCO, 2007). O questionário foi elaborado para ser respondido pelos dois grupos, aqueles que viram o filme com e sem AD. As perguntas referentes à imagem – “Por que os corpos de alguns personagens estão em azul?” – só foram respondidas pelos que assistiram ao curta com a tradução. Os resultados indicaram que o grupo com AD entendeu melhor o filme, visto que o nível de acertos desse grupo foi de 95% contra 40% do grupo que viu o filme sem AD. A autora ressalta que seus resultados não são conclusivos, mas que já sinalizam para os benefícios que a AD traz para a acessibilidade audiovisual. Destaca que muitas pesquisas precisam ser feitas antes que cheguemos a uma conclusão definitiva sobre qual modelo de AD seria ideal para os brasileiros com deficiência visual. Um grupo de pesquisadoras espanholas analisou um corpus de 325 filmes audiodescritos em diversas línguas (inglês, francês, espanhol, inglês e alemão). Cada uma delas examinou aspectos diferentes relacionados à AD. Jimenez Hurtado (2007) investigou as palavras e a estrutura frasal mais frequentes. Payá (2007) comparou os dois roteiros, o do filme e o audiodescrito. Ballester (2007) analisou a caracterização dos personagens na AD. Jimenez Hurtado (2007) encontrou os seguintes parâmetros nos filmes audiodescritos: ELEMENTOS VISUAIS NÃO VERBAIS 1. Personagens 1.1. Apresentação 1.2. Identificação do ator ou atriz que interpreta o personagem 1.2.1. Atributos físicos 1.2.2. Idade 1.2.3. Etnia 1.2.4. Aspecto 1.2.5. Vestuário 1.2.6. Expressões faciais 1.2.7. Linguagem Corporal 2. Estados 2.1. Estados emocionais 2.1.1. Positivos 2.1.1.1. Alegria 2.1.1.2. Ânimo 2.1.1.3. Serenidade 2.1.1.4. Ternura 2.1.2. Negativos 2.1.2.1. Tristeza 2.1.2.2. Desânimo 2.1.2.3. Desesperança 2.1.2.4. Ira 2.1.2.5. Medo 2.2. Estados físicos 2.3. Estados mentais 3. Ambientação 3.1. Localização 3.1.1. Espacial 3.1.2. Temporal 3.2. Descrição 3.3. Ações ELEMENTOS VISUAIS NÃO VERBAIS 4. Créditos 5. Inserções 5.1. Textos 5.2. Títulos 5.3. Legendas 5.4. Intertítulos Por meio desses parâmetros, a autora, utilizando um software de análise textual chamado Wordsmith Tools, derrubou dois mitos dentro da prática da audiodescrição. O primeiro foi sobre o uso das palavras “olhe” e “veja” (JIMENEZ HURTADO, 2007: 74), consideradas politicamente incorretas em muitas diretrizes de AD. Ao procurar pelas palavras mais frequentes, deparou- se justamente com as duas. Depois das preposições e dos artigos, elas foram as mais utilizadas por audiodescritores de diversos países. O segundo mito derrubado foi o de que não se deve colocar sua interpretação na AD. A estrutura frasal que mais aparece (30% dos casos) é a seguinte: Sujeito Predicado Predicativo Alguém sorri emocionado O predicativo nesse tipo de construção implica uma interpretação. Carrega uma visão subjetiva (emocionado) da representação oferecida pelo verbo principal (sorri) (JIMENEZ HURTADO, 2007: 77). Devemos saber que, ao fazermos uma narrativa, sempre deixamos nossas impressões e nossa visão de mundo. O audiodescritor só precisa tomar cuidado na escolha de sua adjetivação para não colocar suas inferências no texto, principalmente aquelas cruciais para o entendimento do filme. A garantia da acessibilidade reside em que a leitura do filme seja feita pelo espectador, seja ele vidente, ouvinte, surdo ou com deficiência visual. Não faz parte do trabalho do audiodescritor facilitar essa leitura. Ele precisa traduzir as imagens para propiciar à pessoa com deficiência visual a oportunidade de fazer a própria interpretação. Payá (2007: 88-89) compara os dois tipos de roteiro: o do filme e o da AD. A autora faz uma análise do filme Pulp Fiction de Quentin Tarantino (1994). Ela demonstra que os dois roteiros são diferentes, porque ambos possuem objetivos distintos mesmo quando focalizam a mesma cena. Um exemplo disso é a abertura do filme, em que são visualizados os rostos de dois personagens, Jules (Samuel Lee Jackson) e Vincent (John Travolta) dentro de um carro. O roteiro do filme descreve o carro (modelo Chevy Nova de cor branca e ano 1974) e sua trajetória (o carro atravessa as ruas de Los Angeles). Aqui, os personagens não são descritos, porque essa informação pode ser recuperada pelas imagens. Já o roteiro audiodescrito dá ênfase justamente à informação fornecida pelo canal visual para que a pessoa com deficiência visual tenha a mesma experiência do vidente: Dois homens, Jules, de raça negra e Vincent, branco, atravessam o subúrbio de Hollywood a bordo de um Chevrolet 74. Vincent é alto, de rosto afilado e cabelos compridos pretos que caem sobre seus ombros. Usa um brinco na orelha direita. É interpretado por John Travolta. Ballester (2007: 137) aponta estratégias para caracterizar os personagens de uma AD: A caracterização dos personagens se centra em seus atributos físicos (idade, etnia e aspecto) e também no seu vestuário, expressões faciais e linguagem corporal. Além disso, são descritos os estados emocionais, mentais e físicos dos personagens. Segundo a autora, os personagens são descritos à medida que aparecem na tela. Ela frisa também que essa descrição deve ser feita ao longo do filme, já que, muitas vezes, os tempos sem fala que podem ser preenchidos com a AD são pequenos. Outra maneira de caracterizar os personagens são os objetos que o rodeiam. Por exemplo, a autora descrevendo o ambiente onde vive Manuela, personagem principal do filme Tudo sobre minha mãe (1999) de Pedro Almodóvar, diz que fotos e cenas com espelho são muito importantes para que o espectador penetre no mundo da personagem. Afirma também, citando um trabalho de Allison (2003: 65) sobre o cineasta, que “as casas dos personagens dizem muito aos espectadores sobre seus habitantes e, em Almodóvar, os detalhes dos interiores estão marcados socialmente” (BALLESTER, 2007: 138). 2. O curso de formação de audiodescritores Todos os cursos ofertados até agora seguem o seguinte esquema: 1. Discussão de uma pesquisa sobre AD; 2. Análise de um filme audiodescrito; 3. Realização de uma AD. A discussão das pesquisas tem como meta analisar as diretrizes utilizadas pelos diferentes países onde a AD já é uma realidade, principalmente aquelas testadas em pesquisas empíricas. Em cada um dos encontros, um desses estudos é amplamente discutido para que possamos encontrar um modelo que se adeque à realidade brasileira. Analisar uma AD é relevante para que o audiodescritor possa conhecer o modo de audiodescrever de alguns países e, assim, encontrar a melhor maneira de lidar com a tradução de imagens. Utilizamos basicamente filmes em DVD realizados na Europa, porque são aqueles que podem ser encontrados com mais facilidade. Temos trabalhos realizados em Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Como nem todos os participantes dominam a língua estrangeira, damos preferência aos filmes em espanhol e português. Encontram-se em andamento, na Universidade Estadual do Ceará dissertações de mestrado que analisam alguns desses DVDs. As análises são baseadas nas categorias de Jimenez Hurtado (2007) apresentadas anteriormente. Também pretendemos construir um corpus com a nossa produção para que possamos comparar nossa realidade com a dos países europeus. Além de filmes lançados comercialmente, também examinamos o trabalho realizado por outras turmas. Este procedimento tem sido interessante, pois os alunos entram em contato mais de perto com a produção dos seus colegas e, assim, podem compará-la à deles. 2.1. A produção de uma AD Em todos os cursos, um filme de curta metragem é audiodescrito pela turma inteira. Nessa atividade, todos têm a oportunidade de argumentar em favor de suas escolhas, porque na AD as descrições podem variar de acordo com a interpretação de cada audiodescritor, conforme já foi comentado. A discussão coloca os audiodescritores novatos em contato com as várias possibilidades de tradução suscitadas por um filme. O processo de AD segue quatro etapas: elaboração do script com o auxílio do software Subtitle Workshop (SW) e de um consultor com deficiência visual; produção do roteiro com todas as rubricas necessárias para a gravação em estúdio e mixagem da AD e do som original do filme. Apesar de ser um programa de legendagem, o SW foi utilizado porque permite a marcação do tempo de entrada e saída da AD, a duração dessas inserções e a visualização do filme. A diferença entre a legendagem e a AD reside no fato de que a primeira ocorre simultaneamente às falas, enquanto a segunda é colocada, preferencialmente, no intervalo delas. Com o software, o audiodescritor pode testar se, em sua descrição, não há sobreposição entre a AD e os diálogos do filme. Essa é uma diretriz fundamental, visto que a sobreposição pode prejudicar a recepção das pessoas com deficiência visual. De acordo com algumas diretrizes europeias, ela só deve acontecer em casos extremos: quando o que está sendo dito não é importante para o entendimento do filme ou quando a descrição é fundamental para esse entendimento. O excesso de sobreposições pode impedir que a pessoa com deficiência visual assista ao filme confortavelmente. Depois de elaborada a lista de diálogos, começamos a preparação do roteiro que contém os seguintes elementos: tempos iniciais e finais (Time code reader – TCR – onde serão inseridas a AD), as descrições, as deixas (a última fala antes de entrar a AD) e as rubricas (as instruções para a locução). Todos esses elementos são importantes para auxiliar a gravação da voz. Esses elementos podem ser conferidos no trecho do roteiro do curta Águas de Romanza abaixo: TIME-CODE AUDIODESCRIÇÃO 00:04:22:03 - -> 00:04:25:20 – Mas Vó, como é que é feita a chuva? ? DEIXA A avó enxuga as lágrimas no vestido. 00:04:34:23 - -> 00:04:36:20 – Você não lembra? ? DEIXA Romanza balança a cabeça negativamente. 00:05:35:22 - -> 00:05:37:11 –... só esperando o sol, pra fazer eles brilhar. ? DEIXA Os olhos verdes de Romanza sorriem. [Rápido] [Falar assim que aparece o rosto de Romanza] ? RUBRICA 00:06:11:22 - -> 00:06:13:21 – Você vai ver só. ? Deixa A avó olha para São José. Lá fora... Quadro 1: Roteiro da AD de Águas de Romanza Findo o roteiro, passamos para a fase de gravação. Em primeiro lugar, é feito um teste de voz entre os alunos para escolher aquele ou aquela que fará a narração. O curso visa a preparar os alunos para atuarem em todas as fases de uma AD. Embora saibamos que nem todos têm aptidão para a locução, é importante conhecer que aspectos estão envolvidos nesse tipo de narração. Em seguida, passamos para a gravação. Antes a fazíamos no Windows Movie Maker. Atualmente, utilizamos equipamento profissional: (microfone Beringher B1, mesa de som, fone e software de edição de áudio e vídeo). Nessas aulas, um técnico mostra como se faz a gravação e a equalização entre a trilha sonora do filme e da AD. Tomar conhecimento dessas questões técnicas é essencial para que o audiodescritor possa orientar os produtores culturais e profissionais da área a trabalharem com acessibilidade. Um bom exemplo disso é a produção de um DVD. Para atender às necessidades do público alvo, é necessária a inclusão do menu audiodescrito e do título escrito em braille na capa para que a pessoa com deficiência visual possa navegar no DVD e escolher a que filme assistir. Como se pode perceber, o curso é basicamente sobre AD para as telas. Embora o grupo da UECE (LEAD – Legendagem e Audiodescrição) já tenha feito várias peças em alguns teatros da cidade, ainda não demos um curso de audiodescrição para teatro. Esperamos fazê-lo em breve. A última parte do curso está voltada para a inserção dos futuros audiodescritores no mercado de trabalho. Com essa finalidade, foi criado o projeto “DVD Acessível”. 2.2. O projeto DVD Acessível O projeto DVD Acessível, que tem patrocínio do BNB, visa também proporcionar a pessoas com deficiência auditiva ou visual a oportunidade de assistirem à produção cinematográfica de realizadores cearenses. Seis filmes (dois longas e quatro curtas) estão sendo traduzidos por legendagem e janela de LIBRAS para surdos e audiodescrição para pessoas com deficiência visual. Os de curta metragem são: Águas de Romanza (2002) de Patrícia Baía e Gláucia Soares; Reisado Miudim (2008), de Petrus Cariry; Capistrano no Quilo (2007), de Firmino Holanda e Adorável Rosa (2008), de Aurora Miranda Leão. Os de longa metragem são: O Grão, de Petrus Cariry (2007) e Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariry (1996). Além disso, pretendemos discutir, com os produtores de DVD do país, a melhor maneira de seus filmes se tornarem acessíveis. Os filmes de curta-metragem estão sendo legendados e audiodescritos pelos participantes do curso. Como parte desse projeto, foram legendados e audiodescritos alguns filmes participantes do CINE CEARÁ, festival de cinema que se realiza anualmente na capital cearense. Pela primeira vez, em 19 anos, aconteceu uma mostra de filmes audiodescritos e legendados. Novamente, os alunos dos cursos realizados em Fortaleza foram chamados para participar da tradução dos filmes. Os filmes traduzidos foram: O Homem que Engarrafava Nuvens (2008), longa de Lírio Ferreira; A Montanha Mágica (2009), curta de Petrus Cariri; Se Nada Mais Der Certo (2008), longa de José Eduardo Belmonte; Capistrano no Quilo (2007), curta de Firmino Holanda e O Pequeno Burguês, Filosofia de Vida (2008) de Edu Mansur. Considerações finais Este artigo teve como objetivo discutir como a UECE e a UFMG estão trabalhando a formação de audiodescritores no Brasil. Além do aqui exposto, estão sendo realizadas várias pesquisas que visam encontrar parâmetros de audiodescrição que atendam às necessidades dos brasileiros com deficiência visual. Esses parâmetros terão como base os Estudos da Tradução e da Multimodalidade. Serão testados, em primeiro lugar, com cegos dos estados da Bahia, do Ceará e de Minas Gerais. Depois disso, vamos investigar o que acontece nos outros estados da federação. Nossa meta é promover a acessibilidade audiovisual e contribuir para a implantação da AD no Brasil, preparando pesquisadores e profissionais competentes que possam fazer a diferença quando a AD for uma realidade no país. Referências ALLISON, M. A Spanish labyrinth: the films of Pedro Almodóvar. Londres: Tauris & Co., 2003. BALLESTER, A. Directores en la sombra: personajes y su caracterización en el guión audiodescrito de Todo Sobre Mi Madre (1979). In JIMENEZ HURTADO, C. (ed.) Traducción y acessibilidad. Subtitulación para sordos y audiodescripción para ciegos: nuevas modalidades de traducción audiovisual. Frankfurt: Peter Lang, 2007, p. 133-152. BENECKE, B. Audio-description. In: GAMBIER, Y. (ed.) Meta. Volume 49, nº. 1, abril de 2004, p. 78-80. PORTARIA 310. Radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão - Para pessoas com deficiência. Ministério das Comunicações. 27- 06- 2006. www.mc.gov.br/.../portarias/portaria-no-310-de-18-de-dezembro-de- 1998. PORTARIA 403. Suspensão da aplicação do subitem 7.1 da Norma Complementar nº 01/2006, aprovada pela Portaria nº 310. 30-06- 2008. www.mc.gov.br/wp-content/uploads/...ministerio/.../portarias/portaria- 403.pdf PORTARIA 466. Concessão do prazo de noventa dias, para que as exploradoras de serviço de radiodifusão de sons e imagens e de serviço de retransmissão de televisão (RTV) passem a veicular, recurso de acessibilidade. 30-07-2008. PORTARIA 661. Consulta pública sobre a acessibilidade audiovisual de pessoas com deficiência visual. 14-10-2008. . FRANCO, E. P. C. Em busca de um modelo de acessibilidade audiovisual para cegos no Brasil: Um projeto piloto. In: ARAÚJO, V.L.S. & FRANCO, E. P. C. (org.) Tradterm. São Paulo: Humanitas, 2007, p. 171-185. HYKS, V. Audiodescription and translation: two related but different skills. Translating Today, v.4, julho de 2005, p. 06- 08. JIMENEZ HURTADO, C. Una gramática local del guión audiodescrito. Desde la semántica a la pragmática de un nuevo tipo de tradução. 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Blind Tube: conceito, audiodescrição e perspectivas Lara Pozzobon* A concepção do projeto O Blind Tube foi concebido em uma reunião em que pensávamos em alternativas para a expansão dos nossos projetos relacionados com o Festival Assim Vivemos, Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência, em conexão com as iniciativas da Educs na internet. Na ocasião, Graciela Pozzobon, Pedro Marinho, da Educs, e eu chegamos à ideia de um site específico para a exibição de filmes com acessibilidade. Iniciamos uma pesquisa na internet, cujo resultado foi a constatação de que o nosso site seria o primeiro desse tipo. Posteriormente, pesquisas mais aprofundadas em sites em língua inglesa, espanhola, francesa e italiana, assim como consultas a pessoas ligadas à acessibilidade no Brasil, Espanha, Alemanha, Austrália e Inglaterra, deram conta de que estávamos realmente criando um projeto inédito no mundo. Longe de provocar nossa vaidade, a constatação do ineditismo nos trouxe ainda mais o sentido de responsabilidade pela criação de um bom exemplo. Exemplo da possibilidade relativamente simples de proporcionar a pessoas com deficiências sensoriais o acesso a filmes variados. A partir de então, a equipe da Educs estudou as normas e as formas de acessibilidade na internet, orientada por Marco Antônio de Queiroz um consultor que criou e atualmente coordena dois sites totalmente acessíveis e de grande visitação. Construímos o Blind Tube quase ao mesmo tempo em que entrávamos em contato com as noções básicas da acessibilidade, sempre aprendendo à medida que trabalhávamos na sua construção. Constantemente, a nossa falta de experiência tirou o site dos parâmetros ideais da acessibilidade, e todas as vezes que recebíamos alertas de usuários, a equipe técnica se apressava para entender e resolver as distorções. Desde o início, tínhamos como pressuposto que o site deveria seguir as normas que levavam ao desenho universal, isto é, ele deveria ser acessível ao maior universo possível de pessoas, tanto para aquelas com deficiência visual, baixa visão ou outros tipos de visão subnormal, quanto para pessoas surdas e com deficiência auditiva. Mas não apenas para estes. Também tínhamos a tarefa de deixar o site navegável por pessoas com mobilidade reduzida. Assim, seguimos as normas de acessibilidade para que todos os usuários pudessem navegar no ambiente do site, e, nos filmes, colocamos dois recursos de acessibilidade: a audiodescrição (AD) e as legendas Closed Caption (CC). Sabemos que o recurso da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) também é necessário para uma boa parte dos surdos que não tem conhecimento ou fluência na Língua Portuguesa, mas para colocá-lo precisaríamos investir uma verba que estava além das nossas possibilidades. Esse será o próximo passo do projeto: acrescentar uma janela de LIBRAS simultânea à exibição dos filmes. A propósito, o programa Assim Vivemos, da TV Brasil, também produzido por nós, conta com os três sistemas, disponíveis simultaneamente: AD, CC e LIBRAS. Já no Blind Tube, a colocação de LIBRAS nos filmes, assim como a expansão da capacidade virtualmente infinita do site, estão condicionadas à obtenção de parcerias e patrocínio. O conceito Do ponto de vista da seleção dos filmes, nossa ideia é exibir um conjunto variado, com estéticas, temas e abordagens diferentes, dando uma amostra do que se produz no Brasil em curta-metragem. A opção por filmes curtos foi pautada por quatro motivos: porque temos um grande apreço por esse formato, já que iniciamos nossa vida profissional produzindo curtas; porque temos facilidade de acesso aos detentores dos direitos autorais dos filmes; porque os curtas geralmente não têm um distribuidor comercial que possa impedir ou discordar desse tipo de distribuição gratuita e, por fim, porque a banda virtual necessária para a exibição de um filme curto na internet é menor que a banda exigida por um longa-metragem. Ainda sobre a seleção dos filmes, é importante lembrar que nossa intenção ao criar o Blind Tube é proporcionar diversão e lazer cultural com acessibilidade, ou seja, a ideia é mostrar filmes que não tratem do tema da deficiência, e sim de temas gerais. Essa opção parece ter confundido um pouco as pessoas em um primeiro momento. Justamente porque entendemos que a acessibilidade deva estar em espetáculos de todos os tipos, temas e estéticas, no teatro, na dança, no cinema comercial, etc, é que criamos o Blind Tube. Por outro lado, já acumulamos a experiência de dirigir o Festival Assim Vivemos desde 2003 e neste, sim, o conceito primordial é justamente exibir filmes de qualidade sobre o tema da deficiência, sempre com acessibilidade. Com exceção de alguns trailers de filmes americanos, tudo o que encontramos na internet com algum tipo de acessibilidade gira em torno do tema da deficiência. Era disso que precisávamos nos distanciar, para mostrar com maior clareza, para a sociedade, instituições e produtores, que é urgente a ampliação do leque de opções culturais com acessibilidade. Tirar essa questão de seu círculo fechado e separar o tema da deficiência da necessidade de acessibilidade: esta é a tarefa a que nos propomos no projeto. Uma observação talvez se faça necessária neste momento: a presença do filme Cão Guia no Blind Tube pode parecer contraditória, já que o filme trata de uma personagem cega. O filme está lá por vários motivos: porque é uma ficção e porque foi concebido e produzido como um filme sobre o amor, o poder e as dificuldades de relacionamento comuns a todas as pessoas, em primeiro lugar. Em segundo, porque foi esse filme que nos levou, Graciela Pozzobon, Gustavo Acioli e eu, a entrar em contato com pessoas e instituições ligadas às pessoas com deficiência. E por ele é que fomos levados a conhecer o festival sobre deficiência de Munique, pioneiro no mundo, que inspirou diretamente o Festival Assim Vivemos. Por tudo isso, o filme é simbólico na nossa trajetória e, portanto, não poderia ficar de fora. A audiodescrição A AD feita para os filmes presentes no Blind Tube seguiu critérios e normas estabelecidos pela equipe coordenada por Graciela Pozzobon, em sua experiência acumulada ao longo da produção dos roteiros e da execução da AD nas quatro edições do Festival Assim Vivemos e em outros projetos especificamente com filmes brasileiros. Esses critérios e normas, inicialmente intuídos e construídos a partir do diálogo intenso com as pessoas cegas que compareceram às primeiras edições do festival, revelaram-se, mais recentemente, estar inteiramente em consonância com as normas internacionais. Essa coincidência ficou clara quando começaram a surgir publicações, sites e eventos internacionais sobre a AD. Em 2003, quando começamos, não havia bibliografia disponível nem exemplos divulgados no Brasil ou no exterior, a partir dos quais pudéssemos nos guiar. Mesmo no festival de Munique (Wie wir leben), do qual participei em 2001 e 2003, a transmissão feita para os fones não era propriamente o que entendemos hoje por audiodescrição. Era apenas um Voice Over feito ao vivo, por dois atores, em inglês ou em alemão, conforme a nacionalidade do filme. Era útil tanto para os cegos quanto para os videntes estrangeiros, convidados do festival, como nós. Da mesma forma, no festival francês Rétour d’Image, também sobre deficiência, realizado em Paris em 2003, do qual participei como convidada, apresentando nosso filme Cão Guia, a AD não estava disponível em todas as sessões, embora houvesse outras acessibilidades sofisticadas, como as legendas CC usadas nos filmes, feitas com um posicionamento especial para cada personagem. Uma norma fundamental da AD, embora subliminar, é a relativização da maior parte de suas normas. Por exemplo: quando dizemos que a descrição das cenas nunca pode se sobrepor aos diálogos e aos ruídos importantes do filme, estamos enunciando uma norma válida e correta. Porém, há casos em filmes em que uma cena longa ou mesmo uma sequência inteira é completamente ocupada por diálogos e ruídos importantes. Nessas situações, provavelmente será necessário informar na AD o contexto ou algum detalhe da imagem, e, portanto, é preciso avaliar qual é o diálogo ou ruído menos crucial na cena, e cobri-lo com uma rápida e sucinta descrição. Claro que isso acontecerá apenas quando considerarmos que tal descrição é absolutamente imprescindível. E, felizmente, essa situação não é muito comum. Tendo consciência disso, entende-se que a criação do roteiro de AD exige antes de tudo uma constante negociação de prioridades. Ao lado de todas as características básicas de clareza e síntese do texto, compreensão do conteúdo do filme e consciência de sua forma narrativa, é fundamental observar que no texto da AD não se pode interpretar nem julgar nada, apenas descrever objetivamente aquilo que está na imagem. Todos sabemos que a objetividade, mesmo na imprensa, é sempre relativa, por mais que se busque, um pouco mais ou um pouco menos conscientemente, alcançá-la. Na AD, a objetividade de cada audiodescritor certamente irá variar, e também será fortemente variável a avaliação daquilo que é necessário descrever. As infinitas possibilidades de “como” e com que palavras descrever a imagem completam a complexa condição que levará sempre à pluralidade de estilos e formas de AD, por mais que um mesmo conjunto de regras seja respeitado por todos os audiodescritores. Não há uma tradução de um poema igual à outra, aproximadamente pelos mesmos motivos. São muitas as ênfases possíveis e inúmeras as negociações, que, por sua vez, são de várias naturezas. É fascinante ler várias traduções diferentes de poemas clássicos. Em cada uma, haverá o esforço de transpor, da melhor maneira possível, o entendimento que aquele tradutor tem da obra original. Esse entendimento já é o primeiro filtro, que irá diferenciar cada um dos tradutores. Diversos outros filtros serão inevitavelmente acionados ao longo da tarefa. Diz o precioso ditado italiano: ”Traduttore, traditore” (Tradutor, traidor.). Está próximo dessa condição o audiodescritor: em sua tarefa, também é necessário transpor, traduzir as imagens em palavras, mas a equivalência total é literalmente impossível. Mais que isso, a consciência da delicadeza e da complexidade da tarefa é fundamental para alcançar uma postura despretensiosa em relação à sua própria missão. Como tradução intersemiótica, isto é, tradução entre elementos de natureza diferente, imagem e linguagem verbal, a AD se insere nesse universo mapeado e bastante estudado da tradução propriamente dita. No entanto, não se pense que tamanha complexidade e pluralidade de possibilidades resultam em uma ausência de normas ou na impossibilidade de determiná-las. Pelo contrário, é fácil detectar o que se pode chamar de erro ou o que se pode considerar uma inadequação na AD. Entretanto, a avaliação de um trabalho de AD deve levar em conta a obra que está sendo audiodescrita. Muitos supostos erros, apontados apressadamente, serão nada mais que a obediência ao estilo, ao conceito ou à dicção do filme. Por exemplo, se o filme não deixa claro na imagem um determinado detalhe, a AD não tem o direito de acrescentar essa informação que não está presente. Isso seria uma deturpação do sentido da cena, por incompreensão da obra e do caráter ambíguo e polissêmico que é próprio da arte. A AD não tem, pois, o direito de explicar o que não está claro no filme. O usuário de AD deve entender o filme e ao mesmo tempo ficar com as mesmas dúvidas que os videntes ficaram, considerando a dubiedade e a multiplicidade de sentidos presentes nas obras de arte. Um detalhe importante a ser observado na produção da AD é o uso que cada filme faz dos silêncios. Há que se respeitar o ritmo do filme, deixando o espectador que usa o recurso da AD compreender a respiração dos silêncios, tanto quanto o espectador vidente. É claro que os silêncios são geralmente ricos em imagens, o que torna irresistível o uso desse tempo para descrições. Mas eventualmente a cena é contemplativa, sem uma saturação de imagens, e isso deve ser entendido e respeitado no roteiro da AD. Nesse caso, o silêncio também será eloquente para o usuário da AD, constituindo um elemento narrativo importante. Também a quantidade de detalhes a serem descritos é sempre algo a ser dosado de acordo com a duração das pausas e também com o bom senso. É inevitável que alguns espectadores queiram mais detalhes e outros prefiram uma descrição mais econômica. Por isso, há que se encontrar um equilíbrio entre todas as exigências e necessidades da obra, assim como um meio-termo em relação à quantidade de informações. Na maior parte das vezes, a qualidade da descrição resolve o problema da quantidade. Por isso, a precisão vocabular e a concisão textual são fundamentais na AD. Outro elemento importante a ser estudado é a simultaneidade das imagens com sua descrição. Na medida do possível, as informações devem ser veiculadas simultaneamente; porém, mais uma vez é preciso relativizar a regra. Há muitos casos em que a descrição da cena só pode ser feita um pouco antes ou um pouco depois do desenrolar da cena, justamente porque nela há um diálogo. Se essa falta de simultaneidade não compromete a compreensão do filme, nem antecipa alguma surpresa importante da cena (caso em que a antecipação seria inaceitável) é melhor colocar a AD fora da hora exata do que não utilizá-la. No entanto, é evidente que se há forma de encaixar a descrição exatamente junto com sua imagem, não há razão para não o fazer. É conveniente que o audiodescritor conheça a linguagem cinematográfica, para saber avaliar quando um procedimento formal do filme será importante para a compreensão da narrativa. Pode – ou não – ser determinante para o entendimento de uma cena o fato de que a câmera está em determinada posição. Isso deve ser ressaltado, se realmente for importante para a narrativa. Uma regra da AD que raramente precisará ser relativizada é a de não apresentar o personagem antes que o filme o faça. Assim, se aparece no início do filme uma mulher que não temos como identificar, nem sabemos seu parentesco com os outros personagens, não podemos definir algo que só mais adiante se revelará. Apenas no momento em que o filme revelar sua identidade, seu nome ou sua relação com os outros personagens é que a AD terá o direito de fazê-lo. Antes disso, será preciso descrevê-la usando alguma de suas características ou apenas como “uma mulher”. Caberá ao audiodescritor encontrar a designação mais adequada: menina, moça, jovem, mulher, senhora, etc. Relativizações dessa regra talvez possam ser admitidas em séries de TV, seriados ou telenovelas, nos quais os personagens se repetem e são previamente conhecidos pelos espectadores. Outro aspecto do trabalho que exige grande sutileza do audiodescritor, dessa vez, especificamente daquele que coloca a voz na AD, é o que se refere à neutralidade da voz e sua relação com o tom a ser utilizado. Cada filme, ou, mais precisamente, cada cena de um filme, tem um ritmo específico, uma atmosfera que contém um complexo de sentidos e emoções. Esse ritmo e essa atmosfera devem ser rigorosamente respeitados e acompanhados pelo tom da AD. Ela deve ser sempre neutra, não se sobrepondo ao filme nem jamais competindo com ele, mas tal neutralidade não pode ser confundida com uma fala robótica, sem intenção ou sem pontuação. Se a AD tiver a entonação de uma típica gravação de números isolados, em que não há relação de entonação entre eles, não haverá modo de o espectador aderir à emoção do filme. Nesse caso de equívoco crasso, a AD, pretendendo neutralidade, acabará por chamar mais a atenção por sua artificialidade. Por outro lado, é importante lembrar que não é a AD que produz a emoção do filme, mas sim o próprio filme, com suas características originais, sua trama, diálogos, música e ruídos. O ponto de equilíbrio da cadência e do tom da voz da AD sem dúvida é delicado, e sua busca deve ser pautada pela exigência de neutralidade, porém, necessariamente imbuída da atmosfera da cena. Dessa forma, a AD pode ser neutra e, ao mesmo tempo, conter alegria, ironia, ou ainda tristeza, ou mesmo medo, mas sempre com tamanha sutileza que ela se integre ao filme sem ser percebida. Talvez essa seja uma forma de enunciar a meta maior da AD: mesmo sendo imprescindível, ter uma forma tão natural e integrada à obra, que se torne quase imperceptível. Não falo da invisibilidade do audiodescritor, de sua tarefa, ou dessa tecnologia assistiva, falo comparativamente da perfeição de uma tradução que se parece com um texto original, ou seja, que faz esquecer que houve uma transposição entre línguas e um violento jogo de negociação de prioridades. Falo de um filme assistido com o recurso da AD, que parece ter sido realmente visto pelo espectador cego, quando sua experiência foi a de recriar em seu imaginário todas as imagens descritas. A AD deve ser imperceptível em sua concretude, para que aquilo que ela cria, a imagem verbalizada para ser imaginada, isto sim, seja percebido como o complemento perfeito do filme. As perspectivas do Blind Tube Com seu conceito basilar de integração e acessibilidade para todos, a vocação natural do Blind Tube é a internacionalização. Assim ele foi pensado desde o primeiro momento e assim faremos quando obtivermos o apoio necessário para implementar as novas áreas em língua estrangeira, inicialmente inglês e espanhol. Para tanto, aproveitando nossa experiência na produção de AD intercalada com Voice Over em filmes estrangeiros, faremos as seguintes expansões na exibição dos filmes: nos filmes brasileiros, colocaremos AD e CC em língua inglesa e espanhola, para que o público desses idiomas possa assistir aos nossos filmes. E, para atender aos interesses do nosso público brasileiro, convidaremos filmes de língua inglesa para constar no site, e neles colocaremos AD e CC em português (e também em espanhol e em sua própria língua original), e assim por diante com os filmes em língua espanhola, cruzando todas as combinações. Dessa forma, o entretenimento proporcionado pela exibição de filmes será enriquecido pelos acervos de outras nacionalidades, o que sem dúvida será fonte de uma ampliação de horizontes e de quebra de barreiras para todos, tanto as da acessibilidade quanto as culturais. A Primeira Audiodescrição na Propaganda da TV Brasileira: Natura Naturé Um Banho de Acessibilidade Mauricio Santana* Propaganda para todos A propaganda brasileira é considerada hoje umas das melhores do mundo. Esta constatação, já declarada pelos mais renomados profissionais da publicidade e propaganda, pode ser comprovada pelos vários prêmios que os publicitários brasileiros têm conquistado em todo mundo, principalmente, no Festival de Publicidade de Cannes, na França, o maior e mais importante prêmio da propaganda mundial. Pois bem, se a qualidade de nossa propaganda é um fator já comprovado, podemos sugerir então que, em grande parte, pode ser por isso que todo brasileiro é muito provocado, inquietado, instigado e atraído, pelo que é mostrado no comercial de televisão, ilustrado por suas imagens sedutoras, uma trilha sonora envolvente e ideias criativas. Ideias que despertam o desejo e emocionalmente nos impulsionam para a compra. O que não é nenhuma atitude condenável, não precisa significar uma compra supérflua, pois mesmo os produtos de primeira necessidade, necessitam de divulgação, de promoção e estão disputando o seu espaço no mercado. Mas será que realmente os anunciantes estão atentos a todos os consumidores? Será que as agências de publicidade realmente detectaram, através das inúmeras pesquisas e estudos, todos os consumidores que uma propaganda de televisão pode atingir? Para que possamos entender melhor esta relação da propaganda com seu potencial consumidor, devemos ter muito claro como acontece o processo de comunicação, no seu conceito de ciência social, que, de uma maneira mais simples, existe basicamente pela presença de três agentes: o emissor, a mensagem e o receptor. Estes agentes são base de uma relação de troca, ou seja, a transmissão de ideias entre indivíduos, que carrega em seu contexto uma série de informações do cotidiano como: a palavra, a fala, a imagem, o gesto, a interpretação a partir do repertório de vida de cada indivíduo, e todos os símbolos e signos que aprendemos e conhecemos durante nossa vida, caracterizando, portanto, uma forma de comunicação interpessoal. No universo da comunicação de massa, um quarto agente deve ser considerado dentro do processo comunicacional, que é o meio, ou seja, o caminho por onde esta mensagem vai trafegar. Temos, portanto a presença dos veículos: a televisão, o rádio, os impressos, a internet, entre outros, que têm papel fundamental nesse processo de comunicação de massa, pois é o agente que atua diretamente na distribuição da uma mensagem que foi produzida para este ou aquele público e/ou consumidor. São inúmeros os estudos de comportamento e hábitos dos consumidores, em que a publicidade se baseia para planejar suas estratégias de divulgação e definir quais os principais veículos de comunicação são mais adequados para o target da sua campanha, ou seja, para o público-alvo ao qual um determinado produto é destinado. Mas será que essas campanhas publicitárias e os seus comerciais altamente criativos, produzidos com os mais avançados recursos tecnológicos de vídeo e áudio, imagens digitais, interativas e tantos outros recursos, estão acessíveis para realmente todos os consumidores? Audiodescrição e um novo mercado consumidor Passou da hora das pessoas e empresas que atuam e que produzem conteúdos no campo da comunicação, seja de caráter cultural, acadêmico, de entretenimento ou publicitário, perceber que a acessibilidade na comunicação, é uma realidade e um direito garantido por Lei. Num primeiro momento, através do Decreto nº 5.296/2004, que regula a Lei nº 10.098/2000, em seus artigos 17 a 19, atestando o direito à remoção de barreiras à comunicação para as pessoas com deficiência sensorial (visual ou auditiva). E posteriormente com a Portaria 310, publicada em 27 de junho de 2006 (Diário Oficial da União de 28/07/2006), oficializando a Norma Complementar nº 1 que estabeleceu o cronograma de implantação e os requisitos técnicos para tornar a programação das TVs abertas acessíveis para pessoas com deficiência. Portanto esses direitos devem ser respeitados e cumpridos. No entanto, muito mais que isso, ou melhor, tão importante quanto o que falamos anteriormente, é que a questão da acessibilidade, e neste momento vamos nos limitar a tratar somente da área da produção cultural e audiovisual, que no meu ver, está atrelada a uma proposta de grandeza imensurável – a inclusão sociocultural e a autonomia das pessoas com deficiência sensorial. Todos têm o direito de fazer as próprias escolhas. De assistir ou ouvir este ou aquele programa de televisão ou de rádio, ou até mesmo de ver um bom filme no cinema. De comprar este ou aquele produto anunciado pela propaganda. Pois é, para cerca de aproximadamente 16,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência visual no Brasil (Censo IBGE, 2000) e que também podemos considerar um novo público consumidor, um dos caminhos para a inclusão sociocultural e autonomia no campo da informação e do entretenimento audiovisual é, sem dúvida nenhuma, a audiodescrição . A AD é um recurso de tradução audiovisual, que trabalha com uma relação intersemiótica – transformando imagem em palavras – e se concretiza através da técnica de narração realizada por um audiodescritor-narrador. Pela minha experiência na Iguale (www.iguale.com.br), acho que este profissional deva ser um ator ou atriz, pois essa narração demanda um domínio da linguagem interpretativa, devendo ser uma fala descritiva com o tom de interpretação muito sutil para não concorrer com as falas originais do filme. Baseado num roteiro, o audiodescritor-narrador descreve com o máximo de detalhes e sem julgamento tudo que acontece nas cenas de uma obra audiovisual. Este processo preferencialmente deve acontecer nos espaços oferecidos entre os diálogos dos personagens, respeitando sempre o roteiro original, as intenções de pausas, efeitos, ruídos e trilha sonora. Neste caso, de acordo com a definição proposta, podemos caracterizá-la como uma AD Pré-gravada se esta narração for gravada num estúdio de áudio e posteriormente editada e mixada com o som original do produto audiovisual (filme, filme publicitário, vídeos educativos, institucionais, corporativos, outros). Também pode ser definida como AD Ao Vivo - Roteirizada se o audiodescritor-ator, diferente da primeira opção, estiver narrando, ao vivo, durante a exibição de um filme em película, no caso das salas de cinema, ou de um espetáculo teatral, de dança, uma exposição, ou outras manifestações audiovisuais. Deve-se considerar um terceiro tipo de Audiodescrição, a AD Simultânea, que consiste na narração em tempo real, simultânea ao que está sendo apresentado, porém sem um roteiro elaborado anteriormente. O que podemos sugerir para que a tradução nesse caso aconteça de maneira mais acertada, é levantar um pequeno briefing, ou seja, algumas informações sobre o tema, as pessoas envolvidas e o evento em questão. Em vários países, como Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, a audiodescrição também já é regulamentada e existe, no caso dos EUA desde a década de 70. Espanha, Alemanha, Canadá e outros países, também já adotaram a AD em sua produção audiovisual e programações televisivas. Apesar da audiodescrição ainda ser um recurso muito novo no universo da produção audiovisual brasileira, e ainda passar por alguns “ajustes de rota” devido ao seu ineditismo em algumas áreas, tem ganhado espaço em muitos projetos por todo o país. São inúmeros festivais e mostras de cinema, como a Mostra Cinema e Direitos Humanos da América do Sul , o Assim Vivemos , o Festival Retrospectiva do Cinema Brasileiro, dentre outros, além das sessões especiais de cinema no Cine SESC de São Paulo, peças teatrais no Teatro Vivo e uma série de trabalhos audiovisuais e manifestações culturais espalhados por todo o país, que adotam o recurso da audiodescrição para pessoas com deficiência visual. Também é importante destacar a produção das legendas (Open/Close Caption) e janelas de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para pessoas com deficiência auditiva, permitindo, portanto, o acesso dessas pessoas ao conteúdo cinematográfico, videográfico, teatral, artístico e da comunicação em geral, de maneira autônoma e inclusiva. Um desses importantes espaços conquistados com extremo sucesso pela Audiodescrição e pela Legenda Closed Caption no Brasil está no campo da produção de filmes publicitários para propaganda de TV. Natura Naturé – Um banho de acessibilidade (AD) Desenho de bolhas de sabão escrito: Natura Naturé apresenta... (fala de um garoto) A grande história da água. (AD) Crianças sentadas em roda na beira de um lago... Assim começa o filme publicitário de Natura para lançamento de sua linha infantil Natura Naturé, o primeiro comercial acessível produzido com audiodescrição e Closed Caption simultâneos, a ser veiculado pela TV Brasileira. Domingo, 03 de agosto de 2008. No intervalo do programa Fantástico da Rede Globo, um grupo de crianças sentadas à beira de um lago debate sobre como acontece o fenômeno da chuva e o ciclo da água. São imagens espontâneas de várias crianças numa grande roda falando sobre a água, intercaladas com desenho animado, ilustrando alguns trechos das falas. Uma feliz criação da agência de publicidade Peralta Strawberry Frog de São Paulo, sob o comando de Alexandre Peralta, para uma linha de produtos para crianças de 3 a 7 anos, com o objetivo de estimular a descoberta do mundo e os cuidados com a natureza, de forma divertida, através da água. Segundo o próprio Hot Site da linha , que foi disponibilizado no período da campanha pela internet, “RÉ significa AMIGO em tupi. NATURÉ significa AMIGO DA NATUREZA”, e esta definição do nome tem uma relação muito forte com a proposta, com o conceito da linha infantil. No site ainda divulgam: “Seus produtos, suaves e seguros, com fragrâncias, nomes e texturas inusitados, incentivam, por meio de brincadeiras e da história sobre a água, o cuidado com a natureza de forma lúdica, poética e divertida”. Mas esse primeiro domingo do mês agosto trazia, além da estreia dessa excelente campanha publicitária na TV, uma outra perspectiva para milhares de brasileiros, anunciada dias antes em forma de propaganda em 1/3 de página vertical na Revista Veja (edição de número 30, de 30 de julho de 2008): a primeira oportunidade das pessoas com deficiência visual acompanharem de forma autônoma uma peça audiovisual pela sua televisão, apenas acionando a tecla SAP no controle remoto de seu televisor. Estava no ar, a primeira transmissão de audiodescrição da TV Brasileira – O filme publicitário de 60 segundos de duração, com produção de audiodescrição realizada pela Iguale – Comunicação de Acessibilidade, para o comercial de lançamento da Natura para a linha Natura Naturé, criado pela Peralta Strawberry Frog, como já mencionamos acima. Esse momento foi, sem dúvida nenhuma, muito emocionante para nós, do ponto de vista da realização profissional, da nova e bem sucedida experiência no campo da propaganda. Mas foi muito mais intenso, e acredito que muito mais importante, quando refletimos e elencamos as inúmeras possibilidades e caminhos que este pequeno filme, com um minuto de duração, estava proporcionando para a audiodescrição brasileira e, consequentemente, para as pessoas com deficiência visual. O processo de produção A produção da audiodescrição para o filme publicitário, ou comercial de TV, obedece praticamente às mesmas etapas de produção de audiodescrição para um curta, um média, um longa metragem, um seriado, um programa de televisão e, até mesmo, um vídeo institucional ou corporativo. Partindo do princípio de que a AD é sempre produzida a partir de um filme finalizado, um filme pronto, primeiramente fazemos o que podemos chamar de decupagem desse material. O conceito de decupagem na produção cinematográfica ou televisiva pode ter diferentes definições. - A decupagem como técnica de direção, ou seja, utilizada para definir planos de filmagem a partir do roteiro original. De acordo com Daniel Filho (2001), decupar as cenas do script é fazer um script de filmagem ou plano de filmagem (shooting script). Ou seja, é esmiuçar cada cena e cada plano, indicando como serão gravados. O corte de plano, a determinação do que será close, plano geral ou panorâmica deve funcionar organicamente. O autor ainda completa: “Nós, na vida cotidiana enquanto olhamos o que nos cerca, “decupamos organicamente”. Olhamos o que queremos, fazemos “um filme” do que está acontecendo. Até fechamos os olhos quando não queremos olhar. Isso é decupagem, ou seja, determinar como vamos olhar cada cena.” - A decupagem para edição, como forma de “escolha” de partes de um determinado material gravado, que chamamos de material bruto, e que serão posteriormente unidas numa edição para formar um todo – o filme. - A decupagem como forma de “divisão”, ou seja, aquela feita a partir do filme editado, finalizado, em que iremos dividir, separar, todas as informações que precisamos para entender o filme, seu ritmo, seu enredo, enfim, todas as características que julgarmos importantes para esse primeiro reconhecimento. No caso do nosso trabalho com a audiodescrição, é esse terceiro exemplo de decupagem que utilizamos, e que podemos considerar como a primeira etapa de produção de AD, portanto, costumamos nomeá-la de “Decupagem para AD”. Nesta primeira etapa devemos: - Assistir ao filme na íntegra no mínimo uma vez; - Elencar os personagens – seus nomes e características principais; - Detectar no filme seu “tempo e espaço”, ou seja, quando e onde acontece a história. Um filme pode conter diferentes passagens de “tempo e espaço”. - Mapear o que é imprescindível se audiodecrever, o que tem relevância para o melhor entendimento da mensagem, e o que pode, caso precisemos, ser cortado em termos de descrição. A segunda etapa desse processo de produção da AD é a que chamamos de “Marcação de Cena”. Nesta etapa devemos: - Detectar os espaços entre os diálogos, pausas, silêncios e pontos importantes que o filme nos apresenta para inserção da AD. Normalmente usamos como referência para este trabalho, o Time Code ou as “deixas”, que são os inícios e finais das falas dos atores/personagens; Esses dois levantamentos iniciais são importantíssimos para que o audiodescritor-roteirista possa definir melhor, o que e como descrever em determinada cena de um filme ou de uma propaganda. O Roteiro de audiodescrição é a nossa terceira etapa. Aqui definimos e criamos o conteúdo descritivo do filme, o texto da audiodescrição, cena por cena, de acordo com as informações que apuramos e a marcação que foi estabelecida nas etapas anteriores. É importante respeitar integralmente a obra original, tomando cuidado para não fazer suposições nem antecipar alguma situação ou informação que ainda não foi apresentada concretamente pelo filme. Abaixo um exemplo de roteiro de AD para o filme publicitário de Natura Naturé, criado e produzido pela Iguale Comunicação de Acessibilidade . Roteiro de Audiodescrição Agência: Peralta Strawberry Frog Cliente: Natura Produto: Natura Naturé Título: A Grande História da Água Tempo: 60” Acessibilidade: Iguale Comunicação de Acessibilidade Audiodescritor-roteirista: Mauricio Santana Audiodescritor-narrador: Leonardo Rossi TC IN: 00.00 / OUT: 00.04 DESENHO DE BOLHAS DE SABÃO ESCRITO: NATURA NATURÉ... APRESENTA... TC IN: 00.05 / OUT: 00.02 CRIANÇAS SENTADAS EM RODA NA BEIRA DE UM LAGO TC IN: 00.03 / OUT: 00.00 DESENHO ANIMADO DE GOTAS DE CHUVA CAINDO. TC IN: 00.24 / OUT: 00.29 DESENHO DE GOTINHAS DE ÁGUA EVAPORANDO E FORMANDO NUVENS NO CÉU TC IN: 00.30 / OUT: 35 DESENHO DA ÁGUA PASSANDO POR VÁRIOS ENCANAMENTOS SUBTERRÂNEOS E CHEGANDO ÀS CASAS TC IN: 00.42 / OUT: 00.49 SEQUÊNCIA DE CENAS DE VÁRIAS CRIANÇAS FELIZES TOMANDO BANHO COM NATURA NATURÉ TC IN: 00.51 / OUT: 00.56 EMBALAGENS COLORIDAS DA LINHA NATURÉ NA BORDA DE UMA BANHEIRA BRANCA CHEIA DE ESPUMA TC IN: 00.59 / OUT: 01.00 MARCA NATURA Devemos lembrar que o roteiro, muitas vezes é adaptado no momento da gravação. Os principais motivos são a questão do tempo, que podemos optar por reduzir texto para ter um melhor encaixe no espaço oferecido entre as falas, como aconteceu com o roteiro acima exemplificado. Se assistirem ao comercial, vão perceber que algumas palavras foram suprimidas, porém sem comprometer o entendimento, o que é fundamental. Outro motivo de adaptação é por opção fonética, ou seja, trocamos uma palavra ou alteramos a frase, sem alterar o sentido, por outra que soe melhor aos nossos ouvidos. A Gravação da AD é a quarta etapa do processo, e a dividimos em duas partes: - Pré-Produção – selecionamos a voz que mais se adequar ao filme. É sempre interessante contrapor a voz, ou seja, no caso de um filme com predominância de voz feminina, a narração deve feita por um ator, e vice-versa. Para o comercial de Natura Naturé, selecionamos a voz do ator e audiodescritor-narrador Leonardo Rossi, considerando que o filme tinha uma grande quantidade de vozes infantis. Já no segundo comercial, também de Natura, porém para a linha Mamãe e Bebê , como tinha um locutor de voz grave durante praticamente os 30 segundos do filme, escalamos a atriz e audiodescritora-narradora Nelma Nunes, para que a audiodescrição ficasse mais clara, mais marcada. - Produção – momento da gravação das falas da audiodescrição – realizada em um estúdio devidamente projetado com tratamento acústico e isolamento de sons externos. Acompanhado de um diretor e um técnico de estúdio, o audiodescritor-narrador grava suas falas, acompanhando o filme por um monitor de vídeo e com o som original transmitido para o seu fone de ouvido. É um processo muito parecido com o da dublagem, gravado através de um software que integra recursos de áudio e vídeo. Tratamento, Mixagem e Finalização são os trabalhos que constituem a última etapa do processo de produção de uma audiodescrição. - Tratamento de Áudio é o trabalho de “limpar” o som, tirando, por exemplo, sons e respirações indesejáveis que, por ventura, foram captados no momento da narração. - Mixagem – termo designado para a etapa em que juntamos, misturamos, o som original do filme com a narração descritiva que gravamos. No trabalho de Natura Naturé, recebemos o áudio full do comercial da produtora de áudio contratada para o filme e unimos com a audiodescrição produzida e posteriormente “tratada”, numa nova banda de áudio. - Finalização – momento em que destinamos o trabalho de AD já tratado e mixado para o formato de mídia solicitado. No caso desse nosso comercial, finalizamos em Beta Digital, com a banda sonora da AD (mono) inserida no canal 3, que é o canal de áudio que a emissora no momento da exibição, destina para o Programa Secundário de Áudio (SAP), o qual, para produtos nacionais, está sempre “vazio”, disponível. O panorama atual e perspectivas da AD na Propaganda Depois da veiculação dos comercias de 30 e 60 segundos da linha Natura Naturé, no segundo semestre de 2008, outros comerciais também da Natura, solicitaram nosso trabalho. Foi o que ocorreu com o filme para a linha Mamãe e Bebê, já mencionado anteriormente. Este também teve uma ótima repercussão, pois além da questão inclusiva, adotando os recursos de audiodescrição e closed caption, o comercial apresentava uma jovem mamãe grávida, um bom texto e o som de dois corações pulsando, o que certamente emocionou e atraiu a atenção de um grande público em abril/maio de 2009. Depois vieram os filmes do perfume Kaiak em setembro/outubro do mesmo ano, para o público masculino adulto e, mais recentemente, em fevereiro de 2010, o comercial para o produto Banho de Gato – lencinhos de limpeza, também da linha Naturé. Neste meio tempo, temos a veiculação de mais dois comerciais acessíveis: o filme Iguais na Diferença, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e um outro comercial da Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência (AVAPE). Diferentemente do Closed Caption, que há anos vem sendo utilizado por muitas emissoras em todo país e hoje se encontra presente nos telejornais, novelas, seriados e também numa quantidade digamos interessante no segmento publicitário, a audiodescrição em todas as áreas do audiovisual ainda é um recurso muito novo e pouco utilizado. Na propaganda não é diferente, mas certamente será daqui a algum tempo, pois é o que tem acontecido em outras áreas, como o cinema e o teatro: a divulgação e implantação da audiodescrição em inúmeros projetos só tem aumentado. Natura é hoje um dos melhores exemplos de comunicação inovadora e responsável, e é por essas atitudes pioneiras, inclusivas e de respeito ao consumidor que essa empresa é vista como uma das melhores do país. Os anunciantes e as agências certamente ficarão atentos a essa nova possibilidade de mostrar e vender seus produtos para um novo mercado, um novo público. A competitividade é muito acirrada e cada nova fatia conquistada, significa muito dentro dessa disputa. Aproximadamente 16,5 milhões de pessoas. Consumidores, sim senhor. Referências bibliográficas FILHO, Daniel. O Circo Eletrônico – Fazendo TV no Brasil. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2001. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2000. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2008. O SIGNO DA CIDADE 1ª sessão da história do cinema nacional em que surdos e cegos assistiram a um filme do circuito comercial em sua estreia no cinema Rodrigo Campos* Meu fascínio e vontade de realizar um trabalho na área da audiodescrição, despertados pela disciplina Tradução Audiovisual do curso de Tradução da UFMG, ganharam força durante a eletiva que realizei em outubro de 2007, quando conheci a colega de curso Leise Abreu. Numa de nossas conversas, surgiu a ideia de buscar um filme que estivesse em fase de finalização, para que tivéssemos tempo de fazer a audiodescrição e a legendagem, com o propósito de que cegos e surdos também pudessem estar presentes na estreia do filme. Aliaram-se ao nosso inusitado desafio a também aluna da eletiva, Renise Santos e minha amiga do curso de especialização em tradução, Cíntia Araújo. Naquela ocasião, li um artigo no jornal falando a respeito do filme O Signo da Cidade, que estava no ponto de produção em que precisávamos para realizar nosso projeto. Entrei em contato com a produtora do filme, a Pulsar Cinema, e acabei descobrindo que a própria Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli eram os produtores, donos do filme. Solicitei-lhes, então, nosso pedido de autorização para a realização da audiodescrição e legendagem para os surdos, o que nos foi prontamente atendido. Ambos, desde o princípio, foram receptivos e se empolgaram com o projeto. Na semana seguinte ao contato, já estávamos de posse do material a ser trabalhado. O filme nos foi enviado em cópia VHS, e nosso primeiro trabalho foi digitalizá- lo para que pudéssemos abrir o vídeo no programa que usaríamos para fazer a legendagem. Porém, ao digitalizar o vídeo, o sistema dividiu o filme em duas partes, gerando um arquivo de cinquenta e oito minutos e outro de quarenta minutos. Essa divisão viria a complicar nossa vida na hora da autoração do DVD, pois como havia dois arquivos de vídeo distintos, o tempo referente à legendagem também ficou dividido, ou seja, não houve a sequência do tempo total do filme. Para a legendagem utilizamos o programa Subtitle Workshop, mesmo programa que havíamos utilizado durante o curso. Trata-se de um programa extremamente útil, pois existem ferramentas que auxiliam na correção final da legenda e permite salvar o arquivo em variados formatos, possibilitando assim, que a legenda possa ser aberta em diferentes programas de autoração de DVD. É também de fácil manuseio e pode ser baixado na internet gratuitamente. Dividimos o tempo do filme em quatro e cada um do grupo legendou uma fração de tempo, de forma que terminada uma parte, enviar-se-ia o arquivo para o próximo do grupo, mantendo-se assim a sequência quanto a marcação de tempo. Esse método de trabalho também proporcionou um ganho de tempo considerável, posto que o tempo de filme para cada integrante ficou em torno de vinte e poucos minutos. Como havíamos sido todos, alunos do mesmo curso e detentores do mesmo parâmetro de trabalho, não houve problemas de afinação entre as legendas. Claro que foram necessários alguns ajustes, mas ficou comprovado que esta forma de trabalho agilizou muito o tempo de sua realização. O fato de termos, primeiramente, legendado o filme (e quem legenda sabe que o legendista se torna profundamente íntimo do filme, pois o assiste quadro a quadro) nos favoreceu muito o trabalho da audiodescrição. Audiodescrever, contudo, é um trabalho muito mais complexo, pois na legendagem, fazemos a adaptação de um texto que já existe, enquanto que na audiodescrição é necessário criar um novo texto, seguindo inúmeras especificidades tais como a escolha e adequação das palavras descritivas e o emprego de estruturas sintáticas mais concisas. Optamos pelo mesmo método de trabalho, ficando cada um responsável pela audiodescrição da parte que havia legendado. A diferença foi que fizemos a audiodescrição ao mesmo tempo, sem ter sido necessária a parte do outro estar pronta para dar sequência. Este fato nos levou a alguns desacertos na apresentação dos personagens, pois não sabíamos se o colega já havia apresentado o personagem pelo nome ou não. Foram necessárias, também, alterações quanto às escolhas lexicais de forma a homogeneizar o texto e deixá-lo o mais próximo possível das estruturas linguísticas presentes no roteiro do filme. Corrigidos esses desencontros no momento da revisão, que ficou a cargo de dois membros do grupo, pudemos perceber que no geral, o método da divisão continuou eficaz. Havíamos trabalhado na mesma linha de descrição. Roteiro pronto, convidamos um cego para que pudesse acompanhar o filme, tendo sido a audiodescrição realizada ao vivo, ou seja, sem a existência de gravação. Em determinado momento, nosso convidado lembrou-nos de que ele não era surdo e sim cego, ou seja, percebemos que em alguns pontos, havíamos pecado pelo excesso de descrição. No geral, esse excesso referia-se às mudanças de cena. Como (para se evitar a sobreposição da audiodescrição à fala do personagem), em determinadas trocas de cenas a identificação do novo cenário não era feito no momento exato da troca, temíamos que essa informação tardia não levasse o cego a percebê-la. Contudo, nosso convidado tranquilizou-nos dizendo que a mudança de cena era facilmente percebida porque o próprio som do novo ambiente dava pistas de ter havido tal mudança. Feito os novos ajustes ao roteiro, partimos para a gravação no estúdio. Por ser nosso trabalho uma ação voluntária, desprovida de patrocínio para que pudéssemos contratar um locutor profissional, e como tínhamos o objetivo de executar todas as etapas da audiodescrição, a narração acabou sendo feita por mim. Levou aproximadamente duas horas para gravar todo filme e para a gravação foi utilizado o programa Adobe Audition. De posse do arquivo da legenda e do arquivo de áudio, procuramos uma produtora para que pudesse mixá-los ao filme, processo este chamado de autoração de DVD. Tivemos a infelicidade de descobrir que, ao ser convertido para outro programa, o arquivo da legenda não ficou fiel ao gerado pelo Subtitle Workshop. Ou seja, toda a preocupação que tivemos com a marcação das legendas, de deixá-las o máximo de tempo possível na tela, para que pudessem favorecer uma leitura mais confortável pelo público, havia sido, em parte, em vão. “Coladas” ao filme, elas estavam visivelmente mais rápidas do que havíamos demarcado. Outro problema que dificultou esse ajuste foi o fato de termos dois arquivos distintos de legenda, como já dito, devido ao filme ter sido dividido em duas partes, no processo da digitalização. Enfim, muito a contragosto, fugiu da nossa alçada trabalhar esses aspectos, posto que não tínhamos prática nem acesso ao programa utilizado pela produtora responsável pela autoração do DVD. Na verdade, a prática no uso de ferramentas de edição são de competência dos profissionais de Rádio e TV, mas como tínhamos o intuito de executar todas as etapas, não pudemos deixar de lamentar esse pequeno problema técnico. Quanto ao arquivo de áudio, por ser ele único, portanto sequencial, não nos trouxe problemas na hora da “colagem”. DVD pronto, encaminhamos uma cópia para apreciação de seus produtores e aguardamos pela estreia nos cinemas, em Minas Gerais. Como o filme estava sendo lançado praça a praça, ele só chegou a Belo Horizonte no dia 08 de junho de 2008, data esta, comprovadamente, a primeira vez na história do cinema nacional em que cegos e surdos puderam assistir a um filme do circuito comercial em sua estreia no cinema. A sessão audiodescrita e legendada, aberta ao público em geral, aconteceu no Espaço Usiminas Belas Artes em Belo Horizonte e, depois, viajou para diversas capitais, dentre elas São Paulo, Salvador, Fortaleza e inúmeras outras cidades do interior do país. Recentemente o DVD O Signo da Cidade foi lançado no mercado comercial, tornando-se oficialmente o 3º DVD no país a disponibilizar o recurso da audiodescrição, tendo sido precedido pelo DVD Irmãos de Fé, 1º no país, e o DVD Ensaio sobre a Cegueira, 2º oficial, sendo este último, também um trabalho que ajudei a realizar. Audiodescrição para quem não vê Legendagem para quem não ouve Em 10 de julho de 2008, empolgados pelo trabalho em O Signo da Cidade, e reforçados com a entrada da audiodescritora Edna Morato ao grupo, resolvemos criar em Minas Gerais, a Midiace – Associação Mídia Acessível, primeira associação de audiodescritores do país. Nosso intuito foi fomentar a produção audiodescrita e legendada, bem como, dar continuidade às pesquisas de recepção de nosso trabalho acadêmico em prol de se criar um modelo brasileiro de audiodescrição. Realizamos um intensivo intercâmbio de trabalhos entre as três universidades (UFMG, UECE e UFBA). Nesse período, foram audiodescritos, pelos grupos, os longas-metragens abaixo creditados: Alex Rider (Alex Rider Contra o Tempo) Audiodescrição: Daniele Gaudêncio e Rodrigo Campos Revisão AD: Eliana Franco Blindness (Ensaio Sobre a Cegueira) Audiodescrição: Daniela César, Patrícia Freitas e Rodrigo Campos Revisão AD: Avany Lima, Eliana Franco e Íris Fortunato. Paycheck (O Pagamento) Audiodescrição: Íris Fortunato e Paula Dutra Revisão AD: Eliana Franco Shark Tale (O Espanta Tubarões) Audiodescrição: Iracema Vilaronga e Renata Mascarenhas Revisão AD: Eliana Franco Spy Kids 3-D (Pequenos Espiões 3-D) Audiodescrição: Equipe de Fortaleza Revisão AD: Vera Santiago Outro trabalho, fruto desse intercâmbio e que contou com o apoio da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, foi a produção do vídeo que abriu o Primeiro Encontro Nacional de Audiodescritores, acontecido em outubro de 2008 em São Paulo. Nele, Lucélia Santos, atriz convidada para a realização do vídeo, descreve todos os aspectos da produção de uma audiodescrição e legendagem para surdos. Além desse vídeo, foi criada a Campanha Nacional pela Audiodescrição nos Cinemas, a cuja iniciativa dão apoio artistas de renome nacional, como Marcos Frota, Reynaldo Giannechini, Cazé Peçanha, e a própria Lucélia Santos. Em julho de 2009, a parceria da Midiace com o grupo da Bahia e Fortaleza é desfeita, com o intuito de favorecer aos referidos grupos, a realização de projetos vinculados às leis de incentivo à cultura dentro de seus respectivos estados. Sugestões para futuros audiodescritores A audiodescrição é, sem sombra de dúvidas, um mercado de trabalho cujo potencial é riquíssimo, tanto para os audiodescritores roteiristas e narradores, quanto para as próprias pessoas com deficiência visual, que são os mais adequados para trabalharem como consultores de obras audiodescritas. Enquanto a demanda de audiodescrição estiver reprimida pela falta de implementação do decreto, seguem as sugestões para quem quer estar no mercado de trabalho: 1. Mesmo se você tiver interesse em ser apenas audiodescritor narrador, não basta apenas conhecer as técnicas de locução. O conhecimento sobre o que é audiodescrição e o conhecimento sobre o público ao qual se destina é de suma importância. Feito o curso, aconselha-se bater nas portas das grandes dubladoras, posto que além de abrir seu leque de opções (lembre-se que a audiodescrição ainda não se concretizou na cultura do país) é certamente o profissional que as televisões buscarão para a realização deste trabalho, a exemplo da Rede Globo de Televisão que contratou os serviços da Dublavídeo de São Paulo, a título de experiência, para a realização das audiodescrições dos filmes Alex Rider Contra o Tempo, Espiões 3-D, O Espanta Tubarões e O Pagamento (cujos roteiros foram realizados pelos grupos da UFMG, UFBA e UECE). Ao que o mercado indica, as empresas de dublagem contratarão audiodescritores roteiristas (ou terceirizarão o serviço junto a alguma empresa que se dedique exclusivamente a isto) para fazerem o roteiro e darão o trabalho de locução a seus próprios dubladores. A busca das emissoras de tevê pelas empresas de dublagem deve-se ao fato de as dubladoras terem profissionais da locução altamente qualificados e equipamentos sofisticados que garantirão a qualidade do produto, englobando, em um mesmo pacote, a narração e a mixagem. Isto, no entanto, em se tratando de audiodescrições de filmes, posto que, para a realização da audiodescrição de programas da própria casa, as emissoras provavelmente contratarão audiodescritores roteiristas e narradores, de modo a tê-los a sua inteira disposição. Tal demanda será necessária para que as tevês não venham a ter eventuais problemas de atraso por parte de empresas terceirizadas e tenham suas grades de programação prejudicadas. 2. Para os interessados em trabalhar como audiodescritores roteiristas, o primeiro passo é buscar uma certificação acadêmica em Letras, posto que a audiodescrição é uma das modalidades da tradução audiovisual e a tradução audiovisual, uma das disciplinas do curso de Tradução, que por sua vez, faz parte do currículo de Letras. Tal certificação pode ser obtida também em nível de especialização, o que é sugerido aos profissionais do Cinema, Jornalismo, Rádio e TV. Vale dizer, contudo, que apenas o fato de estar respirando os ares acadêmicos é pouco para quem busca trabalhar com audiodescrição. Participar dos fóruns nacionais e internacionais existentes na internet e também dos congressos da área possibilita um ganho de experiência muito grande. Como na área da audiodescrição é tudo relativamente muito novo, as diretrizes ainda estão sendo construídas e a troca de experiência entre os audiodescritores é muito importante. Um ótimo local para cadastrar seu currículo são os sites das próprias emissoras de tevê. Como já foi dito, assim que o decreto se fizer valer, as tevês serão uma fonte eterna de trabalho. Assim que a cultura da audiodescrição se fortalecer, outras fontes de trabalho serão o mercado publicitário e a própria indústria cinematográfica. Como, nesta última, quem dá a palavra final em tudo é o diretor, a audiodescrição certamente passará pelo seu crivo e, portanto, o audiodescritor roteirista e narrador terão de ser contratados já na etapa da produção do filme. 3. Para os audiodescritores ávidos por uma maior independência, sugere-se a realização de projetos junto às leis de incentivo à cultura. Tal meta torna-se mais palpável se o proponente for uma associação cultural sem fins lucrativos. Portanto, se você ainda não tem uma associação, constitua uma. Elas estão aptas a receberem patrocínio nas esferas municipal, estadual e federal. Os fundos estaduais de cultura geralmente abrem prazo de inscrição uma vez por ano. Já na esfera federal, para recursos junto à lei Roaunet, não há data limite de inscrição, estando aberta para recebimento de projetos durante todo o ano. Vale lembrar que a audiodescrição não se restringe apenas à tevê e ao cinema. Todos os espetáculos em geral, mostras de museus, exibições de arte, são passíveis de audiodescrição; portanto, estão à espera de que um audiodescritor lhes ofereça seus serviços. Bibliografia acadêmica acerca da Audiodescrição e LFS Aos interessados nos estudos sobre AD e LFS, segue resumo da bibliografia vista nos cursos acadêmicos, cujas bases estão nas reflexões sobre aspectos teóricos e práticos a respeito da LFS e AD. LEGENDAGEM ARAÚJO, V.L.S. Closed subtitling in Brazil. In ORERO, P. (ed.) Topics in audiovisual translation. Amsterdã: John Benjamins, 2004, p. 199-212. ARAÚJO, V.L.S.; FRANCO, E. P. C. Reading television. Checking deaf people’s reaction to closed captioning. Fortaleza, Brazil, The translator, Manchester (Inglaterra), v. 9, n. 2, p. 249-267, 2003. DIAZ CINTAS, J.; REMAEL, A.; ORERO, P. (org.) Media For all. Subtitling for the Deaf, Audiodescription and Sign Language. Amsterdam/New York: Rodopi, 2007. FRANCO, E.P.C.; ARAÚJO, V.L.S. (org.) TRADTERM, número 13, 2007. GAMBIER, Y. (ed.). Screen Translation. The Translator. Volume 9, Número 2, p. 249-267, 2003. NEVES, J. Vozes que veem. Guia de legendagem para surdos. Leiria: Universidade de Aveiro, 2007. AUDIODESCRIÇÃO BENECKE, B. Audio-description. Gambier, Y. (ed.) Meta. Volume 49, no. 1, p. 78-80, abril de 2004. DIAZ CINTAS, J.; REMAEL, A.; ORERO, P. (org.) Media For all. Subtitling for the Deaf, Audiodescription and Sign Language. Amsterdam/New York: Rodopi, 2007. FRANCO, E.P.C. Legenda e áudio-descrição na televisão garantem a acessibilidade a deficientes. Ciência e Cultura. Revista da SBPC, online, v. 58, n. 1, p. 12-13, 2006. FRANCO, E.P.C.; ARAÚJO, V.L.S. (org.) TRADTERM. Volume especial em tradução audiovisual. 1a. Ed. São Paulo: Humanitas, 2007. v. 13. 295 p. HURTADO, C. J. Traducción y acessibilidade. In: ______ Subtitulación para sordos y audiodescripción para ciegos: nuevas modalidades de TAV. Frankfurt: Peter Lang, 2007. Ponto de Cultura Cinema em Palavras – a filosofia no projeto de inclusão social e digital Bell Machado* Minha incursão ao trabalho desenvolvido com cinema e filosofia na audiodescrição de filmes deu-se por meio do curso de filosofia, na Unicamp, em 1999, quando estudei a Carta sobre os Cegos , escrita no século XVIII pelo filósofo francês Denis Diderot. A Carta sobre os Cegos impressionou-me e me encantou de tal maneira que, nos 10 anos seguintes, meu trabalho e estudos versariam sobre questões referentes à maneira pela qual o homem constrói seu conhecimento por meio dos sentidos, e ao modo como a pessoa cega ou com deficiência visual elabora o juízo de suas percepções. Em 2000, fui convidada pela então coordenadora técnica do Centro Cultural Louis Braille de Campinas, Eduarda Leme, para fazer o “Cinema Narrado” – atualmente o que se denomina audiodescrição , prática que ela já desenvolvia há alguns anos – para pessoas com deficiência visual e cegueira. Esse recurso de acessibilidade permite-nos auxiliar a pessoa com deficiência visual a melhor compreender a narrativa e o enredo por meio de descrições orais das cenas dos filmes. Como professora de história do cinema, achei estimulante, pois seria um modo de – ao mesmo tempo – desconstruir e roteirizar oralmente cada plano- sequência, no sentido de descrever o cenário, as pessoas e suas expressões, o vestuário, os movimentos de câmera, os deslocamentos espaciais e temporais, enfim, toda a estrutura de um filme, e o mais desafiador ainda: fazer tudo isso ao vivo, no momento da exibição do filme (na época não tínhamos recursos para realizar a audiodescrição gravada). A escolha dos filmes era feita a partir de temas, país, gênero ou simplesmente pelo interesse em um determinado filme ao qual as PcDV não teriam condições de assistir no cinema. A falta de condições refere-se ao fato de que a maioria dos filmes dessa seleção era de produção europeia, asiática, iraniana, enfim, não tinha sido exibida com dublagem nos cinemas, com o agravante de ser dificilmente encontrada nas locadoras. A formação desse novo público espectador foi um grande desafio para o Ponto de Cultura, pois, na época, muitos usuários do Centro Cultural Braille não tinham o hábito de assistir a filmes – nem mesmo na televisão – e, assim sendo, não participavam das sessões anteriores de audiodescrição de filmes. Tal comportamento revela o quanto a ausência da AD na televisão brasileira leva muitas pessoas com DV a uma situação de exclusão cultural e social. A maneira pela qual os filmes foram apresentados, audiodescritos e debatidos foi um fator determinante, tanto para desmistificar a ideia de que filmes não são para as PcDV, quanto para despertar nessas pessoas o interesse e a adesão às atividades. A partir do aumento do número de pessoas presentes às sessões com AD, constatamos que a falta de oportunidade e acessibilidade aos bens culturais não permite ao indivíduo sequer conhecer suas potencialidades, o que pode levá-lo a uma vida segregada e excluída da sociedade. A audiodescrição no Ponto de Cultura Cinema em Palavras Na prática da AD, o audiodescritor deve tentar ser o mais neutro possível, para possibilitar que a pessoa com deficiência visual possa formar a sua própria opinião a respeito de determinado filme. Não se pode, porém, ignorar o fato de que é por meio do complexo sentido da visão do audiodescritor que esse novo tipo de espectador irá dar significado à sua percepção. Não é o olhar que engana, mas o juízo que se faz das percepções, que vêm por meio dos sentidos. Faço dessa reflexão meu objeto de estudo: uma investigação sobre a maneira pela qual um indivíduo constrói seu conhecimento por meio dos sentidos. Devemos então, tentar fornecer, isentos das impressões pessoais, elementos visuais que ajudem a PcDV a obter uma melhor compreensão do filme. Na área do cinema, um dos maiores críticos franceses, André Bazin (1991, p. 6), afirma que “a função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o leem, o impacto da obra de arte”. O importante não é julgar o filme, mas dar elementos para que o espectador possa avaliá-lo. Assim, uma nova questão se levanta: a da forma e do conteúdo. Quando discorro sobre um conteúdo, o faço utilizando-me necessariamente de uma forma. Assim como não há conteúdo sem forma, não há descrição sem um ponto de vista qualquer que seja. Evidentemente, a AD colabora para que as PcDV se reconheçam em uma obra cinematográfica, assim como um crítico, ao fazer a leitura de um filme, pode revelar ao próprio diretor aspectos desconhecidos. O cineasta Luis Buñuel comentou certa vez sobre o crítico Andre Bazin: “Bazin revelou-me certos aspectos de minha obra que eu mesmo ignorava”. (BAZIN, 1991, contracapa) Nesse sentido, considero a audiodescrição como uma forma de leitura reveladora que evoca em seu público uma multiplicidade de sensações e sentimentos capaz de gerar uma revolução sensitiva muito necessária para a formação do gosto cinematográfico. Certamente não é somente o audiodescritor e seu modo de traduzir as imagens que influenciarão a PcDV, mas a própria linguagem da AD que, por si só, revoluciona os sentidos. São frequentes os depoimentos de PcDV afirmando que, depois de assistirem um filme com AD, não querem mais vê-lo sem ela. Na área em que atuo – a da história e teoria do cinema – é frequente analisarmos, dentre outras coisas, a maneira pela qual um diretor constrói e representa uma ideia por meio de uma sequência fílmica. O modo como um diretor mostra determinada cena não será necessariamente o modo como o espectador irá enxergá-la. Do mesmo modo, durante a AD da cena, a PcDV também fará, por sua vez, uma leitura própria da descrição ouvida. Poderíamos chamar esta descrição, em última instância, de interpretação? Certamente. Como exemplo, cito a AD de uma sequência: uma mulher chora no alto de uma montanha. O vento sopra em seus cabelos. Ela está vestida com uma roupa branca que contrasta com o fundo escuro de um céu carregado de nuvens cinza. A câmera está fixa um pouco abaixo da mulher. Essa mesma cena pode ser representada por outro diretor de outra maneira: a mulher estaria com uma roupa neutra, nem clara nem escura, e o céu poderia estar com nuvens brancas ou mesmo um céu azul límpido. Para muitos diretores de filmes de arte, não comerciais, esses detalhes fazem parte da estética do filme, na qual a articulação dos planos estabelece um conceito, uma relação simbólica da imagem elaborada. Neste caso, a AD teria que encontrar um modo de descrever a palavra não dita. Será que um audiodescritor, despreocupado com questões teóricas do cinema de arte, focaria sua descrição na roupa clara que contrasta com o céu escuro? Falaria da posição da câmera, onde está o olhar pretendido? Ou tudo isso seria irrelevante, pois pertenceria à categoria da subjetividade? No curso sobre roteiro que ministrei no Ponto de Cultura para PcDV, essa discussão estava sempre presente, pois fazia parte do entendimento da linguagem fílmica. É necessário, portanto, informar às PcDV que os audiodescritores podem descrever, ou não, um determinado aspecto do filme sem deixarem, por isso, de ser objetivos. Existe uma diferença entre o órgão olho e o olhar. É fato que, ao descrever uma cena de modo detalhado, o ouvinte pode identificar-se com o sentido do filme e, a partir dessa percepção, começar a se interessar por determinados aspectos que antes não lhe chamavam a atenção. A isso chamo “formação de público”. Durante os seis primeiros anos em que trabalhei no Centro Cultural Braille de Campinas fazia AD semanais de filmes, durante todo o ano. Certamente eu não tinha tempo para assistir a todos previamente, pois trabalhava em dois empregos e cursava a faculdade de filosofia, mas os usuários queriam um filme novo a cada semana; então, nesse período, fiz AD de um modo que hoje nem consigo entender como foi possível. Com essa prática, desenvolvi a capacidade de concentração e síntese necessárias para a AD. Muitas vezes, os familiares estavam presentes e aquele era o momento em que aprendiam a fazer a AD em casa para seus filhos. Nunca aquelas pessoas viram tantos filmes brasileiros, italianos e principalmente iranianos, pois nestes, os diálogos são pausados e a montagem, quase em tempo real, como no neorealismo italiano, o que permite que façamos uma boa descrição das cenas e paisagens. Mas também fizemos outras AD ousadas, como em todos os filmes sobre Harry Potter e em Senhor dos Anéis. Os usuários mais jovens já haviam lido os livros, o que, segundo eles, facilitava bastante a compreensão. Diziam que, mesmo na AD roteirizada, a maneira de cada audiodescritor descrever a cena era diferente e era bom assistir ao mesmo filme com diferentes pessoas audiodescrevendo, ou mesmo comigo, em outra versão. No processo de roteirização para AD de um filme, o audiodescritor percebe a imagem de modo próprio, abstrai sua ideia e parte para a árdua tarefa de descrevê-la de modo objetivo e claro. Uma preocupação constante em minha reflexão sobre a audiodescrição de filmes para pessoas com deficiência visual é a questão do “ponto de vista” atrelada à questão da interpretação, pois, na história da filosofia, encontramos teorias diversas a respeito desses temas. É muito diferente a maneira de fazer AD de um filme comercial americano daquele de arte ou de autor, ou simplesmente um filme de produção independente. Para isso, tem-se que, a priori, saber diferenciar esses tipos e dar a eles o tratamento a que se designam. Portanto, no modo como eu entendo o conceito do olhar, é impossível a existência de um olhar simplesmente neutro, pelo mesmo motivo que considero ser impossível, por exemplo, para uma pessoa com deficiência visual discorrer, de uma forma neutra, sobre qualquer coisa que conhece pelo tato. Na nova linguagem da AD, o relato objetivo do audiodescritor representa uma leitura da imagem. (Existem cursos de formação de audiodescritores que levam o título de “Tradução visual”). Até que ponto uma tradução pode ser neutra? A AD não é uma transcrição fonética, não é uma verdade absoluta, mas é uma leitura, sim, de um indivíduo diante de uma cena; portanto, não pode ser uma descrição universal. Denis Diderot afirmou que “o olhar engana, o tato não”. Ao se interpretar tal frase, pode-se reconhecer que não é o olhar que engana, mas o juízo que se faz das percepções, as quais nos vêm através de todos os sentidos que possuímos. Cada um percebe de modo próprio, porque seus sentidos lhe fornecem sensações e informações que são processadas de modo diverso. Por isso, cada um estabelece um juízo diferente sobre as coisas, como o gosto e o prazer, por exemplo. Uma das polêmicas está no questionamento: existe realmente um modo neutro de fazer a audiodescrição? Do ponto de vista filosófico, não. Do ponto de vista prático, sim, pois existe todo um aparato técnico com normas que possibilitem a descrição clara e objetiva, mas que, como em toda obra, permitam discussões. Durante os debates, frequentemente deparamo-nos com opiniões diferentes e, por vezes, até contraditórias, tamanha a complexidade dessa questão. Não vejo problema algum no fato de os audiodescritores terem conceitos diferentes a respeito da AD; pelo contrário: vejo riqueza e diversidade que, juntas, compõem um pensar mais profundo e complexo, tornando a AD ainda mais instigante, necessária, legítima e urgente. Ignorar sua importância nos meios de comunicação e postergá-la devido à sua complexidade é uma atitude ignorante e covarde. Todas essas questões são fundamentais em minhas investigações no Ponto de Cultura Cinema em Palavras, não somente pelo fato de minha formação ter sido em filosofia, mas também porque meu trabalho no ensino de história do cinema versa sobre análises da construção do roteiro. E a audiodescrição de filmes representa um processo, em parte, inverso, pois desconstruímos o filme já pronto para o reescrevermos de forma fragmentada em um novo roteiro de descrições orais das cenas. Certa vez, em 2007, na 2ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul da qual participei como audiodescritora, durante o debate com André Costa, diretor do filme Casas de morar e demolições, ele relatou o prazer de ouvir a AD de seu filme. Assim como Buñuel, ele percebeu um novo viés de análise a partir de certas descrições das imagens. Isso é magnífico na AD, pois ficou claro, naquele dia, que essa nova linguagem estava declarando para as PcDV, videntes, e para os próprios diretores, aquilo que há tempos já era sabido na análise literária: não há uma única interpretação possível. Por mais que se tente ser objetivo, direto, claro, estamos sempre em território de diálogo: na terra fértil da linguagem, seja ela qual for. Paralelamente às exibições com audiodescrição, julguei fundamental levar a Carta sobre os Cegos para o pequeno, porém seleto grupo que participava das sessões de audiodescrição no Centro Cultural Braille de Campinas. Juntos, fizemos uma revisão comentada da Carta sobre os Cegos em pontos considerados fundamentais para uma compreensão – aproximada, ao menos – do universo dos cegos que, segundo eles, é o mesmo dos que veem (o resultado desse trabalho foi apresentado em seminário no COLE – Congresso de Leitura do Brasil, realizado na UNICAMP, em julho de 2005). A Carta sobre os Cegos é um estudo no qual Denis Diderot discute, entre outras coisas, a maneira pela qual um cego congênito pode adquirir conhecimento quando começa a enxergar depois de ter feito uma operação de cataratas. A investigação sobre o modo como o cego reconhecerá os objetos e a importância dos sentidos como fonte de conhecimento são algumas das questões estudadas pelo filósofo. Nessa leitura, ressalto algumas passagens e comparo as respostas do cego de Puilsaux às de outros cegos entrevistados: alguns cegos de nascença; outros que perderam a visão ainda crianças; ou que a perderam recentemente. Essa discussão permitiu a nós, videntes, confrontar o pensamento de Diderot ao das pessoas com deficiência visual. Aprendemos aquilo que somente os olhares não-videntes puderam perceber. Nesse sentido, a leitura crítica da Carta sobre os Cegos foi uma experiência singular, uma leitura do mundo. Acrescentar as reflexões e os estudos filosóficos ao projeto inicial de narrar filmes foi o modo encontrado para suprir, então, a carência de equipamento digital dos usuários do Centro Cultural, permitindo-lhes, desse modo, ter acesso a literaturas inexistentes em braille e adquirir novos parâmetros culturais, estéticos e morais . Depois dessa primeira experiência, desenvolvi diversos estudos e li textos de outros filósofos para o grupo de usuários do Centro Cultural, a saber: o Tratado sobre o belo e os Ensaios sobre a pintura, ambos de Denis Diderot, textos a partir dos quais discutimos a maneira pela qual podemos construir uma argumentação precisa acerca do conceito do belo para aqueles que não veem. Cândido, de Voltaire, foi outra leitura conjunta na qual investigamos as metáforas óticas presentes. A partir dessas duas leituras, tentei estabelecer algumas relações entre o pensamento de Voltaire e Diderot e escrevi Uma relação entre a Carta sobre os Cegos e Cândido, pois a questão da interpretação do olhar estava presente na Carta, assim como em Cândido. As duas obras apresentam metáforas óticas, por exemplo, no capítulo I: “(...) havia um jovem rapaz ao qual a natureza lhe concedera as virtudes mais doces. Sua fisionomia anunciava sua alma.” Nesse momento, Voltaire dá um sentido figurado às qualidades de Cândido, valendo-se de outras palavras para designar algo que para ele tem um mesmo significado. O conceito de “ternura” é expresso pelas palavras “virtudes mais doces”; e a expressão “uma fisionomia que anunciava sua alma” pode significar que seu rosto delatava sua bondade. Essas co-relações também dependem das percepções e, consequentemente, os juízos formulados são decorrentes delas para serem utilizados em metáforas, referindo-se a situações, objetos, pessoas, ou até mesmo a si próprio. Os sentidos são como fontes do conhecimento, modificam o modo de ver as coisas, produzem verdades relativas. Com a inclusão da leitura filosófica ampliamos para outras esferas a atividade de audiodescrição, transformando-a em uma oportunidade para discutir não somente a linguagem cinematográfica, mas também os conceitos construídos pelas pessoas com deficiência visual a esse respeito, as concepções das PcDVs e, também, com a possibilidade, ainda, de fomentar uma possível reconstrução desses conceitos, ou seja: a partir desses novos parâmetros, pude munir-me e re-construir a cada dia uma nova linguagem, não “de termos”, mas conceitual, no intuito de realizar com mais desenvoltura a audiodescrição de filmes. A utilização do cinema como ferramenta de inclusão social é eficaz porque a linguagem cinematográfica possui uma carga dramática e cômica essencial para atingir diferentes gostos, retrata a cultura dos países, revela sua arte e sua política e, conjugada à filosofia, ajuda a pessoa com deficiência visual a refletir, a reconstruir seus conceitos e a ampliar seus interesses. Ao debater sobre os filmes, as pessoas interagem, exercitam sua argumentação e adquirem mais segurança para compartilhar suas experiências de um modo mais igualitário. O problema da audiodescrição simultânea de um filme ainda não visto Muitas vezes, por falta de conhecimento das pessoas, nós, audiodescritores, somos convidados para fazer a AD simultânea de um filme repentinamente, com pouco ou nenhum prazo para preparar o roteiro, ensaiar e gravar, em um evento onde estarão presentes pessoas com deficiência visual. Temos então de abstrair nossas impressões e tentar sintetizar a descrição de modo objetivo. Esforçar-nos para sermos objetivos ou tentar não fazer a narração de forma subjetiva, numa sessão de audiodescrição simultânea improvisada, é muito difícil, pois a subjetividade está intrínseca ao estabelecimento de nossos juízos sobre todas as coisas. Devemos, sim, concentrar-nos para não deixar escapar do verbo aquilo que nossa razão e nossa sensibilidade dizem-nos ao mesmo tempo. O mais complexo é explicar às pessoas com deficiência visual que, apesar de possuirmos uma visão eficaz, enxergamos coisas diferentes. Um objeto pode estar diante de mim sem que eu o enxergue. Por isso, quando narro pela segunda ou terceira vez um mesmo filme, as PcDV dizem: "Bell, você não falou isso da outra vez!”; respondo: “É porque não vi!" e eles retrucam: "Mas você é cega?" E eu: "Não, mas o olho não dá conta de absorver todas as informações!”. Por isso, deve-se tentar evitar tais sessões improvisadas de AD, mas para isso, a sociedade precisa reconhecer o trabalho do audiodescritor. A ausência de políticas públicas de acessibilidade cultural sempre foi um entrave na vida das pessoas com deficiência no Brasil. Felizmente, em 2004, numa proposta inovadora do Ministério da Cultura, a Secretaria de Programas e Projetos Culturais lançou edital para formação de Pontos de Cultura com o objetivo de propagar e preservar a diversidade cultural de cada região do Brasil, assim como realizar um intenso programa de inclusão social e digital. Ocorreu um grande mapeamento das instituições e grupos que já desenvolviam atividades culturais em suas regiões. Nas palavras de Célio Turino, secretário de programas e projetos culturais do MinC e idealizador do projeto Cultura Viva: o objetivo é “desesconder o Brasil”, acreditar no povo, potencializar o que já existe. (...) Ao fomentar o protagonismo das comunidades, o Ponto de Cultura dá a sua contribuição para o restabelecimento das energias vitais da vida. E cultura é vida. Espalhados por todo o Brasil, os Pontos de Cultura são centros de atividades culturais comunitários que formam artistas e desenvolvem atividades diversas e onde a cultura aparece como ação viva, como prática social, política e como direito do cidadão. Atualmente, em 2010, contamos com 740 Pontos de Cultura, espalhados de Norte a Sul e de Leste a Oeste do Brasil, em 26 estados e no Distrito Federal, num total de 273 municípios. Aproveitando essa oportunidade, desenvolvemos então um projeto que contempla o cinema e a filosofia como ferramentas de inclusão social, assim como de inclusão digital – uma demanda antiga do Centro Cultural Braille. Para isso, foi necessária a instalação de um laboratório de informática com programas específicos para pessoas com deficiência visual e foram oferecidos cursos de introdução à informática para todos os usuários. Também organizamos um espaço com aparelho multimídia para desenvolver as sessões de audiodescrição de filmes, abertas para a comunidade. Acredito que algumas das bases do alicerce que sustenta um indivíduo, com deficiência ou não, são a identidade e a autonomia intelectual, que só podem ser constituídas a partir da possibilidade de comunicação e da liberdade de se relacionar com o mundo. Um indivíduo cuja natureza o tenha privado de um sentido e o Estado, por sua vez, não garanta seus direitos, não pode cumprir seus deveres, nem, portanto, tornar-se cidadão. Entretanto, no percurso da cidadania devem estar garantidas a autonomia intelectual e a possibilidade da PcDV ter uma vida social digna com justas oportunidades para obter o que lhe é de direito: relacionar-se com o mundo em sua plenitude. O “Cinema em Palavras” tem sido uma referência importante para esclarecer algumas ideias equivocadas da sociedade em relação à participação das PcDV em espetáculos audiovisuais. Durante as sessões de cinema, palestras e aulas com audiodescrição, percebemos que essas ideias decorrem de algo muito corriqueiro: a falta de convivência. A primeira coisa importante a se reconhecer é o fato de que, assim como nós, videntes, temos um modo próprio de perceber e conceituar as coisas, as pessoas com deficiência visual também o têm e, por isso, não se pode generalizar a respeito de suas possíveis respostas de modo uniforme. Alguns têm muita facilidade para apreender, outros menos, e outros, grande dificuldade. Em segundo lugar, deve-se perceber que as pessoas com deficiência visual constroem seu conhecimento a partir dos mesmos conceitos e referências visuais daqueles que veem, mas o fazem de modo próprio: com suas experiências, através de todos os sentidos que possuem, como o tato, o olfato, a audição etc. As dificuldades para a pessoa com deficiência visual apreender o que está sendo exibido não decorrem da falta de referências visuais, mas da maneira pela qual estas lhes foram transmitidas de modo a formar seus conceitos. É a falta de conceitos suficientemente elaborados que pode dificultar a apreensão dos elementos fílmicos, assim como das ideias de um modo geral. Essa falta, aliás, pode comprometer do mesmo modo a compreensão de uma pessoa que enxerga. O “Cinema em Palavras” é a oportunidade de construirmos, videntes e cegos, um novo conhecimento. É importante ressaltar o quanto a sociedade também ganha nesse relacionamento, que nos fornece novos parâmetros para que possamos redimensionar os valores de vida. Todos só têm a ganhar. O filósofo grego Platão afirmou que “um olho que queira ver-se tem que ter olho para o outro”. Parece fácil pensar que conhecemos as coisas do mundo e sabemos quem somos, mas para conhecermos a nós mesmos precisamos do outro que nos reflita e nos dê a dimensão real de quem somos. Para mim, estar diante de um cego é estar diante de meus próprios limites e de uma infinitude de possibilidades e saberes: suas experiências, não as vivi, e sobre seus saberes, ainda tenho muito a apre(e)nder. Referências Bibliográficas BAZIN, André. O Cinema – Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991. DIDEROT, Denis (1749). Carta Sobre os Cegos – para uso dos que veem. In GUINZBURG, J. Diderot: Obras I – Filosofia e Política. São Paulo: Perspectiva, 2000. A Importância da Audiodescrição na Comunicação das Pessoas com Deficiência Laercio Sant'Anna* No filme Náufrago, lançado em 2000 nos EUA, cujo nome original é Cast Away, Chuck Noland (personagem principal vivido por Tom Hanks), em uma de suas costumeiras viagens a negócio pela Federal Express (FedEx), empresa em que trabalha como inspetor, sofre um acidente, que o deixa preso em uma ilha completamente deserta por 4 anos. Com sua noiva (Helen Hunt) e seus amigos imaginando que ele morrera no acidente, Chuck precisa lutar para sobreviver, tanto física quanto emocionalmente, a fim de que um dia consiga retornar civilização. Totalmente isolado, faz de um rosto por ele pintado em uma bola, seu grande amigo Wilson. Dirigido por Robert Zemeckis, o filme deixa latente a importância da comunicação para os seres humanos através dos diálogos e interação de Chuck com a bola. Por mais que garantíssemos alimentação e conforto físico para uma pessoa, se a isolássemos do convívio com outros seres, em pouco tempo ela apresentaria sintomas de ansiedade. A necessidade de falar com alguém, como é demonstrado no filme, é uma das características dessa ansiedade. Durante algum tempo, isso poderia ser atenuado por um monólogo, em pensamento ou em voz alta, e mesmo pela criação de interlocutores imaginários. Mas, com o prolongamento da situação, a fala e o próprio pensamento tornar-se-iam desconexos e a pessoa perderia o autocontrole. Se a situação não fosse corrigida a tempo, haveria uma desagregação psicológica, acompanhada de descontrole orgânico. A solução seria muito fácil... bastaria retirá-la do isolamento. Deste modo, podemos facilmente concluir que, tão importante quanto alimentar-se, dormir e tomar banho é comunicar-se. Na verdade, é impossível viver em sociedade sem se comunicar. Imagine-se em um lugar fechado, com uma pessoa desconhecida, com quem estivesse proibido de se comunicar, e com ordem de se ignorarem mutuamente... Não demoraria muito para concluir que seria impossível ignorar a presença do outro. Os menores gestos passariam a ser observados atentamente. Cada qual procuraria interpretar o comportamento do outro e atribuir-lhe um sentido. Não demoraria muito para que cada um começasse a orientar suas atitudes em função das do outro. Haveria então, por mais que se desejasse evitar, comunicação entre ambos. Os gestos e o comportamento dos dois passariam a ser mensagens, mesmo involuntárias, e cada um estaria convertido em receptor e emissor dessas mensagens. Desde que nascemos, somos cercados por signos linguísticos que nos permitem inúmeras possibilidades comunicativas. Elas começam a se tornar reais a partir do momento em que, pela associação e imitação, iniciamos o processo de formulação de nossas mensagens (Muito rapidamente, um recém nascido aprende que, para receber atenção é preciso chorar). Sons, gestos, imagens, e tudo mais à nossa volta faz parte da vida moderna, compondo mensagens de toda ordem, transmitidas pelos mais variados canais, como a imprensa, o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão, o cinema, os cartazes de propaganda, os desenhos, a música e tantos outros. Em todos, a linguagem tem papel fundamental, seja em sua forma oral, seja através de seu código substitutivo escrito. E, através dela, o contato com o mundo que nos cerca é permanentemente atualizado. Daí, entendermos que toda a nossa vida em sociedade supõe um problema de comunicação e intercâmbio que se realiza fundamentalmente por meio dela, a maneira mais comum de que dispomos para tal. Assim, a linguagem é o suporte de uma dinâmica social, que compreende, além das relações diárias entre os membros de uma comunidade, as atividades intelectuais, que vão desde o fluxo informativo dos meios de comunicação de massa, até suas vidas cultural, científica e literária. Muitos estudiosos e pensadores modernos afirmam que o período que estamos vivendo é caracterizado por mudanças rápidas e radicais. Essas mudanças são impulsionadas pela evolução tecnológica, principalmente nas áreas de informática e comunicações. Cada vez mais são usados mecanismos de interação em que o uso da visão é imprescindível. Não precisamos recuar muitas décadas para nos depararmos com uma realidade na qual a imaginação era fortemente estimulada, haja vista, serem o livro, o jornal e o rádio os principais meios de comunicação da época. Ainda é clara em minha mente, as palavras do meu avô... “nós sentávamos em volta do rádio, e ninguém dava um pio! Nos emocionávamos com os galãs das rádio- novelas. Não perdíamos também o Repórter Esso e os jogos da seleção Brasileira. O som ia e voltava, mas ficávamos imaginando as jogadas e era uma emoção. Quando chegou a televisão, muitas coisas perderam a graça...”. Como bem coloca o trabalho de conclusão de curso de Flávia Affonso Mayer e Luiza Sá Guimarães (Diagnóstico de Comunicação para a Mobilização Social: promover autonomia por meio da Audiodescrição): Antes da fotografia, do cinema e da televisão, os livros e a cultura oral dos contadores de histórias permitiam que a imaginação criasse as imagens. Hoje, em tempos de globalização, busca-se o frisson da “experiência real”, a sensação de interatividade, de ser simultaneamente ator e espectador em eventos de todas as naturezas ao redor do mundo. O ímpeto de imaginar o que nunca foi visto ou o que não se pode ver vem se perdendo. Ante a este cenário hegemônico, precisamos considerar a situação das pessoas com dificuldade de compreensão, analfabetos, bem como idosos, que, além das limitações físicas e sensoriais, por vezes, advindas da idade, durante toda vida, foram estimulados a “imaginarem” e criarem suas conexões mentais sobre a informação que recebiam. Podemos considerar, ainda, situações em que a prática de atividades profissionais não permitem o uso da visão, como motoristas e domésticas, que tinham e têm, no rádio, por exemplo, um companheiro inseparável, uma vez que, não precisam interagir visualmente com este canal de comunicação, ficando assim livres para realizar suas tarefas. Neste sentido, a busca pela igualdade de oportunidades suscita a discussão sobre a diversidade, que torna latente o direito que os diferentes indivíduos ou grupos sociais têm de estarem incluído na sociedade. Tal direito impõe o desafio de se encontrarem mecanismos que garantam a efetividade do acesso à informação e à cultura, oferecendo produtos acessíveis às pessoas que, de alguma maneira, não possam se valer dos meios de comunicação visual. Nesse contexto, nasce a audiodescrição. Ela surge como uma tecnologia assistiva que busca suprir a lacuna deixada pela comunicação visual, para aqueles que dela não conseguem tirar proveito. No atual estado da arte dos meios de comunicação, não há dúvidas de que a ausência da audiodescrição cria uma situação de desconforto. Inúmeros são os momentos em que sentimos falta de um detalhamento do que está acontecendo. Seja na televisão, teatro, cinema ou mesmo nas descrições de gráficos e figuras de um livro, ou imagens de uma página da internet, ela é fundamental para a participação efetiva das pessoas com deficiência na interação com a sociedade. Uma pessoa cega que assista, sozinha, ao filme Náufrago, por exemplo, sem o recurso da audiodescrição, certamente terá um nível de compreensão muito abaixo do mínimo necessário, haja vista que a maior parte do mesmo não possui qualquer diálogo. Como já citado, a comunicação é uma necessidade básica do ser humano. Se considerarmos a audiodescrição um recurso que, dada a evolução das tecnologias, torna-se imprescindível, é impossível imaginar a vida diária sem ela, sob pena de gerarmos, guardando as devidas proporções com os exemplos e situações citadas acima, grande ansiedade, além do próprio prejuízo causado pela falta de compreensão do que nos cerca, provocado pela sua ausência. Se a tendência das interfaces são tornarem-se cada vez mais dependentes do sentido da visão, tão mais importante será preocupar-se com tecnologias assistivas e recursos para suprir a lacuna deixada por estas para quem não tem possibilidade de usar este sentido. Até o século XIV, as pessoas com deficiência ficavam nos asilos para que pudessem ser protegidas, pois não se acreditava que pudessem se desenvolver, em função da sua "anormalidade". A partir de então, educadores interessados começaram a instruir, de maneira particular, crianças com deficiência. Inicialmente eram filhos de famílias bem sucedidas financeiramente. Muito tempo se passou até que começaram a surgir as primeiras instituições especializadas. Foi na França, no ano de 1760, que foi criado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos e, em 1784, foi criado o Instituto dos Jovens Cegos. Com a criação desses institutos, a educação das pessoas com deficiência foi se desenvolvendo e, graças a essas iniciativas, a participação desse público cresceu na sociedade moderna e é, hoje, uma realidade. Com o acesso ao trabalho, as pessoas com deficiência passam a poder adquirir os produtos que lhes permitem melhor qualidade de vida. Diferentemente de uma época em que dependiam do assistencialismo para sobreviver, hoje já possuem autonomia inclusive para intervir efetivamente no planejamento e desenvolvimento de produtos e serviços que sejam de seu interesse. Afinal, de assistidos, passam à condição de assistentes para aqueles que desejam fazer de suas necessidades um negócio lucrativo. Deste modo, como usuários do produto “audiodescrição”, formam um mercado de consumidores que compartilham uma necessidade similar: a necessidade e o direito de acesso à informação. Abraham Harold Maslow, em sua mais conhecida obra – A Teoria a Respeito da Hierarquia das Necessidades Humanas –, explica e prevê os comportamentos das pessoas em relação à satisfação das suas necessidades. Resumidamente, a teoria afirma que as necessidades humanas estão dispostas hierarquicamente, desde as necessidades básicas (alimentação, abrigo, segurança etc.), afetivas (aceitação, relacionamentos), chegando às necessidades de realização (status, reconhecimento). Segundo Maslow, a satisfação das necessidades de um nível mais baixo conduz o indivíduo a buscar a satisfação das necessidades do próximo nível, ou seja, as necessidades e desejos criam nas pessoas um estado de desconforto que é aliviado pela aquisição de produtos e serviços que os satisfazem. As pessoas com deficiência, por mais que, infelizmente para uma parte significativa da sociedade ainda não seja um fato, já atingiram uma condição de desconforto ao serem privados de audiodescrição. O salto para o próximo nível, que é o direito, não só social, mas também legal, de igualdade de acesso aos mais variados canais de comunicação, é o avanço natural nessa “cadeia de desejos”, e a audiodescrição, com toda certeza, tem papel fundamental neste processo. Portanto, audiodescrição, antes de ser vista como uma ação de responsabilidade social, pode, nos dias de hoje, sem sombra de dúvidas, ser encarada como um negócio que tem um nicho de mercado bem definido e público pronto para o consumo. Embora no Brasil o movimento pela audiodescrição só tenha conquistado visibilidade nos últimos anos, datam de mais de 3 décadas suas primeiras iniciativas. Contudo, se considerarmos que audiodescrição é o relato de acontecimentos impossíveis de serem percebidos somente pelos diálogos e sons do que está sendo transmitido, poderíamos dizer que, muitas das transmissões radiofônicas, de certo modo, já nos ofereciam uma forma de audiodescrição. A narração de uma partida de futebol no rádio, por exemplo, não deixa de ser uma audiodescrição do que acontece dentro do campo. Contudo, seu significado para os “amantes” do futebol, não aconteceu de um instante para o outro. Somente quando o rádio estava prestes a completar 9 anos de existência no país, é que foi realizada a primeira transmissão de uma partida de futebol. Narrada pelo locutor Nicolau Tuma da Rádio Educadora Paulista em 19 de julho de 1931, a partida entre as seleções de São Paulo e do Paraná no Campo da Floresta, na capital paulistana, guarda pouca semelhança com o formato de narração atualmente empregado. Até aquele momento, as transmissões futebolísticas se resumiam a boletins informativos acerca dos jogos, sendo Tuma, o primeiro profissional a irradiar uma partida de futebol em sua totalidade. Como este esporte ainda era insipiente no Brasil, ele aproveitava para, durante a transmissão, explicar as regras do jogo. Com a evolução do rádio e do próprio futebol no Brasil, surgiram inúmeros narradores, que inovaram na maneira de audiodescrever os acontecimentos de uma partida. Surgiram então, estilos e jargões que se consagraram, criando assim uma cultura nos ouvintes, que, além de adquirirem suas preferências por um ou outro profissional, também se acostumaram a decodificar as mensagens transmitidas de forma a entenderem com maior exatidão o que de fato estava se passando dentro de campo, não precisando mais, inclusive, que as regras do futebol fossem explicadas. Qualquer amante das transmissões futebolísticas no rádio sabe que, por exemplo, sempre que o narrador aumenta a intensidade da voz e acelera o ritmo da transmissão é um perigo de gol, ou sempre que existe uma grande defesa do goleiro, o narrador aumenta o tom de voz, estendendo a frase que indica a ação deste. Fazendo uma análise fria da situação, não há nada que justifique esta alteração na voz do narrador. Bastaria que os fatos fossem descritos de maneira clara para que a informação fosse compreendida por todos. No entanto, os jargões e o estilo, além de estimularem a imaginação do ouvinte, dão subsídios para que o narrador consiga agregar elementos que lhe permitam uma quantidade maior de informação em um tempo menor. É importante reforçar que esses jargões só fazem sentido porque tanto o receptor quanto o emissor conhecem perfeitamente o código. Aí está, certamente, o maior desafio da audiodescrição. Devido ao pouco estímulo oferecido aos produtos audiovisuais graças à falta de acessibilidade, as pessoas com deficiência, em sua grande maioria, não desenvolveram uma cultura para o teatro, cinema ou televisão. Despertá-las para estes “novos canais de comunicação” é preponderante para torná-las consumidoras de produtos audiodescritos. A audiodescrição, além de promover a acessibilidade, tem um papel educativo expressivo, na medida em que possibilita aos seus consumidores, em particular às pessoas com deficiência visual, o acesso à linguagem cinematográfica, teatral, dentre outras. Por outro lado, encontrar a melhor maneira de se audiodescrever um evento, seja ele um filme, um espetáculo de dança, música ou peça teatral tem sido um grande desafio para audiodescritores e pessoas que necessitam deste serviço. Dilemas como: encontrar a melhor maneira de descrever um fato, em que momento, com mais ou menos interpretação, ser ou não sucinto, quando sobrepor uma fala ou música, são questões ainda bastante discutidas. Se de um lado temos os roteiristas com um tempo limitado para encontrar os melhores termos para descrever, por exemplo, uma cena, de outro, temos as pessoas usuárias desse serviço que, com suas individualidades, dificultam o trabalho, uma vez que possuem preferências e culturas diferentes. Enquanto uns são mais curiosos, preferindo o máximo de detalhes possíveis, outros adotam uma postura mais objetiva, dando preferência a uma audiodescrição mais sucinta. Embora para a criação de um roteiro e locução de um produto audiodescrito seja necessário um conjunto de regras a serem seguidas em âmbito geral, não há dúvidas de que cada meio artístico tem suas especificidades. Definir tais regras, mais do que um profundo estudo que já está sendo realizado pelos envolvidos na causa, terá papel fundamental para o desenvolvimento de uma cultura de consumo do produto audiodescrição. Guardando as devidas proporções e especificidades, é preciso que, assim como nas narrações futebolísticas do rádio, emissores e receptores decodifiquem as mensagens de maneira clara. Para isso é imprescindível que, cada vez mais, sejam oferecidos eventos com audiodescrição. É fundamental também, a criação de mecanismos que garantam uma evolução harmoniosa entre os mais diversos segmentos da audiodescrição, para que o movimento ganhe força e coesão, tratando o assunto de maneira ampla, ficando somente as especificidades de cada segmento como algo a ser tratado particularmente. Infelizmente, esse serviço no Brasil ainda é privilégio de poucos. Somente nos grandes centros é possível encontrar eventos audiodescritos, bem como, ainda é irrisória a quantidade de produtos disponíveis no mercado nacional com este recurso. Enquanto a audiodescrição não estiver presente nos principais meios de comunicação de massa, como novelas, filmes, dentre outros, será muito difícil encontrar respostas aos tantos questionamentos formulados nos últimos anos, e que são imprescindíveis para o seu desenvolvimento, tanto em nível técnico quanto prático. Somente com a popularização desta tecnologia assistiva é que será possível formar uma massa crítica que reflita mais claramente as expectativas de todos aqueles que desejam que a audiodescrição realmente cumpra seu papel de informar e incluir a todos que dela necessitam. "OLHARES CEGOS”: A AUDIODESCRIÇÃO E A FORMAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL Iracema Vilaronga* Este trabalho propõe-se a discutir sobre as possibilidades de “olhar”, tomando a audiodescrição como recurso de acessibilidade que torna possível a compreensão das informações compreendidas visualmente, porém não audíveis em produtos audiovisuais, por meio da descrição de detalhes relevantes das imagens. A reflexão busca apresentar alguns aspectos que problematizam sobre a dimensão formativa de produtos audiovisuais para as pessoas com deficiência visual, no âmbito de uma pesquisa que vem sendo realizada com o fim de analisar aspectos de recepção, compreensão e interpretação de produtos audiodescritos por indivíduos com deficiência visual, além de identificar suas contribuições para o processo de formação destes. No mundo contemporâneo, uma infinidade de temas e problemáticas que remetem aos campos da estética e da comunicação atravessam intensamente a educação. As dimensões estéticas e comunicativas tornam-se grandes referências no processo de formação humana e construção do mundo, dos modos de existir, conviver e conhecer. Estamos imersos numa cultura imagética, plena de complexidades visuais. O mundo fascinante da imagem atrai a todos com seu dinamismo. O que se afirma é que a visão é o mais importante dos sentidos. Perdem-se, assim, oportunidades de vivenciar experiências estéticas, proporcionadas pela utilização dos demais sentidos ao mesmo tempo, ou seja, outras possibilidades de “olhar”. Observa-se, hoje, uma super valorização do sentido da visão, como se fosse a única forma de perceber e/ou ler o mundo ao nosso entorno. A cultura visuocêntrica impregna o homem de tal forma, que o faz esquecer que temos cinco sentidos, além da intuição. No entanto, sabemos que a arte de “olhar”, não está restrita a esse único sentido. Aprender a perceber, ver, olhar o mundo a nossa volta com todos os sentidos, deve ser uma das preocupações das atuais tendências educativas. Quando privilegiamos o desenvolvimento, apenas, do sentido da visão, além de nos privarmos de uma forma mais plena de “olhar”, deixamos à parte, também, uma grande parcela da população desprovida do sentido fisiológico e sensorial da visão. Como afirma Fantin (2008, p. 45): No entanto, olhar o mundo não envolve só a visão, pois o olhar é fruto de uma individualidade que é parte de uma história pessoal e única vivida em determinada sociedade, com determinada cultura, numa determinada época, vinculada a determinado momento específico de vida, que constroem um jeito próprio de ver. Esse repertório individual envolve, além dos conhecimentos específicos, os valores estéticos, filosóficos, éticos e políticos, assim como a ideologia do indivíduo, do grupo ou da classe social à qual pertence. E nesse processo de educação do olhar, aprendemos a olhar o mundo, a natureza, o trabalho e a arte com o olhar do outro, pela mediação de outros jeitos de olhar. Esses olhares podem ser desinteressados, interpretativos ou criativos. Os autores de produtos audiovisuais, enquanto arte visuocêntrica, ainda não se deram conta de que pessoas com limitações visuais também gostam, vivenciam e precisam de tais experiências. Grande parte desse público fica privada do lazer e da expressão cultural através de tais produtos, por estar, socialmente vinculado à experiência estética o sentido da visão. Pensemos, aqui, o ser humano como indivíduo dotado de peculiaridades, diversidades e semelhanças. Assim como as demais, a pessoa com deficiência visual também precisa vivenciar tudo quanto deseje e que seja importante e necessário para o seu pleno desenvolvimento como ser humano. Todo indivíduo tem direito ao lazer, seja como criador ou expectador, direito a se deixar envolver por sentimentos e emoções que lhe são proporcionados. Tem, sobretudo, direito às atividades de cultura e lazer de sua própria escolha, não importando sua idade, sexo, nível de educação ou condição física e social. As atividades de lazer seduzem a todo e qualquer ser humano. Todos desejamos desfrutar de uma vida repleta de atividades sócio-culturais. Desejamos nos sentir envolvidos em atividades de lazer e cultura. Aliás, mais que um desejo, é uma necessidade do ser humano. A arte cinematográfica, assim como o teatro e outros produtos audiovisuais, contribuem, direta e significativamente, para a formação de indivíduos. O hábito de frequentar teatro, salas de cinema ou simplesmente assistir a filmes pode despertar nas pessoas o pensar em si, no outro e no mundo. Frequentar espetáculos de qualquer gênero é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação educacional e cultural das pessoas, quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais. O texto audiovisual é produto de configurações significantes e significativas, construídas a partir da história e experiência de vida de cada indivíduo, em linguagem audiovisual, pela articulação e interação de diferentes elementos: imagem em movimento, som musical, ruídos (sonoplastia), sons da fala, e escrita. Isso faz de um filme, por exemplo, o resultado de um conjunto de significações que podem ser interpretadas e compreendidas de diversas maneiras. O cinema é um instrumento precioso e poderoso, por exemplo, para ensinar o respeito aos valores, crenças e visões de mundo que orientam as práticas dos diferentes grupos sociais que integram as sociedades. Ir ao cinema, gostar de determinadas cinematografias, desenvolver os recursos necessários para apreciar os mais diferentes tipos de filmes, longe de ser apenas uma escolha de caráter exclusivamente pessoal, constitui uma prática social importante que atua na formação geral dessas pessoas. Em sociedades audiovisuais como a nossa, o domínio dessa linguagem é um requisito para o bom trânsito pelas mais diferentes áreas do conhecimento (DUARTE, 2002, p. 21). Constitui-se, portanto, uma das chaves do desenvolvimento humano e social, o acesso à cultura e ao lazer, à informação e ao conhecimento, de forma, ao mesmo tempo, diferente e igualitária. Diferente, porque é preciso assegurar a acessibilidade a todo e qualquer indivíduo, considerando suas possíveis formas de percepção e leitura de mundo; igualitária, porque todos devem ter acesso à cultura em igualdade de condições. Mais do que a questão de uma identidade cultural, é preciso considerar a existência de múltiplas identidades. No mundo contemporâneo, é fundamental considerar que existe a necessidade de termos algumas igualdades – e são essencialmente igualdades nas dimensões social e humanitária, porque vivemos um mundo de profundas desigualdades sociais –, mas, ao mesmo tempo sentimos um movimento muito forte no fortalecimento da diferença. A diferença é o elemento mais fundamental do mundo contemporâneo, porque é ela que move a sociedade do ponto de vista do respeito à diversidade. Esse é o ponto fundamental. Então, mais do que buscarmos apenas uma identidade, precisamos corroborar as singularidades, fortalecendo a diferença (PRETO, 2008, p.37). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo 2000 contabilizou 148 mil cegos no Brasil, 57 mil apenas no Nordeste. A Bahia, com 15,4 mil pessoas, é o segundo estado brasileiro com maior número de pessoas com deficiência visual. Perde apenas para São Paulo, onde vivem 23,9 mil cegos. O detalhe é que mais de 16 milhões de pessoas declararam ter algum tipo de dificuldade para enxergar. Destes, estima-se que 2 milhões tenham baixa visão. O acesso a produtos audiovisuais tem sido, pois, negado a essa significativa parcela da população, constituída por pessoas com alguma dificuldade ou deficiência visual, por não oferecer acessibilidade plena, coerente com as propostas de inclusão social. A cidade de Salvador vem promovendo pesquisas e ações que possibilitam a interação desse público com produtos audiovisuais. Outras capitais brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte também promovem pesquisas e ações relativas à acessibilidade através da audiodescrição. Vale ressaltar que essas atividades partem de ações isoladas. Segundo Casado (2007), a audiodescrição consiste em um comentário condensado que se tece ao redor da banda sonora de um meio audiovisual e que explora as pausas nos diálogos para explicar o que acontece nas cenas, descrever lugares e personagens, linguagem corporal e expressões faciais com a finalidade de aumentar a compreensão do texto audiovisual por parte do cego. A inobservância dos princípios de acessibilidade postos no decreto nº. 5.296/2004 e na portaria nº. 310/2006 pelos meios de comunicação e pela indústria cultural e de produtos audiovisuais tem sido um obstáculo à informação, ocasionando situações de exclusão às pessoas com deficiência visual, que ficam impossibilitadas de interagir com os produtos do lazer, da cultura e da publicidade. Até o momento, ainda não há um programa de políticas públicas que garanta o direito ao acesso desses indivíduos. Como já foi dito, apenas há ações isoladas das referidas capitais. E são justamente essas ações, que têm feito uma grande diferença na difusão do recurso de acessibilidade e de formação de hábitos de frequentar espetáculos e salas de cinema, além de educar para a diversidade. Na Bahia, a pesquisa e a implementação da audiodescrição vêm sendo realizadas, desde 2004, pela Profª. Drª. Eliana Paes Cardoso Franco do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A professora coordena o grupo de pesquisa Tradução, Mídia e Audiodescrição (TRAMAD), primeiro no país a se dedicar ao estudo sistemático e à implementação da acessibilidade audiovisual por meio da audiodescrição . O grupo já produziu alguns roteiros de audiodescrição para curtas e longas-metragens, além de participar de eventos, festivais, elaborar e ministrar cursos de audiodescrição, desenvolver pesquisas e ações relativas à acessibilidade audiovisual através da audiodescrição. Em 2007, o grupo participou da segunda edição da Mostra Cinema de Sentidos, que tem foco no público com deficiência visual. A primeira sessão desse projeto foi realizada em 2006, pela produtora Clube Silêncio. A mostra foi realizada em parceria com o TRAMAD e três novos filmes com audiodescrição foram apresentados. São eles: Domicílio, de Nelson Diniz (Brasil RS), Sketches, de Fabiano de Souza (Brasil - RS), Pênalti, de Adler Kibe Paz (Brasil - BA). Em 2007, participou e exibiu filmes com audiodescrição na Feira Mostra Filmes Universidade Estadual de Feira de Santana, constituindo mais uma ação de promoção e difusão da acessibilidade. Em maio de 2008, o TRAMAD, juntamente com sua ramificação TRAMADAN (Tradução, Mídia, Audiodescrição e Dança), audiodescreveu e narrou o espetáculo de dança Os Três Audíveis, um passo inédito e audacioso em direção à efetiva inclusão do público com deficiência visual na vida social e cultural da cidade. O trabalho de audiodescrição do espetáculo de dança Os Três Audíveis foi uma iniciativa pioneira do TRAMADAN que uniu o Instituto de Letras e a Escola de Dança da UFBa, sob a coordenação das Profas. Eliana Franco (Instituto de Letras) e Fafá Daltro (Escola de Dança/Grupo X). Em agosto de 2008, o TRAMAD audiodescreveu o filme O Signo da Cidade, de Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli, exibido em várias cidades como São Paulo, Fortaleza e Salvador, fazendo com que o público com deficiência visual tivesse a possibilidade de conferir de perto um filme audiodescrito, desfrutando, assim, de uma forma de lazer e diversão. Em setembro de 2008, realizou o curso de audiodescrição, pioneiro na UFBA, o que contribuiu para a implementação da acessibilidade na TV brasileira, dando cumprimento à norma de acessibilidade, portaria 466, de 30 de julho de 2008, do Ministério das Comunicações, que determinou a implementação de duas horas diárias de audiodescrição na televisão aberta brasileira a partir de 30 de outubro daquele mesmo ano. Sob a coordenação da Profa. Dra. Eliana Franco, o Curso de Introdução à Formação de Audiodescritores visou a fornecer conhecimento básico sobre esse modo de tradução intersemiótica ou recurso de tecnologia assistiva. Em outubro de 2008, produziu, finalizou e revisou roteiros de audiodescrição, de 4 longas-metragens para DublaVideo de São Paulo: Shark Tale (O Espanta Tubarões), Paycheck (O Pagamento), Alex Rider (Alex Rider Contra o Tempo) e Spy Kids 3-D (Pequenos Espiões 3-D), exibidos pela Rede Globo de televisão. Também audiodescreveu o Filme Blindness (Ensaio Sobre a Cegueira), de Fernando Meireles, disponível em locadoras já com o recurso da audiodescrição. Em junho de 2009, audiodescreveu, ao vivo, as peças Ninguém Mais Vai Ser Bonzinho e Jeremias, o Profeta da Chuva, realizadas em Salvador/BA, oportunizando, assim, que pessoas com deficiência visual desfrutassem mais uma opção de lazer e cultura, o que contribui, de fato, com a efetivação da inclusão social. Para que o recurso da audiodescrição torne os produtos audiovisuais atividades autônomas e prazerosas, é necessário que tanto os indivíduos visualmente limitados, os movimentos sociais, as comunidades acadêmicas, os profissionais da área abracem a causa, levantem a bandeira da acessibilidade e passem a reivindicar e a fazer valer os direitos legalmente constituídos. Sem engajamento, envolvimento e participação dos principais interessados, bem como vontade política, a acessibilidade por meio de tais produtos poderá não ser uma realidade em nosso país, deixando tão significativa parcela da população sem acesso a um considerável veículo de formação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Lei Nº. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. D.O.U., 20 dez. 2000. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2008 ______. Decreto N° 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. D.O.U., 3 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 27 mai. 2009. ______. Portaria Nº. 310, de 27 de junho de 2006. Ministério das Comunicações. D.O.U., 28 jun. 2006. Disponível em: . Acesso em: 27 mai. 2009. ______. Portaria Nº. 466, de 30 de julho de 2008. Ministério das Comunicações. D.O.U., 31 jul. 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2008. CASADO, Ana Ballester. La audiodescripción: apuntes sobre el estado de la cuestión y las perspectivas de investigacion. In: FRANCO, Eliana Paes Cardoso; ARAÚJO, Vera Lucia Santiago. TradTerm – Revista do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia. FFLCH/USP: São Paulo, número 13, 2007, p. 151-169. DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. FANTIN, Monica. O Processo Criador e o Cinema na Educação de Crianças. In: FRITZEN, Celdon, MOREIRA, Janine (orgs.). Educação e arte: As linguagens artísticas na formação humana. Campinas, SP: Papirus, 2008. (Coleção Ágere). Vários Autores, p. 37-66. FRANCO, Eliana Paes Cardoso. Em busca de um modelo de acessibilidade audiovisual para cegos no Brasil: um projeto piloto. In: FRANCO, Eliana Paes Cardoso; ARAÚJO, Vera Lucia Santiago. TradTerm – Revista do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia. FFLCH/USP: São Paulo, número 13, 2007 p. 171-185. ______. Legenda e áudio-descrição na televisão garantem acessibilidade a deficientes. Ciência e Cultura. Jan./mar. 2006, vol.58, no. 1, p.12-13. Disponível em . Acesso em: 10 mar. 2008. FRITZEN, Celdon; MOREIRA, Janine (orgs.) Educação e arte: As linguagens artísticas na formação humana. Campinas, SP: Papirus, 2008. (Coleção Ágere). Vários autores. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2000. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2007. PRETO, Nelson De Luca. Escritos sobre educação, comunicação e cultura. Campinas, SP: Papirus, 2008. A Pessoa com Deficiência Visual e a Audiodescrição – relato pessoal de uma trajetória de luta por inclusão Naziberto Lopes de Oliveira* Gostaria de relatar aqui quatro momentos, cronologicamente ordenados, da minha história pessoal e profissional, que foram acontecendo simultaneamente à evolução da audiodescrição no Brasil. Serão os momentos de intersecção de meu caminho com a evolução da audiodescrição e que vão desde uma iniciativa incipiente na Universidade, na qual lancei intuitivamente a idéia desse recurso de acessibilidade, à discussão em nível governamental com o objetivo de uma melhor estruturação do perfil profissional especializado para o audiodescritor. No entanto, preciso, antes, fazer um resgate de meu percurso dentro da deficiência visual – cegueira adquirida aos 24 anos de idade – desde quando ela se apresentou, quais as primeiras dificuldades e inquietações, até a volta ao convívio social, abandonado durante o processo de recuperação. Não nasci cego, mas após um acidente automobilístico ao final de 1988, sofri descolamento total da retina do olho esquerdo e parcial da retina do olho direito. Mesmo após inúmeras cirurgias, a partir de 1996 passei a não enxergar mais. Esse período de oito anos foi conturbado: o famoso mergulho interno buscando respostas, conformação e sobrevivência. A difícil aceitação da deficiência, a tentativa de dar a volta por cima, obviamente permeada pela vontade de desistir de tudo e assim por diante. Enfim, reações humanas comuns para uma pessoa que vive em um mundo no qual nada foi pensado para aqueles que apresentem uma condição diferente da “normalidade”, da “homogeneidade”. Daí por diante, a pergunta que não quer calar é sempre a mesma: “E agora, o que fazer?”. Continuar vivendo foi a resposta. Vivendo agora em um mundo inapropriado para aquela condição que havia adquirido, buscando cotidianamente superar limites, superar algumas barreiras, contornar outras com dificuldade, parar diante de muitas. Continuar vivendo e iniciar um difícil aprendizado para a elaboração de algumas perdas irreversíveis, mas, ao mesmo tempo, a constatação do nascimento de uma indignação necessária diante de outras perdas que não precisariam ter ocorrido, e que poderiam ser revertidas caso a sociedade fizesse a sua parte, como eu passei a fazer a minha. Afinal, acredito que a inclusão é uma via de mão dupla: a pessoa com deficiência dá um passo em direção à sociedade e a sociedade dá um passo em direção à pessoa com deficiência. 1º Momento: A audiodescrição e a inclusão na Universidade Em 2002, ingressei no curso de Psicologia da Universidade São Marcos, em São Paulo, onde mais tarde aconteceria o primeiro contato com o recurso da audiodescrição. Desde o início das aulas comecei a perceber que o mundo que encontrava a minha volta era totalmente diferente daquele que eu havia deixado em 1988. O mundo agora era inacessível, incompreensível para minha nova condição de pessoa cega. Como exemplo desta minha constatação, cito a questão da leitura, uma das minhas paixões. Eu sabia que, na Universidade São Marcos, existia uma biblioteca com aproximadamente 150 mil exemplares à disposição de todos os alunos, menos para mim, que precisava de livros em um formato mais acessível, por exemplo, o formato texto digital. No entanto, isso era apenas mais uma das facetas desse novo mundo inóspito, inacessível e ininteligível ao qual fui lançado naquele momento. Como desfrutar do prazer de assistir a bons filmes, tanto em homevideo quanto nos cinemas? Confesso que, enquanto enxergava normalmente, não ia ao teatro com muita freqüência, costumava eventualmente acompanhar uma peça ou outra. Porém, após o advento da cegueira, gostando ou não de atividades culturais, tais como leitura, televisão, cinema, teatro, homevideo, a partir daquele momento eu estava excluído de todas elas, leitura, televisão, cinema, teatro, home vídeo. Enfim, qualquer uma passou a ser, para mim, inacessível de uma hora para outra. Antes de ingressar na Universidade São Marcos, percebia-me bastante conformado com a exclusão e inacessibilidade. Nunca havia refletido de modo a imaginar que a situação não deveria ser daquele jeito; minha compreensão era a de que eu ficara defeituoso e isso me explicava, de maneira cabal, a falta de capacidade para interagir com aqueles produtos e serviços. A resposta era óbvia: eu estava errado e a sociedade, não. Portanto, eu estava fora e tinha que me conformar com aquele fato. Assim, minha revolta não era com o mundo externo e, sim, comigo mesmo: eu tinha fraquejado, me tornado uma pessoa incapaz. Ocorre que esse período de letargia intelectual passou quando se iniciou o primeiro dia de aula. Justifico “letargia intelectual”, uma vez que sempre fui uma pessoa bastante crítica e obstinada pelo que queria na vida, virtudes essas que haviam permanecido em uma espécie de latência durante o tempo necessário para a recuperação daquele estado depressivo no qual a deficiência havia me jogado. A partir daquele momento, começaram minhas cobranças por melhores condições de acessibilidade a tudo que era oferecido aos alunos “normais” e que não era pensado para um aluno com outra condição humana. Passei a questionar a inexistência de livros na biblioteca, a falta de preparo dos professores e coordenadores para a diversidade dos alunos, as condições arquitetônicas desfavoráveis dos prédios, a inacessibilidade de laboratórios, entre outros recintos dos campi. Convidei outros estudantes com deficiência da Universidade e, juntos, articulamos, a partir de então, a montagem de um grupo a fim de fortalecermos nossas reivindicações comuns, dando origem ao CONSCEG, Conselho de Alunos Cegos e Amigos. Esse grupo teve papel fundamental na transformação da Universidade São Marcos, a partir de 2004, em uma das instituições superiores de ensino mais acessíveis de São Paulo, pois se constituiu em um grupo organizado e reconhecido como parceiro pela Universidade para as discussões sobre os problemas que afetavam a inserção dos alunos com deficiência. Um dos resultados mais importantes da ação do CONSCEG foi a produção de um livreto nomeado Guia Legal – dicas e truques para professores. Tratava-se de um livreto com informações sobre como minimizar os estranhamentos entre professores e alunos com deficiência visual. Esclarecia as limitações e as possibilidades mútuas, informava sobre as tecnologias, a respeito de equipamentos e ajudas técnicas disponíveis para potencializar a funcionalidade desses alunos, tudo escrito de maneira muito simples, clara e objetiva. Naquela época, não tínhamos noção do conceito de audiodescrição, nem ao menos sabíamos que essa técnica já era uma prática aplicada em outros lugares do mundo como uma ferramenta efetiva para inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência visual a determinados conteúdos audiovisuais. No entanto, preocupava-nos sobremaneira a exclusão nos momentos de exibição de filmes ilustrativos durante as aulas, fosse por parte de professores ou dos outros colegas de sala nos momentos de apresentação de seus trabalhos. Com o objetivo de enfrentar essa situação, recomendamos que cada professor se encarregasse de promover a acessibilidade ao aluno com deficiência visual nos momentos de exibição de algum material audiovisual. Para isso ele deveria sentar-se ao lado do aluno e se oferecer para narrar, em voz baixa, as cenas, descrevendo o contexto, as imagens, tentando dar uma noção global para um melhor entendimento do enredo. Apresento, a seguir, um pequeno trecho do Guia, no qual introduzimos alguns princípios da audiodescrição, mesmo sem saber que estávamos fazendo isso: (...) - A substituição do videocassete por aparelho DVD é recomendável, pois facilita sua utilização na opção de dublagem em português. - Pode ser que o aluno dv já esteja bem adaptado aos colegas e estes prontamente se ofereçam para a descrição do filme. Isto já resolve a situação. Um procedimento correto por parte do professor é oferecer para o aluno a sua contribuição, fazendo uma narração sucinta do filme, do que está acontecendo; um contexto geral da obra, os pontos de maior interesse, sem a necessidade de traduzir todas as falas. Esta descrição pode ser feita em tom baixo, no fundo da sala de aula, para que não atrapalhe o restante da turma.. (...) Foi gratificante saber da própria Professora Lívia Maria Villela de Mello Motta, um dos maiores expoentes da audiodescrição no Brasil, que sua entrada nesse universo teve, de alguma maneira, a influência do CONSCEG. Disse- nos ela que uma de suas alunas do curso de inglês na Laramara, Jucilene Braga, pediu-lhe para assistir, com ela, a um filme necessário para a elaboração de um trabalho na faculdade, apontando para as dificuldades que enfrentava para realizar tal tarefa sem a ajuda de colegas ou outras pessoas, e alertando para a necessidade que tinha de saber o que estava se passando na tela no momento da exibição de filmes ou trabalhos dos colegas. A Jucilene foi uma das fundadoras do CONSCEG, uma participante ativa, que nos ajudava a disseminar as idéias do grupo em qualquer lugar que estivessemos presentes, sempre procurando explicitar essas necessidades diferenciadas de inclusão e acessibilidade, oferecendo subsídios para que tudo acontecesse de maneira efetiva. 2º Momento: A audiodescrição na televisão: cobrando com bom humor Em 2005, estreou a novela América, escrita por Gloria Perez e exibida em horário nobre pela Rede Globo de Televisão. A obra abordava a deficiência visual em um de seus núcleos temáticos, com os atores Marcos Frota e Bruna Marchesini, interpretando respectivamente, os personagens cegos Jatobá e Flor. Para subsidiar a escritora sobre a realidade das pessoas com essa deficiência, sua pesquisadora, Giovana Manfredini, tentava contato com pessoas cegas atrás de informações sobre o seu cotidiano. Como as coisas na Internet voam, logo chegou aos meus ouvidos que existia uma pesquisadora em busca de informações sobre o universo das pessoas com deficiência visual. Assim, não tardei a tentar contato com ela, na verdade com o objetivo primordial de mostrar à autora da novela as dificuldades de acesso aos livros e a toda forma de leitura impressa pelas pessoas com deficiência. Tinha esperança de que uma vitrine em horário nobre divulgasse de forma maciça aquela exclusão vergonhosa e aviltante, mobilizando o debate nacional em torno da questão. Qual não foi minha surpresa quando recebi o convite da Giovana para participar de um fórum virtual na Internet criado por ela mesma – deficientesvisuaisinamerica@yahoogrupos.com.br – que iria discutir a forma de abordar a deficiência visual na novela. Conforme os debates aconteciam no fórum, as polêmicas surgiam , a idéia da audiodescrição foi levantada de maneira mais concreta e começou a tomar corpo. Não era possível admitir uma novela que abordasse a temática da deficiência visual sem levar em conta seus telespectadores com deficiência visual. Por isso solicitávamos que a autora introduzisse o recurso da audiodescrição nas cenas da novela. No entanto, jamais conseguimos que, ao menos, um capítulo tivesse sido gravado com audiodescrição. Mesmo com todos os apelos e reivindicações, paradoxalmente, a Rede Globo não promoveu a acessibilidade para cegos em uma novela que justamente abordava a temática da cegueira. Todavia, durante o tempo em que a novela e o fórum ficaram no ar, sugeri aos outros participantes do CONSCEG, que mostrássemos à emissora quais os efeitos danosos que uma cena sem audiodescrição poderia causar na imaginação de alguém que não está enxergando a tela. Convidei a todos para que escrevessem aquilo que haviam imaginado da cena na novela. Dei o nome de No mundo da imaginação para essa proposta e partimos para a ação. O resultado não poderia ter sido mais grotesco e, ao mesmo tempo, divertido. Dediquei-me, realmente, a assistir alguns capítulos com um gravador à mão e sempre que se exibia uma cena na qual não existiam diálogos, apenas música ou sons irreconhecíveis, eu anotava e depois tentava imaginar o que havia acontecido naquele ponto. E como eu dizia ao grupo da Internet, tentava preencher as lacunas com a minha imaginação fértil. Dessa maneira, foi surgindo um verdadeiro besteirol virtual que acabou fazendo sucesso entre os internautas participantes do fórum, e a coisa extrapolou os limites do grupo. A Rede SACI publicava cada capítulo lançado e a novelinha paralela No mundo da imaginação foi tomando proporções que não me permitiam mais parar, pois diversas pessoas mandavam mensagens perguntando quando sairia o capítulo seguinte. Apresento, abaixo, uma das cenas imaginadas, que vai perder um pouco a graça pelo fato de ficar descolada da cena real da novela, mas já dá para se perceber por onde foi que trafeguei nessa irônica e bem humorada forma de protesto e reivindicação pela audiodescrição na televisão. Lembrando que eu incluía, também, a imaginação dos comerciais exibidos nos intervalos da novela: NOVELA AMÉRICA - CAPÍTULO DO DIA 21 DE JUNHO DE 2005 Cena 1: Era a mãe da Flor, a Islene, e o namorado, o Feitosa, ele diz que vão visitar um jardim sensorial. Começa a tocar uma música de velório. Lacuna A Flor dá um gritinho de dor. Lacuna. Falam pra Flor a respeito de peixes. Lacuna. Continuam tocando música de velório e dá-lhe mais música de velório. PREENCHENDO AS LACUNAS Agora retirando a música melosa e choronomica, vamos ver se consigo adivinhar. Posso imaginar que a Flor estivesse passando a mãozinha sobre as diversas plantas que estavam por ali. Mas como tinha aquela música de velório, acredito que deveria ter algum defunto sendo velado por lá também, e por isso, a Flor dá aquele gritinho de susto, porque passou a mãozinha por sobre a cara gelada do presunto. Como o velório prosseguia, eles saíram de lá e foram para um mercado de peixe onde o Feitosa comprou um quilo de sardinha para comerem depois do passeio... fritas a milanesa com limão! Hummmmmmmmm. Fiquei até com vontade de comer umas iscas de peixe na praia grande! (praia grande!) Puts! Coisa de pobre mesmo!! Tenho certeza que se fosse a Dona Giovanna ela iria comer camarão em Copacabana! Isso sim é ser gente fina!! E a cena acaba! Ufa! Gio! Pede pra Glória botar audiodescrição na novela do Jatobá! Um dos lados interessantes dessas novelinhas é que elas fizeram sucesso também em Brasília, dentro do Ministério das Comunicações, onde uma amiga, Denise Granja, na época Assessora Jurídica do Ministério e atualmente Presidente do CONADE, Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, recebia e redistribuía os capítulos aos colegas do Ministério. Certa vez me confidenciou que, recebendo em audiência os dirigentes da Rede Globo de Televisão, procurou demonstrar- lhes a importância da audiodescrição. Tendo esgotado sua capacidade para explicar e percebendo que ainda estava difícil para o grupo compreender a finalidade do recurso, chamou-os até a sua sala e mostrou-lhes alguns capítulos da novelinha. Segundo ela, o resultado foi uma sucessão de gargalhadas e, por fim, a constatação do grupo: se era daquele jeito que as pessoas com deficiência visual entendiam as coisas, então estava bem complicado e algo deveria ser feito. 3º Momento: A audiodescrição e o apoio do Governo do Estado de São Paulo Em Março de 2008, foi criada a Secretaria de Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência, dentro do Governo de São Paulo, mostrando novamente a preocupação do Governador José Serra com esse segmento social, uma vez que quando exerceu o cargo de Prefeito da Capital do Estado, já havia criado a Secretaria Municipal das Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida. Na ocasião fui convidado pela Secretária titular da pasta, Dra. Linamara Rizzo Battistella, para integrar a equipe da Secretaria e levar para lá as demandas reprimidas do segmento de pessoas com deficiência visual. Os objetivo eram a construção e a implementação de políticas públicas direcionadas a esse público em especial, assim como a garantia da consolidação dos direitos das pessoas com deficiência de maneira geral em todo o Estado de São Paulo. Obviamente que a necessidade da audiodescrição estava no pacote de preocupações da Secretaria. No entanto, eram tantas as demandas do público com deficiência, que acabamos tendo que priorizar determinadas urgências que pipocavam aqui e ali, deixando outras, apesar de igualmente importantes, um pouco para depois em virtude da falta de condições técnicas e humanas para cuidarmos de tudo ao mesmo tempo. Todavia, a luta por direitos das pessoas com deficiência no Brasil assemelha- se a um carrossel de emoções, pois ao mesmo tempo que damos um passo para frente, surge algum movimento contrário nos obrigando a dar dois ou três passos para trás. Assim, no final do ano de 2008, pegou-nos de surpresa a notícia da publicação da Portaria 661/08, do Ministério das Comunicações, que, em desconformidade com o Decreto 5296/04, suspendia o início da implantação da audiodescrição nas televisões brasileiras. Novamente, o segmento precisou se articular em torno daquela nova agressão aos seus direitos à cidadania. Dentre outras, uma das alegações para a publicação da Portaria 661/08 foi que no Brasil não existiam profissionais formados em número suficiente para atenderem à demanda das televisões obrigadas a se adaptarem àquele recurso de acessibilidade. Mesmo sendo essa alegação apenas uma cortina de fumaça para ocultar os verdadeiros motivos para a publicação da Portaria e que não cabe abordar aqui, prontamente a nossa Secretaria se colocou ao lado das pessoas com deficiência na luta contra a violação de seus direitos, inicialmente promovendo, em 2008, o 1º Encontro Nacional de Audiodescritores, realizado em São Paulo, no espaço da Pinacoteca do Estado. Ademais, nesse meio tempo, a Secretaria já vinha mantendo contato com o governo espanhol, agendando nossa visita com o objetivo de conhecer as políticas públicas destinadas à acessibilidade, à reabilitação e inclusão, adotadas naquele país. Tínhamos como metas* inteirarmo-nos da legislação espanhola em relação às pessoas com deficiência, obtermos conhecimento de novas ajudas técnicas disponíveis e estabelecermos contatos para atividades de cooperação técnica em áreas de interesse mútuo. O roteiro dessa viagem precisou sofrer alteração de última hora ao ser inserido, como instituição de visitação obrigatória, o CESYA, CENTRO ESPAÑOL DE SUBTITULADO Y AUTODESCRIPCIÓN, vinculado à Universidade Carlos III, objetivando conhecer as atividades do centro, estabelecer contatos para atividades de cooperação técnica no campo da audiodescrição, bem como na capacitação e definição de competências de um audiodescritor. Durante a visita soubemos que o CESYA estabeleceu um convênio com a Academia de las Artes y las Ciencias Cinematograficas de Espanha, auxiliado pela legislação, que determina que as salas de cinema estejam preparadas para receber filmes acessíveis. Nesse sentido, uma experiência realmente marcante que vivemos na Espanha, ao conhecermos o trabalho do CESYA, foi ter tido o privilégio de podermos assistir à exibição do filme Quem quer ser um milionário, ganhador de sete Oscars em Hollywood em 2009, que acabara de ser lançado em circuito comercial na cidade de Madrid, totalmente acessível para pessoas com deficiência visual e auditiva. Fomos convidados de honra do CESYA para a exibição, que ocorreu em um cinema central da cidade, em uma sessão também aberta ao público sem deficiência, ou seja, uma sessão de cinema realmente inclusiva. Foi extremamente gratificante estar naquela sala de cinema junto com tantas outras pessoas com e sem deficiência, todas assistindo ao mesmo filme e no mesmo momento, cada uma tendo sua especificidade atendida e podendo desfrutar do prazer e da emoção daquele entretenimento. Confesso que mesmo com a barreira do idioma, dublado e audiodescrito em espanhol, consegui ter uma compreensão ampla da trama podendo discuti-la com meu colega de Secretaria que não possuí deficiência visual. 4º Momento: A Audiodescrição e a busca pela profissionalização Como discutido, a audiodescrição não chegou a ser implantada no Brasil com o forte argumento de falta de profissionais qualificados para exercerem essa profissão. Objetivando, pois, eliminar qualquer tipo de barreira, a Secretaria de Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência de São Paulo deu início, em 2009, a um projeto que visa à criação de Curso de Especialização Lato Sensu, dentro da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Dessa forma, pode se tornar realidade a formação de profissionais qualificados e preparados para exercerem a profissão de audiodescritor com a qualidade que essa ferramenta necessita. Para a concretização do projeto, fui encarregado de montar um grupo que reunisse especialistas de diversas áreas do conhecimento humano, acadêmicos, artistas, intelectuais, representantes de instituições para pessoas com deficiência visual, entre outros. Tal grupo terá como função criar as condições necessárias para que o curso seja efetivamente implantado, reconhecido, de modo a qualificar o maior número possível de pessoas que irão, efetivamente, exercer essa profissão tão importante para a garantia de inclusão e acessibilidade às pessoas com deficiência. Este grupo vem se reunindo periodicamente e já temos praticamente uma grade curricular montada, com um espaço dentro da USP para a montagem de um estúdio com todo o equipamento necessário para o desenvolvimento das disciplinas. Caminhamos, assim, com muita motivação e empenho para alcançarmos nossa meta e construirmos um curso que certamente vai se tornar uma referência para todo o Brasil. Em suma, esses foram alguns dos momentos nos quais atuei, direta ou indiretamente, para que a audiodescrição fosse mais difundida e compreendida pela sociedade brasileira. Mantenho um site na Internet – www.livroacessivel.org – em que conto um pouco de cada uma das lutas que encampo, reivindicando uma sociedade mais justa e igualitária: a luta pelo livro acessível, pela Universidade acessível e pela televisão acessível, esta última diretamente relacionada com o recurso da audiodescrição. Espero que o visitem e que nos ajudem a realizar esse sonho. Referências CESYA – Centro Espanhol de subtitulado y autodescripcion - www.cesya.es/ CONADE – Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência - - www.mj.gov.br/conade/ Faculdade de Comunicação da Universidade de São Paulo - www.fe.usp.br Livroacessível - www.livroacessivel.org Ministério das Comunicações - www.mc.gov.br Rede Globo de Televisão - www.redeglobo.com Rede SACI - www.saci.org.br Secretaria dos Direitos das Pessoas com Deficiência - www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br Universidade São Marcos - www.smarcos.br YAHOOGrupos - www.yahoogrupos.com.br A EXPERIÊNCIA DA VIVO – PIONEIRISMO E MULTIPLICAÇÃO Eduardo Valente e Luis Fernando Guggenberger* O Teatro Vivo, endereço do circuito cultural de São Paulo que integra as instalações do prédio sede da Vivo na capital paulista, foi o primeiro da América Latina a oferecer audiodescrição para pessoas com deficiência visual. A novidade, que seria incorporada definitivamente à rotina da casa, estreou em julho de 2006, com a peça O Santo e a Porca. Não se tratava de um espetáculo comercial. Era mais um evento do “Vivo no Teatro”, programa social da empresa que oferece apresentações teatrais gratuitas para grupos de estudantes e professores da rede pública de ensino e instituições parceiras do Instituto Vivo, entidade sem fins lucrativos criada pela Vivo em 2004. A aceitação do público e a repercussão na imprensa não deixavam dúvidas: ali estava uma semente a ser cultivada. A introdução da técnica no Teatro Vivo foi uma evolução natural do trabalho do grupo de voluntários da organização que, três anos antes, haviam definido a inclusão de pessoas com deficiência visual como foco de suas atividades, tendo a educação como direcionamento inicial. Em 2006, o programa de voluntários da Vivo já contava com um centro de produção de materiais paradidáticos em braille em São Paulo e com um centro de gravação de audiolivros no Rio de Janeiro – pólos que atendem demandas de instituições e de pessoas com deficiência visual de todo o País. A vivência nesse universo, porém, apontava para outra oportunidade inclusiva, desta vez no âmbito cultural. A Vivo tinha o teatro. Faltava descobrir como o espaço poderia ser usado para incluir. A ideia original dos voluntários foi realizar audiodescrição “um a um”. Ou seja, cada voluntário sentar-se-ia ao lado de um espectador com deficiência visual para fazer o relato das cenas. Além do número de pessoas necessárias à tarefa nesse modelo, o zum-zum-zum da conversa ao pé de ouvido entre audiodescritores e as pessoas que precisam do recurso certamente incomodaria o restante do público. Foi a professora Lívia Motta, na época integrante do Grupo Terra, quem sugeriu utilizar o sistema de tradução simultânea já disponível no Teatro Vivo, introduzindo a audiodescrição nesse espaço do mesmo modo como é utilizada em teatros em outros países como Inglaterra, Estados Unidos e Espanha. E foi ela, também, quem capacitou o primeiro grupo de 20 voluntários para a audiodescrição. Eduardo Valente, então coordenador do programa de voluntários e um dos audiodescritores formados na primeira turma, lembra que os funcionários da Vivo instalados na cabine para fazer a primeira audiodescrição de O Santo e a Porca estavam nervosos como atores em dia de estreia. Além de se tratar da primeira experiência, uma oportunidade de praticarem o que estavam aprendendo no curso, nessa época a audiodescrição ainda não era roteirizada, o que demandava um esforço extra dos audiodescritores. Houve entradas descompassadas em relação ao diálogo dos atores e nem todos os audiodescritores conseguiram manter o tom sóbrio do relato. Pelo fone de ouvido, as pessoas com deficiência visual ouviam as risadas de Rosilene Cortes de Almeida, voluntária do departamento de marketing, a cada cena cômica da peça. A certa altura, ninguém sabia se aquelas pessoas da plateia se divertiam com o espetáculo ou com as gargalhadas da própria Rosilene. Mas os benefícios superaram os percalços, e a estreia da audiodescrição foi um sucesso. Após cada espetáculo, era feita uma reunião com o público com deficiência visual para identificar aspectos a serem aprimorados. Uma das melhorias, ainda na peça O Santo e a Porca, foi a definição de um roteiro para a audiodescrição, o que garante a adequação quanto à linguagem de cada espetáculo. Houve outras. A própria empresa se adaptava à nova atividade e à presença desse novo público no Teatro Vivo. Por exemplo: a norma de segurança que proibia a presença de animais no prédio foi revista, abrindo exceção para os cães-guia que acompanhassem pessoas com deficiência visual. A positiva reação ao serviço de audiodescrição em O Santo e a Porca levou a outras perguntas: por que não disponibilizá-lo numa peça comercial? E os voluntários audiodescritores: estariam eles preparados para isso? A resposta foi “sim” às duas questões. Em março de 2007, entrou em cartaz a peça O Andaime, com Claudio Fontana e Cássio Scapin no palco e os audiodescritores da Vivo nos bastidores, dentro da cabine, fazendo o relato dos elementos visuais relevantes do espetáculo para as pessoas com deficiência visual. Por telefone, e-mail e pessoalmente, foram várias mensagens de elogio e agradecimento recebidas pela empresa. O assunto era destaque na imprensa e nas redes sociais da internet. Desde então, todas as peças que lá são apresentadas contam com o recurso (A Graça da Vida, Sapato Apertado, A Ideia, O Doente Imaginário, Cartas de Amor, A Cabra ou Quem é Sylvia, Vestido de Noiva, Mãe é Karma, A Música Segunda, O Doido, Coração Bazar), além de Figurinha Carimbada no Teatro Alfa. Decididamente, a causa da inclusão de pessoas com deficiência visual, que nascera no programa de voluntariado, ganhava dimensão maior. A iniciativa do grupo de voluntários sempre recebera total apoio da empresa, mas a partir daí seus contornos foram sendo ampliados. Desde que assumira a Diretoria de Comunicação e Relações Institucionais, área que engloba também o gerenciamento das ações de responsabilidade socioambiental da Vivo, Marcelo Alonso enxergava naquela expertise dos voluntários um potencial maior de benefícios para a sociedade. Desafiou e apoiou a equipe nos novos passos. Além do Teatro Vivo, que passou a disponibilizar a audiodescrição em todos os espetáculos da casa (em 2008, as peças passaram a contar também com tradução em Libras, para inclusão de pessoas com deficiência auditiva), o serviço começou a ser oferecido em filmes e eventos de cinema apoiados pela empresa nas mais diversas localidades do Brasil. Durante os Jogos Pan- Americanos de 2007, por exemplo, a Vivo montou um cinema ao ar livre na praia de Ipanema (RJ), incluindo a audiodescrição do longa-metragem O Ano em que meus pais saíram de férias. No mesmo ano, os voluntários marcaram presença no Festival de Cinema de Gramado (RS) e eventos paralelos, para fazer a audiodescrição dos filmes Saneamento Básico e Xuxa em Sonho de Menina. O serviço de audiodescrição também foi oferecido na estreia do filme O Passado, de Hector Babenco e no documentário Contratempo, de Malu Mader, além da exibição dos documentários Janela da Alma e Cego Oliveira no Centro Cultural São Paulo. Independentemente do filme ou peça a que estivesse sendo incorporada, a audiodescrição era um sucesso de público. A capacitação de novas turmas de audiodescritores da Vivo foi acompanhando o ritmo e a geografia da multiplicação dos espetáculos com a incorporação da técnica. Em 2008, foi a vez das pessoas com deficiência visual de Goiânia viverem sua primeira experiência com audiodescrição em um filme. Integrando a ação de lançamento de cartões de recarga que tinham como tema a história do cinema em Goiás, a empresa disponibilizou o serviço na sessão que apresentou o filme Nossa vida não cabe num Opala. Também em dezembro de 2008, houve a apresentação da peça A Arca de Noel em Gramado, contando com audiodescrição, experiência tão bem sucedida, que foi repetida em dezembro de 2009. Enquanto isso, na capital paulista, a companhia formalizava com a Secretaria da Cultura a primeira parceria para capacitação de pessoas externas à empresa na técnica de audiodescrição. O curso preparou 8 funcionários do Centro Cultural de São Paulo e 1 pessoa da Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, além dos funcionários da Vivo. Em 2009, o roteiro de expansão prosseguiu. Em abril, a audiodescrição estreou em Manaus (AM), no Teatro Amazonas, ao qual a Vivo doou equipamentos e fez a capacitação dos audiodescritores, contando com a expertise da professora Lívia Motta. Além da chegada da técnica a uma casa de espetáculos da Região Norte, havia outra grande novidade: o espetáculo em cartaz era a ópera Sansão e Dalila, a primeira no Brasil a adotar o recurso inclusivo para pessoas com deficiência visual. A segunda ópera audiodescrita no país foi Cavalleria Rusticana, desta vez em São Paulo, numa parceria da Vivo com o Theatro São Pedro, que logo se repetiria em I Pagliacci e em O Barbeiro de Sevilha. No mesmo período, a audiodescrição chegava ao Nordeste, no contexto das atividades do festival No Ar Coquetel Molotov, em Recife (PE), no longa-metragem Loki, Arnaldo Baptista, e em Ribeirão Preto, com a apresentação da peça Vestido de Noiva, no imponente Theatro Pedro II. Se a audiodescrição se reafirmava como uma atividade relevante no âmbito das ações de responsabilidade social da empresa, no contexto maior da inclusão cultural das pessoas com deficiência visual havia – e há – um longo caminho a percorrer. Nessa jornada, a Vivo vislumbrou mais uma maneira de aportar sua contribuição: conectando pessoas em rede, uma iniciativa inspirada nos mesmos conceitos que pautaram o reposicionamento da companhia em 2008. As bases desse novo posicionamento se assentam na crença de que na sociedade em rede as pessoas vivem melhor e podem mais. Que indivíduos conectados a outros indivíduos têm acesso a informações, meios e recursos que lhes permitem viver de forma mais humana, segura, inteligente e divertida. Essa crença – que passou a direcionar os negócios da Vivo como prestadora de serviços de comunicações móveis e a sua missão fundamental, que é conectar pessoas – estabeleceu também os novos alicerces de suas ações no âmbito da responsabilidade socioambiental. Afinal, seja qual for o foco – educação, inclusão de pessoas com deficiência, preservação ambiental, etc. –, por trás de cada iniciativa ou projeto estão redes de pessoas conectadas em torno de uma mesma causa: gente da Vivo, das entidades e organizações não-governamentais, das comunidades, do governo, da sociedade em geral. Assim, os projetos sociais foram estruturados em cinco frentes: Rede Vivo de Inclusão Social (que contempla, entre outras, as atividades relacionadas com audiodescrição), Rede Vivo de Voluntariado, Rede Vivo Educação, Rede Vivo de Gestão Social e Rede Vivo de Gestão Ambiental. Ao levar os cursos de audiodescrição para funcionários de órgãos públicos, ao estabelecer parcerias com outros teatros e instituições, ao patrocinar o 1º Seminário Nacional de Audiodescrição, realizado em São Paulo, em outubro de 2008, a Vivo já contribuía para estabelecer novas conexões, fomentando as redes de indivíduos interessados na causa da inclusão cultural das pessoas com deficiência visual. Avançando nesse movimento, um outro passo foi dado no segundo semestre de 2009 com a criação da Rede de Audiodescritores (vivoaudiodescricao.ning.com). O objetivo desse espaço baseado em plataforma Ning é conectar pessoas envolvidas com o tema para a troca de ideias e conhecimentos, organização e disponibilização de cursos e conteúdos e criação conjunta de roteiros de audiodescrição, entre outras atividades. Por meio dessa iniciativa, a Vivo disponibiliza a tecnologia com seus vários recursos de interatividade e contribui para animar a rede. Mas a grande aposta da Rede de Audiodescritores é no poder das pessoas para multiplicar as conexões e as ações e, com isso, multiplicar também o fator inclusão. Vida em Movimento – O Primeiro Documentário Brasileiro com Audiodescrição Marta Gil* Como tudo começou O ponto de partida da série Vida em Movimento situa-se no ano de 2006. Desde então, o projeto cresceu, gerando desdobramentos importantes. Este texto segue o fio do tempo, permitindo acompanhar e apreciar o processo. O Departamento Nacional do SESI – Serviço Social da Indústria solicitou ao Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas (www.amankay.org.br) uma proposta voltada para a elaboração de vídeos sobre Esportes Adaptados para Pessoas com Deficiência (PcD). Essa é uma área de atuação do SESI e, frente ao excelente desempenho de atletas apoiados pela entidade nas Paraolimpíadas – especialmente o Clodoaldo, na natação – havia interesse em reforçar sua presença. O Amankay foi procurado por sua expertise: é uma Organização da Sociedade Civil sem fins lucrativos, fundada em 1989 com a Missão institucional de produzir e disseminar informações que promovam a inclusão social e a qualidade de vida de segmentos sociais vulneráveis, com destaque para o das Pessoas com Deficiência (PcD). Em seu portfólio constam vídeos para a Secretaria de Educação à Distância do MEC – Ministério da Educação e para a TVE, dentre outros trabalhos. A demanda trazida pelo SESI desencadeou reflexões, que resultaram na ampliação do escopo inicial da ideia: além de focalizar esportes adaptados, seria importante mostrar também a importância do movimento e da atividade física nas aulas de Educação Física, nas atividades de estimulação, no brincar e nas atividades cotidianas, tão importantes para o desenvolvimento individual e social de todos, com ou sem deficiência. As reflexões nos levaram ainda mais longe: concluímos que o movimento leva à vida e que onde há vida, há movimento. Daí para a concepção da série e para decidir seu título foi fácil, só um pulinho. A proposta elaborada pelo Amankay e apresentada ao SESI contemplava a realização de 25 documentários, de 8 minutos de duração cada, tratando de temas como Inclusão, Acessibilidade, Desenho Universal, Tecnologias Assistivas, amizade, cultura, lazer, sexualidade e outros, tendo a inclusão como foco. A decisão pelo estilo de documentário sinalizava que os vídeos mostrariam “a vida como ela é”, que os entrevistados falariam do seu jeito, exprimindo suas vivências, dúvidas e certezas com suas próprias palavras. Vale a pena determo-nos no conceito da inclusão, pois ele norteou todas as decisões subsequentes: conteúdo, formato, roteiros, tratamento do tema, locações, edição final. O Brasil adota política e socialmente o modelo da inclusão, que diz respeito, diretamente, em média, a 14,5% da população total, correspondente a vinte e sete milhões de pessoas (Censo Demográfico 2000, realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que têm diversos tipos de deficiência ou incapacidade; e, indiretamente, a toda população. Esse modelo está respaldado pelos marcos conceituais vigentes no Brasil: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (ratificados pelo Brasil, em agosto de 2008, como Decreto Legislativo 186/2008, com equivalência de emenda constitucional) e posteriormente pelo Decreto Executivo 6.949/09, agora diretamente pelo Poder Executivo, a Declaração da Década (2006-2016) das Américas pelos Direitos e pela Dignidade das Pessoas com Deficiência (OEA) e a Agenda Social de Inclusão das Pessoas com Deficiência e Controle Social (2007), para citar apenas os mais recentes. Portanto, a inclusão é um processo em andamento e sem volta, que tem recebido atenção especial das áreas da Educação e do Trabalho, embora não se restrinja a um determinado ambiente social ou momento. Está dispensado! Quando falamos de inclusão na escola, esquecemos que, na maior parte das vezes, o aluno com deficiência é excluído da aula de Educação Física porque o professor não sabe como incluí-lo: não se sente habilitado e receia agravar a condição do aluno. Ora, essa aula é ansiosamente aguardada por todos, pois representa um momento de diversão e alegria. No entanto, a criança (ou o jovem) com deficiência não participa. A frase que define e resume essa situação é: “Está dispensado”. Essa exclusão acentua sua condição de “diferente” e contribui para “deficientizá-lo” perante os colegas, os professores e ele mesmo. Assim, todos perdem: os alunos sem deficiência – pois não aprendem a interagir com a diferença em uma situação de descontração e lazer, da qual o erro faz parte; o professor – que não exercita sua criatividade e sua capacidade de adaptação; o aluno com deficiência – que vê mais uma vez diminuídas suas oportunidades de conviver com outros, de exercitar seu corpo, de descobrir possibilidades e potencialidades, de encarar desafios, de se exercitar para a vida adulta. A Educação é o primeiro passo para a inserção na sociedade e deve cuidar do intelecto e do corpo, de forma harmônica. A Pedagogia atual entende que há uma conexão íntima entre corpo e mente que deve ser cultivada e incentivada, como parte integrante do processo de ensino/aprendizagem. Mesmo assim, a Educação Física frequentemente é relegada a um plano secundário e vista como menos “importante” do que Português ou Matemática. Nesse sentido, a série Vida em Movimento propôs-se a mostrar alternativas, recursos pedagógicos e estratégias de práticas inclusivas, enfatizando os benefícios, as vantagens e a alegria da inclusão. O esporte e a atividade física são meios de inserção social, de recreação, de promoção e manutenção da saúde, como demonstram as gravações de professores, alunos, familiares, técnicos e esportistas em praticamente todos os vídeos. As aulas de Educação Física são espaços importantes, onde a convivência pode ganhar novos formatos. Os professores de Educação Física lidam com potencialidades diferentes das necessárias nas outras áreas, cujo conteúdo é trabalhado, fortemente baseado em leitura e escrita. Assim, têm muito a partilhar com seus colegas que lecionam outras disciplinas. Daí o espaço que têm nos documentários. Vídeos: organização e locação A série está distribuída em quatro DVDs, contendo vinte e cinco programas com oito minutos de duração cada. Sua produção, desde a elaboração dos roteiros até a finalização, contou com uma equipe altamente qualificada. Após um levantamento extenso de situações, pessoas e iniciativas que refletiam o conteúdo desejado, fizemos uma seleção. Tivemos o apoio dos Departamentos Regionais do SESI na indicação de modalidades de esportes adaptados. O Amankay participou de todos os momentos, começando pela elaboração dos conteúdos, passando pela discussão de roteiros, sugestão de pessoas e entidades a serem gravadas, até as etapas de finalização e divulgação. As gravações foram feitas em diversas cidades nos estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, para abranger realidades distintas: escolas públicas e particulares, cidades grandes e pequenas, crianças, jovens e adultos, famílias com diferentes níveis de poder aquisitivo, evidenciando que a inclusão acontece em qualquer cenário. Os programas utilizam uma linguagem descontraída e, seguindo o lema do Movimento das Pessoas com Deficiência – Nada sobre nós, sem nós –, o apresentador escolhido, selecionado entre vários candidatos, foi um jovem cadeirante extremamente comunicativo. Para mostrar o cotidiano de crianças, jovens e adultos com deficiência física, visual, auditiva ou intelectual, os assuntos foram organizados em três blocos temáticos: Gerais: são 6 programas, que apresentam depoimentos sobre conquistas, aspirações e situações positivas relacionadas à família, ao trabalho, às relações afetivas, além de mostrar a importância, cada vez maior, do acesso a tecnologias assistivas e da saudável resistência a posturas discriminatórias; Pessoais: são 4 programas, que apresentam o dia-a-dia de quatro rapazes: um com paraplegia, um com síndrome de Down, um surdo e um cego; Específicos: são 15 programas, que trazem crianças e jovens com deficiência praticando diferentes modalidades de esportes, atividades físicas, jogos e brincadeiras; mostram profissionais de diversas áreas que utilizam, com sucesso, adaptações e recursos que permitem a inclusão e a prática dessas atividades de forma inclusiva. Recursos de acessibilidade Para respeitar os valores adotados (Inclusão, Acessibilidade e Equiparação de Oportunidades), os vídeos oferecem um menu de opções, que o formato DVD possibilita: * Somente vídeo; * Libras (língua brasileira de sinais) * Legendas; * Libras e legendas Diferenciais da série * Utilização de recursos de acessibilidade: Libras (língua brasileira de sinais); legendas; Libras e legendas; e somente vídeo; * Inovações: a série equivale a uma videoteca; foi a primeira vez, no Brasil – e talvez em outros países – que uma série abordando esta temática é realizada com esse número de vídeos e tendo como apresentador uma pessoa com deficiência; * Valores como protagonismo das Pessoas com Deficiência, inclusão, acessibilidade e equiparação de oportunidades permeiam todos os programas; * Alia realização técnica de alta qualidade e distribuição gratuita. O recurso da audiodescrição Durante o processo de realização, procuramos referências sobre a audiodescrição no Brasil, pois sabíamos de sua existência em outros países. Infelizmente não encontramos nenhuma informação e, para cumprir o cronograma estabelecido, finalizamos a série sem utilizá-lo. Imediatamente após a entrega do produto ao SESI, soubemos do trabalho de audiodescrição feito por Lívia Motta, em São Paulo. O SESI já havia providenciado a copiagem para suas escolas e não incorporou esse recurso. Então, o Amankay tomou a iniciativa de conversar com Lívia para conhecer mais sobre a técnica e saber da possibilidade de incorporá-la. Ela aceitou o desafio de colocar a audiodescrição nos vídeos prontos, o que certamente não é a maneira ideal de trabalhar. Por seu intermédio, o Amankay entrou em contato com o Instituto Vivo, que já conhecia e utilizava esse recurso e este, por sua vez, enquanto parceiro de Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual indicou o Estúdio Laramara. Após a elaboração dos roteiros de audiodescrição e sua aprovação pelo Amankay, Lívia trabalhou juntamente com Ernando Tiago, ator que gravou os textos; com Alexandre Luppi, responsável pelo Estúdio Laramara; e Nino Nascimento, que era o técnico de som. Essa equipe foi a responsável pelo excelente resultado alcançado: a locução não pode ser monótona, mas também não pode “roubar a cena”. Dosar a emoção requer sutileza e clareza dos objetivos a serem alcançados. Seu trabalho meticuloso permitiu encaixes praticamente perfeitos; em apenas alguns momentos, a voz de Ernando “transborda” o silêncio, mas não prejudica a compreensão, pois os timbres são diferentes. Essas parcerias, construídas de forma ágil, permitiram desdobramentos importantes: * A adoção do recurso da audiodescrição, completando o menu das opções de acessibilidade e contemplando pessoas com deficiência visual, deficiência intelectual e/ou com dificuldades cognitivas; * A elaboração de um encarte, com a parceria da empresa Planeta Educação, contendo informações complementares escritas por professores de Educação Física especializados na área da Deficiência e referências de sites; * A transformação da série em kit, composto pelos vídeos e pelo encarte; * O kit também obedeceu aos critérios de acessibilidade: a embalagem tem identificação em braille, assim como as etiquetas de cada mídia; o conteúdo do encarte foi gravado por locutores profissionais, um homem e uma mulher, para manter o interesse e evitar a monotonia; * A tiragem de 1.000 exemplares do kit, a serem distribuídos gratuitamente a interessados, preferencialmente entidades, bibliotecas e universidades. Desta forma, graças às parcerias do Instituto Vivo, do Estúdio Laramara e do Planeta Educação, mas graças também à ousadia dos que encararam uma situação desafiadora e à sua generosidade, foi possível agregar valor ao produto inicial e concretizar o projeto. Assim, a série pôde chegar às mãos de pessoas em todo o Brasil, e também em Portugal, Espanha, Ilhas do Cabo Verde, Angola e Moçambique, contribuindo para sua prática profissional e para o fortalecimento do processo de inclusão. Divulgação A série foi exibida para todos os Departamentos Regionais do SESI através de vídeo conferência, em julho de 2007 e contou com as presenças de dirigentes do SESI e da CNI – Confederação Nacional da Indústria, de representantes do MEC – Ministério da Educação, de Willian Coelho, o Billy, apresentador da série e do Amankay. Foi preparado um vídeo de apresentação, com 3 minutos de duração, além das falas das autoridades presentes. Foi emocionante assistir às manifestações de representantes de todos os Departamentos Regionais, que atestaram a importância desse material para seu trabalho e a lacuna que ele vinha preencher. Durante duas horas, o Brasil como que desfilou aos nossos olhos, com toda a diversidade de sotaques, formas de expressão e até de vestuário, pois as pessoas do Norte e Nordeste trajavam roupas leves de verão e as do Sudeste e Sul estavam encapotadas. Mas sua reação ao material foi unânime! O kit foi lançado, em agosto de 2007, no stand de Laramara na São Paulo Adventure Sports Fair, o maior evento dessa categoria, que recebeu mais de 50 mil visitantes. Os vídeos ficaram em exibição permanente. A partir do lançamento, o kit Vida em Movimento andou por suas próprias pernas, pode- se dizer. O Instituto Vivo divulgou-o através de sua Assessoria de Comunicação, do site e da Rede de Voluntários. O Amankay enviou um release em listas de discussão, que se multiplicaram de forma exponencial em sites, blogs, boletins eletrônicos e publicações. O site Bengala Legal (www.bengalalegal.com), criado por Marco Antonio de Queiroz, que é cego e programador, disponibilizou diversos dos vídeos, com audiodescrição, para download (www.bengalalegal/salavoz.php). Até hoje (início de 2010) o Amankay recebe demandas do kit. Os vídeos foram exibidos inicialmente pela TV Educativa de Jundiaí, SP e depois pela Fundação Padre Anchieta TV Cultura de São Paulo, de novembro de 2008 a janeiro de 2009, com excelente repercussão. Ao conhecê-los, os diretores da TV Cultura manifestaram seu interesse, pois a temática se coaduna com o caráter de televisão pública e explicitaram sua admiração pela qualidade técnica dos mesmos. Foi a primeira vez que uma emissora brasileira de televisão exibiu uma série de documentários com tal temática e com o recurso da audiodescrição. Sua forma de tratar a série foi muito respeitosa: o Amankay participou de todo o processo, incluindo a discussão do cenário elaborado especialmente para a série, as falas de apresentação das “cabeças” dos programas e o release. A divulgação foi ampla e o Amankay também foi o responsável pela interlocução com os telespectadores, que enviavam felicitações pela iniciativa. Os programas foram agrupados, três a cada semana, tendo Dudu Braga, filho do cantor Roberto Carlos como âncora. Importa lembrar que os programas emitidos pela TV Cultura são exibidos por outras emissoras educativas, alcançando praticamente todo o território nacional. Destaque-se, também, que em dezembro de 2009 a TV Cultura exibiu mais uma vez a série, em comemoração ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, que é comemorado dia 3 desse mês, por iniciativa da ONU – Organização das Nações Unidas. A repercussão do Vida em Movimento desde seus primeiros passos foi consolidada em clippings, que evidenciam a indiscutível importância desses documentários e as diversas possibilidades de utilização: em palestras, reuniões com pais e mães de pessoas com deficiência, capacitação de professores, mobilização de profissionais de Recursos Humanos, para estimular o protagonismo juvenil, trabalhar atitudes de empoderamento e desenvolvimento de lideranças, difundir estratégias pedagógicas... as possibilidades são inúmeras. Muitos conheceram o que é a audiodescrição através do kit, pois este recurso, a despeito de sua enorme importância e do empenho de audiodescritores e pessoas envolvidas com a acessibilidade, ainda é pouco conhecido no Brasil, assim como seus benefícios, que ultrapassam o segmento das pessoas com deficiência visual e incluem pessoas com deficiência intelectual, idosos ou pessoas com algum comprometimento cognitivo. Esse material representa um marco na produção de materiais na área da Deficiência, em termos de recursos de acessibilidade, de qualidade técnica e de incorporação de valores inclusivos e estabeleceu um patamar, que esperamos seja referência para os próximos produtos. O Amankay agradece imensamente ao Departamento Nacional do SESI e à CNI – Confederação Nacional da Indústria o convite para a realização, bem como a todos os parceiros e pessoas que colaboraram para concretizar o projeto Vida em Movimento. Sua realização está em consonância com a lenda quíchua da qual o Instituto retirou o nome e a inspiração. No início dos tempos havia apenas uma flor de amankay, no alto de uma montanha íngreme e que foi escolhida por Pachamac, o deus da Vida, como símbolo. Graças ao empenho de uma moça, também chamada Amankay, que escalou a montanha e colheu-a, para salvar seu amado, que estava à morte, a flor multiplicou-se por encostas e vales, brotando do sangue do coração, arrancado como preço de sua ousadia. PARTE II A PRIMEIRA AUDIODESCRIÇÃO A GENTE NUNCA ESQUECE Audiodescrição - poucas e precisas palavras Sidney Tobias de Souza* "A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida." Friedrich Nietzsche Altura, largura e profundidade. Quanta coisa pode haver no espaço tridimensional de um palco de teatro. Não se trata apenas de verbalização por atrizes e atores de textos de renomados dramaturgos como Gil Vicente, Bertold Brecht, Sófocles ou Shakespeare. É muito mais. É a interação com o cenário, é o nosso imaginário convidado pelos figurinos a se transportar para a época ou o local da trama. São emoções derramadas a nossa frente, mas não apenas por palavras, também no gesto contido, expansivo ou abrupto. Na expressão facial, no semblante. E eu, que de teatro gosto e teatro fiz, embora não mais pudesse ver uma cena, contentava-me em ouvi-la. Sim, ouvir as emoções, ouvir os movimentos. Mas algo sempre me faltava para um pleno entendimento. O público reagia, se manifestava, e eu, em pensamento, perguntava: o que terá acontecido? Uma piada gestual? Uma entrada sorrateira? Para exemplificar, pense na paisagem mais bela vista por você ao vivo e a cores. Agora imagine essa mesma paisagem estampada em uma foto. Por mais fidedigna que a imagem seja, não é a mesma coisa. Falta uma dimensão. Pois é, fui convidado um dia a assistir a uma peça teatral com audiodescrição. Chegando, surpresa! Além de receber em braille a ficha técnica com sinopse, tive a oportunidade de subir ao palco para conhecer o cenário. Isto foi excelente, pois durante a peça, eu não imaginava apenas atores se movimentando num espaço vazio com um fundo branco. Agora, havia cores, havia objetos. E isto já faz grande diferença. Graças à descrição detalhada dos personagens feita ainda antes da peça, as vozes tinham formas mais definidas. Eram gordas outras magras, sorridentes, sisudas, calvas, cabeludas, simples e ornamentadas. Mas o melhor ainda estava por vir. Conforme se desenvolvia a trama, passei a ver os personagens ora pegando um objeto, ora sorrindo para o outro. Se agachando, se levantando, ou seja, passei a ver os movimentos em cena... Não! Não por um milagre, mas pelo trabalho perito dos audiodescritores. Como disse Thomas Jefferson: "O mais valioso de todos os talentos é aquele de nunca usa duas palavras quando uma basta". E assim, de forma talentosa, com poucas palavras, mas precisas, os audiodescritores me faziam ver o que eu não podia e ouvir o que não estava sendo dito verbalmente mas pela linguagem gestual, pela expressão corporal, pela emoção estampada no rosto dos atores. E eu ia curtindo cada momento. Evidentemente nem tudo que acontece em cena pode ser descrito em tempo real, senão atrapalha, sobrepõe a fala dos personagens. Mas como o verdadeiro artista sempre simplifica, e para mim a audiodescrição é uma arte, de forma simples e direta eles faziam chegar aos meus fones de ouvido o essencial para compor o meu entendimento. Foi show. Depois dessa experiência inicial, fiz questão de assistir a outras peças, filmes e à primeira ópera com audiodescrição no Brasil. Eu, particularmente, sou assíduo frequentador de eventos culturais mas, agora com audiodescrição, as coisas mudaram. Eu aproveito mais o que me é oferecido, compreendo com mais facilidade sem ter que fazer perguntas a quem está comigo. Enfim, tem sido mais prazeroso assistir a tais eventos. Meu desejo é que se multipliquem, se espalhem, que se consolide por aqui esta ideia. Em Algum Lugar do Passado Joana Belarmino* A experiência da cegueira é única para cada indivíduo. Assim, aqueles clichês que se desenvolveram ao longo da cultura, de que pessoas cegas normalmente preferem o rádio à televisão, ou que geralmente os cegos têm tendência para a música, nem sempre encontram expressão de verdade na realidade. Os modelos de consumo da cultura por pessoas cegas, suas preferências, seus gostos, são tão variados quanto à experiência de cada um com respeito à sua cegueira. Sou filha de camponeses, e, em minha família de treze filhos, pelo menos sete, nascemos cegos. Eu diria que cada um de nós participa da cultura de modo diferente. Desde criança, desenvolvi um gosto acentuado pelos livros. Entretanto, sempre fui fascinada por televisão, e, na vida adulta, também comecei a me interessar pelo cinema, numa gama de gostos que incluía o romance, o drama, e, particularmente, a ficção científica. Curiosamente, enquanto boa parte dos meus irmãos adorava o rádio, eu nunca fui ouvinte assídua desse meio de comunicação. Assistir a filmes pela televisão sempre foi para mim uma aventura e um desafio. Entregava-me à diversão, literalmente às cegas. Muitas vezes, sozinha, em noites de sábado, assistia ao desenrolar do filme na TV, e, na minha cabeça, às apalpadelas, recolhendo pistas sonoras, adivinhando gestos, compunha outro enredo provavelmente completamente diverso do enredo do filme, quem sabe, milagrosamente próximo do filme propriamente dito. Muitas vezes, pelo menos para mim, construía uma compreensão razoável do filme, e, feliz, aguardava o seu final. E geralmente me via mergulhada numa zona de sombra, de incompreensão, visto que muitas das cenas finais se desenrolam através de aspectos eminentemente visuais. Meu primeiro contato com a estratégia da audiodescrição deu-se ao final do segundo semestre letivo do curso de comunicação da UFPb, em 2007. Meu ex-aluno, Ângelo Ramalho, convidou-me para a banca de defesa do seu Trabalho de Conclusão de Curso, que, segundo me disse, envolvia um trabalho de “adaptação” do filme, Em Algum Lugar do Passado. Sentada ao lado dos meus colegas membros da banca, compreendi que a minha tarefa ali era bem mais ampla do que a de julgar, comentar, avaliar. Ali sentada, eu era também telespectadora ávida por desvendar, com mais de dez anos de atraso, uma zona de sombra, um punhado de interrogações, um desespero por responder, como havia acabado o filme, que gesto fizera ele para desencadear o grito desesperado dela, os últimos dias do personagem principal, a forma como ele morrera. Extasiada, fiz como que uma espécie de viagem até uma noite de sábado, dez anos antes, em que, sozinha, diante da TV, vira aquele belo filme, sem qualquer recurso de audiodescrição. Remontei cenas, enxertei vazios, alimentei-me das inúmeras descrições, e, maravilhada, senti-me igual a todo mundo, quando acompanhei, com a narrativa da audiodescrição, o momento em que o protagonista sacou do bolso a moeda fatal que o levaria irremediavelmente de volta ao seu tempo. O trabalho pioneiro de Ângelo Ramalho na UFPb mereceu nota dez, e eu, desde então, converti-me em uma adepta pelo recurso da audiodescrição nos produtos audiovisuais. Na academia, dediquei-me a uma cruzada por compreender o fenômeno da audiodescrição, ao mesmo tempo em que busquei divulgá-lo em seminários, simpósios e conferências, assim como mobilizar pessoas cegas, em pequenas mostras para as quais programamos a exibição de filmes com o recurso da audiodescrição. Quando reflito sobre a realidade da cegueira, associando-a ao desenvolvimento histórico e sociocultural, percebo o grande salto dado com a era tecnológica, no sentido da sua potencialidade para a democratização da comunicação, trazendo à tona, inúmeras perspectivas para a ampliação do consumo adequado de inúmeros produtos da cultura, sobretudo os audiovisuais. Os insumos tecnológicos de fato podem minimizar os efeitos limitativos da cegueira, permitindo-nos adentrar em zonas de consumo anteriormente inimagináveis. Por que então ainda vemos tão poucos cegos em salas de cinema, ou usufruindo plenamente de produtos televisivos e teatrais? A resposta para esse dilema está na própria cultura. No modo como os governos, as empresas, os organismos institucionais pensam a sociedade, através de um modelo do consumidor médio, ou seja, um modelo excludente, incapaz de perceber nas pessoas com deficiência, uma importante fatia desse mercado informativocomunicacional. Quanto mais um indivíduo é estimulado, quanto mais a sociedade lhe oferta condições de consumo das coisas da sua cultura, mais esse indivíduo tenderá a crescer, a participar, a exercitar sua cidadania, com qualidade e autonomia. Os governos que não desatam os nós burocráticos e econômicos que emperram a acessibilidade, certamente condenam seus cidadãos com deficiência, a um isolamento injusto e impeditivo do seu crescimento como sujeitos de vontade, sujeitos de desejo,sujeitos de cidadania. Políticas excludentes, como a que assistimos no Brasil de hoje, na fatídica novela do Minicom e das empresas de comunicação, envolvendo a implementação da legislação e normas técnicas que disciplinarão a aplicação dos recursos de audiodescrição na TV brasileira, ampliam a profunda “brecha digital” que ainda caracteriza a América Latina, os países da África, face ao desafio da democratização da comunicação, do acesso às tecnologias e ao consumo dos bens e produtos literários, fonográficos, audiovisuais e tantos outros. A Incompletude do Olhar Elizabet Dias de Sá* Sempre gostei de filmes, teatro, espetáculos e outras atividades culturais, e a aproximação com o cinema e com o mundo das artes em geral era influenciada pela roda de amigos. Entre eles, um grupo de cinéfilos promovia encontros informais regados a aperitivos com petiscos e boas conversas sobre filmes. O rito desses encontros consistia na escolha de um filme para assistirmos juntos, em uma sala de cinema e, em seguida, todos iam para minha casa ou a de outro anfitrião disponível para aquela noite. Fazia parte do ritual, deixar um gravador ligado, enquanto as conversas, as brincadeiras e o riso rolavam soltos. Os comentários e as opiniões sobre o filme eram transcritos, editados e publicados por um dos cinéfilos do grupo em uma página de cinema do jornal Estado de Minas. Nessa época, ainda não se ouvia falar em audiodescrição e eu participava do mosaico de opiniões publicadas, graças aos amigos que liam a legenda do filme, descreviam as cenas visuais e muitas informações eram agregadas pelos comentários espontâneos. Em outras situações, quando sou convidada para ser debatedora ou palestrante de temas focados na apresentação de documentários, antes do evento, eu vejo o filme mais de uma vez com a colaboração de alguém. Em casa, vejo filmes dublados, na televisão ou em DVD e, depois, procuro saber quem viu o filme para me contar o final e preencher as lacunas. Muitas vezes, desisto de continuar quando há saturação de cenas visuais com silêncios prolongados entre os diálogos porque a trilha sonora, os ruídos e outros efeitos não são suficientes para a compreensão de uma cena crucial e definitiva para o desfecho da trama. Em meu primeiro contato com a audiodescrição, o filme não era atraente e, por isso, quase não tive paciência para chegar ao final. A expectativa em relação ao ineditismo do recurso preponderou sobre o conteúdo e eu me concentrei na narração das cenas mudas e de outros estímulos visuais com curiosidade e interesse profissional. Ao checar passagens do filme com outras pessoas, ficou evidente a omissão de informações cenográficas relevantes além da falta de sincronia entre algumas imagens e a descrição verbal. Mesmo assim, vislumbrei que se tratava de um recurso de acessibilidade indispensável para se desfrutar e compreender melhor um filme, uma peça de teatro ou um espetáculo de modo confortável e autônomo, o que, certamente, amplia as possibilidades de inserção social e cultural do público com deficiência visual e de outros beneficiários. Nesse contexto, tive experiências gratificantes tanto em relação ao conteúdo quanto à qualidade técnica da audiodescrição, gravada ou ao vivo, em Mostras e Festivais de Cinema que contemplavam esse recurso. Dessa forma, passei a usufruir da audiodescrição, sempre que possível, em atividades profissionais, de lazer e entretenimento. “Explora Guernica” e Outras Artes Em uma viagem a Madri, tive a oportunidade de ampliar minha experiência, participando da atividade “Explora Guernica” que o museu Reina Sofía oferece aos visitantes com deficiência visual: uma visita realizada em grupo de até quatro pessoas ou individualmente, de acordo com a necessidade de cada participante. A atividade consiste na exploração da obra de Picasso pelo contato direto com o ambiente de exposição e o espaço ocupado pela obra. Nessa visita, tive o prazer e o privilégio de ouvir a explicação e a descrição verbal detalhada de Guernica, feita, primorosamente, pelo coordenador do projeto. O processo de criação, a expressão das figuras, a interpretação, os recursos técnicos e outros aspectos são comentados de acordo com o interesse e o nível de aprofundamento desejado pelo visitante. Explorei, também, os seis diagramas táteis, representativos da Guernica, uma adaptação das imagens visuais para a linguagem tátil com a intenção de diferenciar, de forma simples, os contornos, as posições relativas, formas e expressões das figuras, com a orientação e a explicação simultânea, por parte do coordenador, do que se pretende transmitir em cada linha ou trama. Ainda em Madri, conheci o Museu Tiflológico , onde visitantes com deficiência visual recebem instruções e um audioguia eletrônico, que orienta o deslocamento autônomo para as diversas salas de exposição permanente. A coleção de monumentos arquitetônicos e escultóricos é exposta em maquetes com inscrições em braille, sendo a exploração tátil das obras de arte e do acervo de material tiflológico guiada pela narração descritiva dos componentes e de outros aspectos relevantes de cada obra. Recentemente, estive no Chile, onde visitei as três casas de Pablo Neruda, transformadas em Museu. Em Valparaíso, a visita a uma dessas casas foi orientada por um audioguia individual com a narração descritiva, em espanhol, inglês e português, de acordo com a preferência do visitante. Assim, foi possível explorar cada ambiente, manusear o mobiliário, tocar em várias peças e objetos expostos. Ação Educativa A partir dessas incursões, considero a audiodescrição um recurso indispensável em minha vida pessoal e profissional. Por isso, procuro introduzir esse tema em palestras, cursos e outras atividades de formação para o público de professores do ensino fundamental e do atendimento educacional especializado. Nesses eventos, o público tem a experiência de ouvir para ver o filme, o que mobiliza diferentes reações e potencializa a reflexão acerca de recursos pedagógicos e de acessibilidade no contexto educacional. Em meu trabalho no CAP-BH, já apresentei para grupos de jovens e adultos cegos alguns dos documentários da série Assim Vivemos, programa veiculado pela TV Brasil, e da mostra de curtas infantis e para adultos do “Dia Internacional da Animação”, nos quais se destacam a qualidade da narração e o profissionalismo dos audiodescritores. Ressalto que se trata de uma ação educativa, uma vez que a maioria desses usuários não tem o hábito de ir ao cinema, nem familiaridade com a audiodescrição. Por isso, a primeira aproximação costuma provocar o mesmo estranhamento observado no contato inicial dos usuários em relação aos programas leitores de tela com síntese de voz. A partir do impacto inicial, porém, emergem os comentários e opiniões acerca dos personagens, de informações secundárias ou complementares e de outros aspectos objetivos e subjetivos. Cada indivíduo tem contextos, necessidades e preferências com diferentes focos de atenção, conhecimento, curiosidade ou interesse. Por outro lado, a técnica e a objetividade são necessárias para se alcançar o ponto de consenso ou de equilíbrio no sentido de estabelecer parâmetros que contemplem o público com traços e características comuns. Mesmo assim, a audiodescrição será sempre incompleta porque a incompletude está presente em tudo que é visto pelos olhos humanos. Por mares nunca dantes navegados Cristiana Mello Cerchiari* A primeira vez que assisti a uma peça com audiodescrição não marcou muito a minha vida. Foi na Broadway, na cidade de Nova York, em 1995. Eu estava com um grupo de alunos cegos. Recebemos os fones de ouvido e disseram que iríamos escutar a descrição dos detalhes da peça. Quer seja pelo fato de eu ser uma estrangeira assistindo a uma peça em inglês, quer pelo longo tempo decorrido desde então, o fato é que minhas lembranças desses momentos podem ser resumidas em uma única frase: a peça contava a história de um casal que no final ficava junto. Nunca deixei de assistir a espetáculos teatrais nem a filmes, nem antes, nem depois dessa viagem, mas essa compreensão rudimentar e sintética dos espetáculos cênicos sempre me acompanhava, incômoda e constantemente, em todos eles. Por mais que eu conseguisse entender o enredo por meio dos diálogos, faltavam a linguagem gestual dos personagens, a movimentação durante as cenas, a construção de imagem de roupas de época... Sobrava constrangimento para perguntar, mesmo aos meus familiares, o que havia acontecido em um dado momento importante do filme. Afinal, eu não queria fazer barulho para não atrapalhar as outras pessoas. Essa situação começou a mudar quando tive a primeira chance de assistir a um espetáculo com audiodescrição: O Andaime. Era uma peça falada em português, no meu país!!! Não era uma notícia de jornal de um produto maravilhoso que ninguém pode comprar por causa de seu alto custo! Eu e os outros convidados pudemos conhecer o palco, o cenário e os audiodescritores. Além disso, recebemos o folder da peça em braille, atualmente tão preterido em favor das tecnologias da Informação. Foram momentos mágicos, que abriram novos espaços no meu rico mundo de quem nunca enxergou. Rico porque é repleto de palavras, de pessoas, conhecimento e sensações táteis, auditivas, olfativas e gustativas. Faltam, porém, as percepções visuais, a associação das palavras aos gestos e, em alguns casos, inclusive a imagem, a visão das cores, o significado das expressões faciais ... Decididamente, não sei enumerar todos os elementos que faltam, mas percebo que assistir a várias peças e a uma ópera com o recurso da audiodescrição tem contribuído decisivamente para enriquecer, diversificar e ampliar meu conhecimento de mundo e poder de observação, trazendo novos questionamentos, abordagens inovadoras e possibilidades de diálogo nunca antes imaginadas. Já vejo inclusive novas portas para pesquisas científicas! Como estamos navegando “por mares nunca dantes navegados”, como escreveu Camões, não sei exatamente onde vamos aportar, mas sei que quero estar neste barco. Um Caminho sem Volta Lothar Antenor Bazanella* Por muito tempo, gostava mais de ouvir o relato sobre filmes do que propriamente assisti-los, especialmente no cinema, onde não é conveniente contar com a narração de alguém que esteja ao nosso lado. Mesmo em casa, podendo recorrer à repetição em certos casos, não é tão simples. Dependemos da sensibilidade e da capacidade de síntese de quem assiste conosco. Nem sempre nos é dito aquilo de que precisamos para entendermos a cena e, muitas vezes, nos dizem coisas que em nada contribuem. Lembro uma vez em que me aventurei a assistir sozinho ao filme 2001, Uma Odisseia No Espaço, na TV. Creio que foi quando levei minha tolerância ao extremo. Só depois do terceiro intervalo sem ouvir uma palavra sequer, tendo apenas um zumbido como garantia de que a TV permanecia ligada, foi que desisti. No teatro, por diversas vezes ouvi a plateia cair na gargalhada sem que eu soubesse o motivo. E ficaria sem saber que gesto teria sido, tampouco qual era o cenário e o figurino se não houvesse alguém para descrevê-los. Por outro lado, certa vez fui a uma exposição de holografias e tive verdadeiramente a sensação de tê-las visto. É que a pessoa que me acompanhou possui um incrível senso de observação e sabe transmitir, como poucas, os detalhes de que precisamos para construirmos nossas impressões. Desde aquela data eu já sabia exatamente do que é que precisava para assistir a um filme, a uma peça, a uma exposição de artes etc. Só não sabia, ainda, como se chamava esse recurso. Meu primeiro contato com audiodescrição com qualidade profissional se deu por um filme disponível no site do Clube do Silêncio, de Porto Alegre. Já a primeira peça de teatro com audiodescrição feita dentro dos requisitos técnicos necessários para emprego em casas de espetáculo, foi O Andaime, no Teatro Vivo, em São Paulo. Desde então, tenho acompanhado a evolução desse recurso, tanto pela qualidade técnica quanto pela formação de novos audiodescritores. Embora já se ouça anunciar, aqui e ali, espetáculos com audiodescrição, o número desses eventos ainda está muito aquém do desejável. Além da elevação desse número, para que possamos contar com esse recurso também na programação televisiva, ainda falta vencermos a resistência dos meios de comunicação que, estranhamente, contam com a complacência do Ministério das Comunicações. Considero a audiodescrição um caminho sem volta. Por isso acredito que, apesar dos diversos e poderosos interesses contrários, muito em breve haveremos de chegar lá. Eu ouço, eu vejo, eu sinto as mesmas emoções que os outros Antonio Carlos Barqueiro* Lembro-me, ainda criança, sentado no chão do meu quarto, dividindo o espaço com a pequena oficina de costura de minha mãe. Eu brincando com meus carrinhos e minha mãe costurando e, ao mesmo tempo, ouvindo as radionovelas em seu radinho de pilha. Para mim, parecia uma história real, devido à boa interpretação dos radioatores; e a uma sonoplastia que invadia meus ouvidos, fazendo com que por muitos momentos eu parasse e, mesmo sem entender muita coisa, ficasse prestando atenção. Aos poucos, fui gostando daquele aparelhinho que transmitia emoções. As décadas de 60 e 70 foram bastante ricas no meio radiofônico. Programas como O poder da mensagem (com Hélio Ribeiro) e os grandes narradores esportivos, como Osmar Santos, faziam com que nossa imaginação viajasse para bem longe. Quando adolescente, me lembro de uma transmissão do carnaval carioca, pela Rádio Jovem Pan: a narração de Joseval Peixoto, certamente, proporcionava um colorido e uma emoção muito mais forte do que a televisão poderia mostrar. Nessa época, não podia imaginar que essa forma de comunicação seria tão importante para mim, ao se iniciar a perda de minha visão. A televisão, o cinema, a leitura de livros, jornais e revistas foram cedendo lugar àquele pequenino aparelhinho portátil, que eu levava para qualquer cantinho. Por alguns anos fui privado de muitas informações, pois não havia muito material em braille. Qualquer material em tinta, eu dependia de alguém, em seu tempo e em sua boa vontade, para ler para mim. Pude concluir minha faculdade, com a ajuda dos olhos de meus colegas e principalmente de minha namorada e, hoje, minha esposa, que em muitos assuntos não entendia o que estava falando, mas eu sabia o que estava ouvindo. Finalmente, com o surgimento da microinformática e da internet, as pessoas cegas começaram a receber informações e a interagir com outras pessoas, sem a necessidade de pedir ajuda a este ou àquele, agora ou daqui a pouco. Eu podia ler, pesquisar, estudar, responder, me comunicar com outras pessoas no meu tempo, no meu momento, quando eu quisesse; não mais no momento do outro e sem atrapalhar ninguém. Uma sensação de liberdade que não dá para descrever, só dá para sentir. Mas ainda faltava alguma coisa. Eu gosto, principalmente de assistir filmes, não importa se em TV ou em cinema, ou algumas comédias em teatro. Minha esposa, sempre me acompanhando e sempre me descrevendo. Nas salas de cinema ou em teatro, por mais que minha esposa seja discreta, respeite o local e tente não atrapalhar os outros espectadores, sempre um ou outro se incomoda com aqueles cochichos dela no meu ouvido. Isso faz com que, aos poucos, consciente ou inconscientemente, a gente vá se afastando dessas formas de entretenimento e passe a preferir ver um filme na TV por assinatura ou a alugar um DVD, pois assim não estará incomodando outras pessoas. A audiodescrição veio para proporcionar um verdadeiro conforto, para mim e para quem estiver me acompanhando. Eu ouço, eu vejo, eu sinto as mesmas emoções que os outros e no mesmo tempo dos outros. E, ao final do evento, posso discutir e comentar com as mesmas informações que os outros tiveram. Uma grande experiência para mim foi assistir à ópera Cavalleria Rusticana, no Teatro São Pedro em São Paulo, estilo que nunca havia experimentado ao vivo, até porque não interessava assistir a uma obra sem entender as letras das canções interpretadas. Através da audiodescrição, pude entender a mensagem, acompanhar as ações e, ao final do espetáculo, me emocionar como em poucas ocasiões. E, principalmente: podendo comentar com qualquer pessoa e até mesmo com qualquer crítico, pois havia recebido as informações necessárias. A primeira ópera audiodescrita a gente nunca esquece! Creio que ainda estamos em fase inicial da acessibilidade e que, ao longo do tempo, possamos escolher o método ideal. O mais importante é a convivência com os diferentes. Só assim, e aos poucos, estamos aprendendo a respeitar e lidar com as diferenças. Para que a audiodescrição possa ser mais difundida, seria importante uma maior participação especialmente das pessoas que atuam na área de comunicação, sejam elas, produtores, atores, diretores, publicitários, comunicadores... fazendo-as compreender que as pessoas com deficiência também são espectadores e consumidores e, portanto, necessitam de condições iguais para que sejam tratadas como cidadãos comuns. Isto não é um favor: é apenas o cumprimento de regras básicas para um relacionamento humano mais justo. Vendo o que outra pessoa vê Marcos André Leandro* Desde que começou o movimento pela audiodescrição no Brasil, eu procurei acompanhar de perto, porque sempre senti falta de algo assim para a total integração cultural e midiática das pessoas com deficiência visual. Lembro que quando eu era criança, minha avó costumava fazer esse trabalho. Isso quando nem mesmo se sonhava em algo assim no mundo. Mas minha avó e, creio que a maioria dos familiares de pessoas com deficiência visual, já tinham consciência dessa necessidade em nossas vidas. Pois certamente 99% dos cegos têm uma história para contar de um parente ou amigo que gostava de descrever as cenas e imagens de filmes, ou em passeios, descrever o ambiente. Assim era minha avó. Em todos os filmes que assistíamos juntos, ela descrevia todas as cenas com riqueza de detalhes. E, finalmente, em 29 de maio de 2009, eu tive a primeira experiência pessoal com a audiodescrição em uma peça de teatro. Sempre gostei de teatro, ia assistir peças desde que era criança, e sempre senti essas lacunas, pois em peças, não é possível descrever para a pessoa com deficiência visual sem que os vizinhos fiquem incomodados. A primeira audiodescrição foi maravilhosa, porque pude ter acesso total ao cenário, ao figurino, às expressões faciais, etc. E essas informações visuais, em conjunto com as informações auditivas que captamos, como impostação da voz, tom de conversa, formam um quadro completo da peça que estamos assistindo. Por vezes até nos distraímos, e nos pegamos a pensar quão bom é ter esse recurso. O recurso é tão rico e tão importante que até que nos acostumemos que agora somos respeitados, e podemos nos sentir iguais aos outros que estão ali, ficamos distraídos com essa meditação momentânea. Estamos “vendo” tudo o que qualquer outra pessoa do meu lado, está vendo. E isso chega a nos desconcentrar por momentos. E, fico imaginando como seria maravilhoso se tivéssemos isso na televisão, em todos os canais, em todos os programas, novelas, filmes e jornais. E naquelas legendas que aparecem na tela, como: “Ligue para o número que está abaixo!”, “Escreva para o e-mail que aparece em sua tela”... E em entrevistas em que aparece o nome da pessoa que está falando, em uma estreia de novela quando os atores e atrizes são apresentados com um fundo musical, mas nada é falado. Nós não ficamos sabendo quem vai participar daquele trabalho. E o mais interessante é que antigamente, quando eu era criança, lembro que isso não acontecia... Quando uma novela ia começar, o elenco era apresentado normalmente em voz alta. Por que é que mudaram isso? Muitas coisas que hoje reivindicamos, já existia na TV. Não entendo a razão de terem mudado isso. O fato é que a audiodescrição é um recurso indispensável para que a pessoa com deficiência visual se sinta inserida no contexto cultural, seja em teatro, seja em cinema, seja na televisão. E óperas, então, não consigo me imaginar assistindo a uma ópera sem o recurso da audiodescrição. Seria simplesmente frustrante. Realmente a primeira audiodescrição a gente nunca esquece. Não há como esquecer. É uma experiência única. A sensação de ser respeitado, de estar em grau de igualdade com qualquer outra pessoa ali presente não tem preço. Fechamento de um Processo Roger Martins Marques* Antes de mais nada, quero agradecer muito à Lívia por ter me dado este espaço para que eu pudesse contar como foi a minha primeira experiência com a audiodescrição. É verdade, a primeira audiodescrição a gente nunca esquece mesmo; porém, vou me permitir voltar alguns passos desta primeira audiodescrição, pois ao contrário de muita gente, para mim, a primeira foi o fechamento de um processo que já vinha acontecendo há algum tempo. Tudo começa com dois fatos que, até então, não tinham conexão nenhuma: o fato de trabalhar na Vivo e ser amigo de longa data da Professora Lívia. A professora, que já trabalhava como voluntária na Laramara, ensinando inglês para alunos cegos e com baixa visão desde 1999, viveu algum tempo na Inglaterra por conta do doutorado e voltou de lá com muitas ideias revolucionárias, no melhor sentido da palavra, ideias de inclusão e, principalmente, de inclusão das pessoas com deficiência visual. Por outro lado, havia uma pessoa que trabalhava comigo no Instituto Vivo, o Eduardo Valente, que não tinha nenhuma relação com o universo das pessoas com deficiência, mas que tinha no sangue o gene da inclusão. Ele sempre foi visionário, sempre encampou ações afirmativas em tudo que dizia respeito à empresa, desde produtos, acessibilidade no ambiente de trabalho como um todo e – por que não dizer? – acessibilidade aos eventos sócio- culturais que a Vivo realizava no seu teatro. Neste último quesito entra o nexo causal entre o trabalho da Lívia e o do Eduardo. Até onde me lembro, a Lívia estava em tratativas com a Vivo a respeito de algumas ações da empresa junto ao Grupo Terra, ONG na qual vinha trabalhando como coordenadora de projetos, junto com Isabela Abreu, a presidente da ONG. No meio dessa conversa surgiu algo sobre a audiodescrição e, por conseguinte, a ideia de ser colocado este recurso à disposição do público cego, principalmente porque o teatro já dispunha dos aparelhos de tradução simultânea, os mesmos usados na audiodescrição. Naquele momento, a Lívia já vinha estudando o recurso. Pude acompanhar esse embrião muito de perto, pois na empresa cuidava de ações de acessibilidade junto com o Eduardo, e também pelo fato de ser amigo da Lívia. Depois de algumas conversas, foi decidido que se criaria um curso para formação de audiodescritores, cujos alunos seriam os voluntários da empresa. Curso formatado, inscrições feitas, lá fomos nós para o primeiro encontro de formação, e digo “nós”, pois estava lá também, não só como consultor, mas principalmente como aluno. E o mais interessante desse curso, acho que foi ter sido o único curso de que participei, em que realmente havia uma interação entre quem ensinava e quem aprendia, pois foi um processo de construção coletiva, um curso bem estruturado, com muitas horas de aula, e principalmente muitas horas de laboratório com a peça O Santo e a Porca, que fazia parte de um projeto de inclusão cultural da Vivo para escolas públicas. Depois de todo este processo, foi formada a primeira turma de audiodescritores voluntários da Vivo e o teatro passou a ser o primeiro da América Latina a ter este recurso. Daí eu dizer que a peça O Santo e a Porca, apesar de ser a primeira peça que eu assisti com audiodescrição, na verdade, foi o fechamento de um processo que veio de algum tempo antes e com o qual me orgulho de poder ter colaborado um pouquinho. Como eu comentei acima, foi um processo de construção coletiva: além da minha participação, da Lívia, dos audiodescritores da Vivo, também o elenco da peça O Santo e a Porca muito se envolveu com o recurso, apresentando-se para as pessoas com deficiência visual, falando de suas roupas e personagens. Enxergar sem Ver Jucilene Braga* Sempre gostei de assistir televisão, ir ao teatro e cinemas; porém, sentia falta de um toque a mais. Compreendia o contexto, tanto que sou capaz de discutir qualquer que seja o filme, a peça ou, até mesmo, uma novela com qualquer pessoa, mas... mas.... Sabem aquelas cenas em que a música toca, vários acontecimentos passam nesse momento e tudo o que resta a uma pessoa com deficiência visual nada mais é do que a imaginação? Pois bem, por várias vezes passei e, às vezes, ainda passo por esse desagradável instante. Certa vez tinha um trabalho da faculdade para fazer. O trabalho consistia em assistir a um filme e analisar a protagonista da história. Acontece que eu não só tinha um problema, como dois. O filme era legendado e precisava de uma audiodescrição para as cenas, afinal de contas eu desejava realizar uma análise completa. Para isso, precisava ter acesso às mesmas informações que meus colegas de sala, não prejudicando o meu rendimento. Foi então que me lembrei de uma grande amiga que além de ser muito engajada com essas questões de acessibilidade para nós, pessoas com deficiência, tinha mais um ponto a favor, pois seu inglês é fluente. Não pensei meia vez, liguei para ela e logo marcamos o dia para assistir ao tal filme. Saí de sua casa muito satisfeita. Eu não só havia tido acesso às falas dos atores, como também aos gestuais das cenas. Sabia que era bom ter alguém que pudesse nos descrever algo, mas não sabia que era simplesmente maravilhoso. Eu gosto muito de cinemas, porém fico limitada aos filmes nacionais e infantis, (ainda bem que tenho um filho e os filmes infantis hoje em dia têm sido bem interessantes), mas confesso que desejaria poder ir ver como qualquer pessoa a uma estreia internacional sem ter de me preocupar com o idioma e a descrição. Em relação ao idioma já estou me esforçando e aprendê-lo, sem dúvida, será um ganho extraordinário para mim. Porém, a audiodescrição é totalmente indispensável. Por meio dela, é como se eu enxergasse sem ver. Em 2006 – até que enfim – alguém nos enxergou como público e surgiu, então, uma luz no final do túnel. Nesse ano, quando começamos um forte movimento por este recurso, pude ter a honra de assistir a uma peça audiodescrita por voluntários do Instituto VIVO. Nem preciso dizer o quanto saí feliz do teatro. Me senti respeitada, enxergada como pessoa consumidora, enfim, me senti como gente... Depois desta peça, outras mais vieram. E eu que já era fã de teatros, passei a frequentá-los com muito mais assiduidade e, hoje, faço até uma oficina teatral. Só quem vive na pele de uma pessoa que não vê pode avaliar o quanto é importante ter acesso a essas informações. Ainda tenho um grande sonho. Sonho que um dia nós, pessoas com deficiência visual, chegaremos aos cinemas, teatros, (seja qual for), museus, enfim, a todos esses lugares e nos sentiremos respeitados e considerados público de verdade. Para finalizar, porque poderia escrever horas a fio sobre o quão maravilhoso é o recurso da audiodescrição, proponho a todos que estão lendo este livro que fechem seus olhos em frente à televisão e se permitam assistir a uma cena sem ver. Mas façam isto de verdade. Não vale “roubar”, porque nós não podemos abrir os olhos quando a música toca e ter acesso às imagens que podem fazer todo o sentido para a história... PARTE III OLHOS QUE FALAM O OUTRO LADO DA MOEDA Letícia Schwartz* A família ainda lembra – e como esquecer? – da época em que me queriam fechar a boca com esparadrapo. Da infância à adolescência saía do cinema sempre tão empolgada que não resistia à tentação de narrar os filmes assistidos de cabo a rabo. Sim, contava até o final, o que por si só já deveria ser um crime inafiançável. Fazia ainda pior: descrevia de tal forma cada uma das cenas, sem esquecer detalhe, que meu relato durava bem mais do que as duas horas da sessão e a paciência dos ouvintes. Audiodescrevia e não sabia. Também ignorava, naquele tempo, que essa moeda tinha dois lados e que se conseguisse desenvolver uma tremenda capacidade de síntese poderia, talvez, transformar o vício em virtude. Conheci Moisés Bauer em final de 2008, quando tentava angariar a parceria da FREC para um projeto que previa a produção de audiolivros. Recebi bem mais do que podia esperar desse contato inicial. Saí daquela reunião com uma ideia, um nome e um caminho. Foi Moisés quem, pela primeira vez, me falou sobre a audiodescrição e indicou a entrevista da Graciela Pozzobon no Programa do Jô. Daí ao Blind Tube foi um pulo. E logo percebi que era exatamente aquilo o que eu queria fazer, que aquela poderia ser a minha maneira de fazer sentido. No sul do Brasil, a audiodescrição era então uma ilustre desconhecida. Pela internet pude recolher material, me informar, estudar. Existe muita gente no país realizando experiências fantásticas em diversos aspectos relacionados ao tema, desde o trabalho de audiodescrição propriamente dito até o desenvolvimento de pesquisas e a produção de teses acadêmicas. Como não podia, naquele momento, participar de cursos específicos de capacitação, resolvi aprender aplicando, na prática, as noções aprendidas na teoria e na análise do material disponível. Não fiz isso sozinha: Gabriel Schmitt e Bruno Klein, do Beco das Garrafas Estúdio, aceitaram me acompanhar no desafio e se dedicaram a pesquisar as questões técnicas; e o escritor Cezar Dias se propôs a prestar assessoria aos primeiros roteiros. Assim, com um laboratório à disposição e uma equipe entusiasmada, selecionamos dois curtas- metragens e um desenho animado infantil e começamos a desenvolver nossos protótipos. Nessa época, a FINEP abriu um processo de seleção para empresas que propusessem serviços inovadores. Animados pelos comentários favoráveis recebidos em testes dos protótipos, desenvolvemos um documento minucioso, que incluía pesquisas sobre o público-alvo, o mercado e a viabilidade do projeto. Isso tudo nos levou a aprofundar ainda mais nossos conhecimentos e a discutir a audiodescrição de forma cada vez mais profissional. O financiamento da FINEP deu início a uma nova fase. O estúdio foi rebatizado – o nome atual é Habanero Áudio – e passei a fazer parte da empresa, como responsável pelo desenvolvimento de um setor destinado especificamente à audiodescrição. Meu foco de trabalho é o roteiro e a narração, enquanto Gabriel e Bruno se dedicam às questões técnicas, que envolvem a gravação, a edição e a pesquisa permanente de formas de transmissão da audiodescrição, principalmente no que se refere a salas de cinema. Contamos ainda com a parceria de um escritor responsável por correções gramaticais e com a revisão final realizada por uma pessoa com deficiência visual, a fim de assegurar a clareza das descrições. A Mostra para Deficientes Visuais do Dia Internacional da Animação foi nosso primeiro trabalho e percorreu diversas cidades do Brasil. Foram treze curtas- metragens de animação, adultos e infantis, com diferentes temas e linguagens, exigindo, cada um deles, um estilo próprio de audiodescrição. A excelente repercussão e os comentários entusiasmados que recebemos constituíram evidência de que estávamos no caminho certo. Audiodescrever me deixa feliz. Simples assim. Discutir metodologias e sistemáticas, assistir a um mesmo filme até quase conhecê-lo de cor, estudar e me informar sobre assuntos que não domino para melhor compreender as imagens. Garimpar palavras que correspondam exatamente àquilo que quero descrever, cortar-ajustar-encaixar narrações nos espaços disponíveis como quem monta um quebra-cabeças. Ouvir o filme de olhos fechados e perceber que ele se torna compreensível. Conversar com pessoas cegas que comentam cenas mudas como se as tivessem visto. Possibilitar que se emocionem ou deem gargalhadas ou gritem de terror, que se divirtam ou que aprendam através da informação que estou transmitindo. Saber que podem compartilhar aquele momento com pessoas videntes. Fazer diferença. Fazer sentido. É importante ter consciência de que a audiodescrição não é um serviço meramente técnico. Assim como a arte, ela exige um envolvimento intenso com o projeto. É preciso sensibilidade para encontrar o vocabulário adequado e o tom de voz ideal para que a audiodescrição seja totalmente integrada ao filme. Um filme do Rambo não pede o mesmo vocabulário que um filme de Woody Allen. Um romance não pede o mesmo tom de um filme de terror ou de uma comédia. É consenso que o tom da narração deve ser neutro. Acrescento, porém, que ele deve ser expressivo. É preciso perceber, no entanto, que há uma diferença entre expressividade e interpretação. É função da narração propiciar o envolvimento do espectador com aquilo a que ele está assistindo e não roubar a atenção do próprio filme. A prioridade será sempre do som, dos efeitos, da trilha e, principalmente, das vozes dos atores. A audiodescrição não pode nunca competir com o que o filme apresenta de expressivo. Mas uma narração completamente neutra acaba por interferir na sensação que o filme provoca. Uma narração fria pode vir a ser um obstáculo a qualquer tentativa de envolvimento por parte do espectador. Os diálogos e os efeitos sonoros, com toda sua coerência, convidam a um mergulho no universo do filme, enquanto uma narração demasiadamente distanciada pode atuar como elemento de ruptura. Assistir a um filme não se restringe a compreendê-lo. Tanto o roteiro quanto a narração da audiodescrição devem se deixar impregnar pelo que há de subjetivo no filme. Caso contrário, o espectador estará obrigado a abrir mão do envolvimento absoluto em prol do mero entendimento. Para que esse objetivo seja alcançado, é preciso assumir o audiodescritor como um narrador da obra. Um narrador que não interfere na ação, na sequência dos acontecimentos ou na interpretação dos fatos, mas que, de uma maneira extremamente sutil, é parte integrante daquele universo. Os desafios são muitos e são imensos. Nesse momento, o maior deles não é apenas meu, nem se restringe aos audiodescritores. O maior dos desafios diz respeito à sociedade como um todo. É fundamental tornar a audiodescrição não apenas conhecida, mas presente. Provar que o cego vai, sim, ao cinema, e que frequentaria ainda mais as salas de exibição se elas contassem com recursos que lhe permitissem usufruir integralmente da programação. Provar que o cego assiste televisão, vai ao teatro, aprecia desfiles de moda. É preciso mostrar que os deficientes visuais constituem um público sedento de atividades culturais, potencialmente consumidor de arte, de entretenimento e dos produtos divulgados pelos patrocinadores. Recursos muito simples podem promover a participação efetiva desse público em atividades diversas e sua plena integração ao universo dos indivíduos capacitados a usufruir qualquer bem cultural. Para isso, é preciso viabilizar a exibição de programas com audiodescrição. Se os cinemas e teatros ainda não estão equipados (salvo poucas exceções que merecem todo o reconhecimento!) ou se as emissoras de televisão se recusam a fazer uso da tecla SAP para esse fim, o espectador cego não tem possibilidades de acesso integral e, consequentemente, é limitado o interesse que aquele produto lhe pode despertar. Ao mesmo tempo, enquanto o público cego não se impuser na condição de potencial consumidor, não haverá investimento em alternativas de integração nem em equipamentos que a tornem possível. Romper esse círculo vicioso é o primeiro passo para que a audiodescrição ocupe efetivamente o lugar que lhe é devido. Deve ser também levado em consideração que, ainda que o público portador de deficiências visuais seja o destinatário preferencial da audiodescrição, os possíveis beneficiários deste recurso formam um universo bem mais amplo. Pessoas afetadas por Síndrome de Down, dislexia e autismo encontram na audiodescrição um elemento facilitador, que permite uma maior compreensão do que é apresentado. E existem, ainda, outras aplicações que podem ser exploradas. É o caso, por exemplo, de professores que encontraram, na audiodescrição, uma alternativa lúdica para o ensino da língua portuguesa, tanto para aprimorar a redação de alunos brasileiros quanto para enriquecer o vocabulário de alunos estrangeiros. A audiodescrição se configura, pois, como um recurso de enorme utilidade para um público extenso e diversificado, o que justifica sua difusão em larga escala. Porém, mais relevante do que o número de pessoas beneficiadas é a oportunidade de uma inclusão real daqueles que, sem ela, continuariam impedidos de ter acesso ao universo da produção audiovisual. A GRANDE HISTÓRIA DA ÁGUA Leonardo Rossi Lazzari* A audiodescrição surgiu na minha vida como uma grande novidade, e também uma grande surpresa. Foi por um convite do meu amigo e parceiro de longa data, Maurício Santana, que um dia me ligou e disse que a gente faria "televisão para cegos". Como adoro desafios, topei a ideia na hora! O Maurício já estava com uma empresa em São Paulo, a Iguale Comunicação de Acessibilidade, que também presta serviço de Closed Caption. Como a audiodescrição se tornaria lei através da portaria 310 do Governo Federal, a Iguale entrou em contato com diversas emissoras de televisão de São Paulo, e assim fizemos alguns pilotos: Smallville (As Aventuras de Superboy) e SBT Repórter para o SBT, O Pica-Pau para a Record e até Pânico na TV ao vivo, para a RedeTV. Os produtos foram muito bem recebidos pelas emissoras, e estava tudo engatilhado para uma era inteira de trabalho, até que o Governo pressionado pela ABERT (Associação Brasileira de Rádio e TV) desobrigou a transmissão. Mas nós não desistimos e tentamos outros caminhos, como comerciais de TV, teatros e cinemas. E eis que um dia surge a Natura, e eu recebo uns dos maiores presentes da minha vida: narrar o primeiro comercial audiodescrito do país, chamado A grande história da água. Que responsabilidade! O roteiro da audiodescrição foi do Maurício, e ficou assim: 00:00 - (AD) Desenhos de bolhas de sabão. Natura Naturé apresenta: 00:05 - (AD) Crianças sentadas em roda à beira de um lago. 00:11 - (AD) Desenho animado de gotas de chuva caindo. 00:20 - (AD) Desenho de gotinhas de água evaporando e formando nuvens no céu. 00:29 - (AD) Desenho da água passando por vários encanamentos subterrâneos e chegando nas casas. 00:42 - (AD) Cenas de crianças felizes tomando banho. 00:52 - (AD) Embalagens coloridas. 00:59 - (AD) Marca Natura. Com o tempo outros trabalhos vieram. Mais três comerciais da Natura: Mamãe e Bebê, Kaiak – O que move você?, e o mais recente Banho de gato; os documentários: Cidade dos Anões, Curadores e Zona Desconhecida; os filmes para a Mostra Sul-Americana de Cinema dos Direitos Humanos: Cocais, Unidad 25 e No Se Lo Digas a Nadie; outro da Retrospectiva do Cinema Brasileiro: Um homem de moral; além dos filmes do circuito comercial: A mulher invisível e O contador de histórias. Esses filmes todos da Mostra e da Retrospectiva foram narrados ao vivo, com uma cabine instalada nas dependências da sala de cinema do CineSesc, em São Paulo. Devo confessar que foi uma experiência e tanto! O fazer ao vivo é muito emocionante porque você tem que estar plenamente antenado: qualquer vacilo, você perde a cena e, aí, não tem volta. E é muito gostoso estar presente com os ouvintes, e saber deles in loco como foi seu trabalho. É sempre um desafio fazer uma audiodescrição. Muitas perguntas vêm à cabeça: O que descrever? Que palavras usar? O que é realmente importante? O que procuro fazer ao roteirizar é primeiro assistir ao filme como espectador, porque é preciso curtir e apreciar a obra em que se está trabalhando. Só depois é que inicio a decupagem, trecho por trecho, tentando encontrar o essencial de cada cena, a fim de descrever o melhor em função do tempo – até porque não se produzem filmes pensando que algum dia alguém vai descrever as cenas que não contêm diálogos! Como narrador procuro buscar uma certa neutralidade na interpretação, mas sem me tornar monocórdio. Creio que a narração se deva valer da qualidade do produto. Leveza em comédias, seriedade em dramas e assim por diante, mas nada que interfira ou antecipe algo ao espectador, pois isso cabe aos personagens, às trilhas e aos climas do próprio filme. O audiodescritor não deve chorar ou sorrir, ou fazer qualquer juízo de valor. Projeção e dicção de voz são muito importantes, pois o nosso produto se faz ouvir por meio dela e os nossos receptores, em sua grande maioria, têm percepção auditiva mais apurada. Resumindo minha relação com a audiodescrição, posso dizer que depois de anos trabalhando com comunicação, finalmente encontrei algo que me permite fazê-la grande, em alcance e relevância. Emprestar o olhar Rô Barqueiro* Emprestar o olhar é um exercício diário há muito tempo. É inovador e desafiador a cada instante porque seu significado é dinâmico dependendo de quem empresta e de quem toma esse olhar. Quando tinha meus 13/14 anos, meu pai dizia: “a gente só dá o que tem” referindo-se às relações com os irmãos, amigos, com os presentes que queria ofertar e que nem sempre podia, inclusive porque não tinha o dinheiro para comprar... Ele me fazia ver a importância dos vários assuntos e não só do que eu queria saber. Falava-me do quanto as coisas podiam ser interessantes. Gostava de conversar comigo, falava de política, de cultura, de arte, esporte, religião e em cada assunto um envolvimento profundo. Muitos dos meus valores foram sendo construídos nas reflexões proporcionadas pelas sábias palavras que meu pai usava para me fazer pensar o que a vida me mostraria ao longo do meu desenvolvimento. É muito bom lembrar das histórias do meu pai, da riqueza de detalhes com que contava seus causos e suas vivências. Da tradução que fazia das suas pescas, dos seus passeios, das músicas italianas, das óperas, dos filmes... segundo seu olhar e seu entendimento. Acredito que foi assim que começou minha relação com a audiodescrição. Fui estimulada desde cedo a olhar além do que meus olhos podiam ver. E isto, certamente, foi um grande ganho para minha vida. Desde cedo fui muito observadora, e até mesmo por força do exercício profissional isto se potencializou e, como nos últimos 30 anos vivo as questões relacionadas com as pessoas com deficiência, com seu entorno... entre mil outras coisas fui reconhecendo nas atitudes das pessoas a importância da informação, do acesso à informação. Incomodo-me quando penso na privação que as pessoas com deficiência visual passam. Mesmo sendo sensíveis, perceptivas, inteligentes, curiosas... nem sempre a informação está disponível e/ou acessível. Uma simples informação pode interferir na vida de forma positiva ou negativa – em menor ou maior grau de importância. Mas o fato é que interfere. Vivemos num mundo que prioriza o visual, e suas mensagens visuais (como diriam os adolescentes) são “super hiper mega supra” valorizadas. Assim, as pessoas que não enxergam ou enxergam alguma pouca coisa são privadas de alguns significados relevantes para o seu dia a dia. O olhar das pessoas, as expressões, os sinais, as placas, os mapas, os espaços, a decoração, as roupas, as simetrias, o abstrato ... tudo fica a encargo do imaginário de cada um e das pistas captadas quando são oferecidas. Se por um lado assusta, por outro surpreende, mas fico pensando que se estas pessoas conseguem sobreviver com certa qualidade mesmo assim, imagine se a elas fosse dada a mesma condição que nós possuímos? Talvez tivessem mais chances de serem brilhantes ou ainda mais brilhantes. Além de, também, nos proporcionar condições melhores. Afinal conviver com pessoas melhor preparadas pode nos faz melhor. O convívio diário com as pessoas com deficiência visual nos incentiva a novos olhares, ou melhor, novos significados para o olhar. Amplia o nosso saber. Ao descrever uma expressão ou algum detalhe percebido ou solicitado, conseguimos dar maior nitidez àquilo que estamos olhando. Nem sempre mantemos os valores atribuídos àquela primeira visão e este é o grande lance. Parece muito fácil falar o que se vê. Simples, não é? Não é!!! É trabalhoso e extremamente difícil conciliar de forma harmonizada o que se vê com o que se fala, sente e faz, na mesma velocidade que acontece. Aquela história que diz que uma imagem pode expressar mil palavras parece fazer sentido neste contexto. Quando decidi fazer o curso de audiodescrição, foi mesmo para buscar uma técnica que me ajudasse a ser mais objetiva, assertiva nas minhas descrições porque percebi que tão cedo não deixaria de compartilhar meu olhar, não apenas porque faz parte do meu exercício profissional ou porque sou boazinha, ou porque convivo com pessoas com deficiência visual, mas também porque assim vi meu horizonte se ampliar e meu aprendizado se aprofundar a cada dia. A descrição é um grande e valioso instrumento de interação. Há muitos anos comecei descrevendo o entorno de um quarto de hospital para um paciente que não podia olhar além do chão, porque se mantinha deitado de bruços, num pós-operatório da coluna cervical bastante complicado... Esta foi a forma que encontrei de me aproximar e ser aceita. Descrevia o que eu observava pela janela: as pessoas que ali transitavam, os profissionais de saúde, os utensílios, o ambiente... aos poucos fui percebendo o quanto era importante aquele ato, aquele momento. Tanto para mim quanto para quem recebia a informação. Sem saber, a espontaneidade e a curiosidade davam cores, formas, texturas, cheiros, paladares.... e assim experimentávamos todos os sentidos, e eu... consegui me aproximar! Pude ajudá-lo naquela fase difícil de recuperação, aceitação, superação... Daí para frente, seguiram-se algumas experiências, inclusive a percepção e a busca do entendimento dos Contos de Fadas (um dos cursos de aperfeiçoamento que decidi fazer quando trabalhava com crianças institucionalizadas / hospitalizadas). A chance que eu tinha de trabalhar com as mães e pajens, instrumentalizando-as para uma interação mais assertiva, mais humana, mais suave... a leitura, a descrição e a exploração dos livrinhos, dos encartes, dos gibis, das ilustrações. Durante um curto espaço de tempo, logo depois que me formei, trabalhei na Penitenciária do Estado de São Paulo – Hospital Geral, e lembro que era importante para alguns dos detentos (pessoas com deficiência) a descrição do trajeto que fazia entre o Metrô e o Pavilhão onde eu os atendia. As mudanças, as reformas, as vias, os barulhos... eles diziam algo parecido com isto: “quando se perde a liberdade, todos os sentidos são aflorados e por vezes destorcidos e para o resgate da sensação, que só a liberdade proporciona, é necessário participar, ainda que no imaginário”. O tempo passou e eu literalmente continuava emprestando meus olhos. Agora emprestava os olhos para a leitura e minha voz para gravação de livros, apostilas, artigos sobre administração, economia, gestão, matemática financeira, estatística, lógica... não entendia quase nada, mas o simples fato de emprestar os olhos e a fala fazia com que o outro, neste caso, “um querido” (meu namorado – hoje, meu marido), pudesse entender o que era preciso entender. E ambos (eu e ele) aprendíamos, porque sempre havia a troca. A explicação era como se decifrássemos uma fórmula matemática. Era a tradução do que eu lia. É uma sensação muito boa também porque é gratificante, proporciona satisfação. A audiodescrição é um exercício de respeito, de ética e só é mesmo de qualidade quando compartilhada. É um treino pessoal, que exige estudo e dedicação no que diz respeito às inferências e interpretações. É um movimento intenso de busca, de alternativas “em palavras” que garantam o entendimento sem super ou subestimar a capacidade de entendimento e história de vida do outro. Manter-se dentro do que o autor propõe, dentro de sua linguagem e dos fatos é um grande desafio, complexo e fascinante. É interessante observar as pessoas que já enxergaram olhando. Olhando o passado, o presente e o futuro. Mas o mais importante – independentemente de já terem enxergado, não é o brilho no olhar, mas o brilho que cada um transmite para o sentir do outro. Num dos meus exercícios de audiodescrição de filmes infantis tive a oportunidade de trocar informações com algumas crianças, alguns jovens e adultos com deficiência visual (cegos e baixa visão). E ouvi-las após terem assistido ao filme com audiodescrição foi de fato um grande prazer. É mesmo muito bom poder proporcionar essa alegria. Mais que isto, é saber que a audiodescrição favorece muito o acompanhante da criança ou adulto com deficiência visual. Ouvi outros acompanhantes, mas falo por mim: a audiodescrição é muito confortável. É muito bom não ser bombardeada com olhares, caras e bocas em espetáculos em que os demais espectadores (que não têm convívio com pessoas com deficiência) imaginam que você não tem educação porque está cochichando o tempo todo. Eles ficam incomodados, eu me incomodo e certamente a pessoa com deficiência visual também se incomoda, até porque, via de regra ouve ou percebe os comentários. Algumas pessoas com deficiência visual se privam de ir ao teatro, cinema... para não se expor, expor o parceiro ou passar por mais um constrangimento. Outros, os acompanhantes, deixam de frequentar alguns lugares para evitar essas situações. Tem sido frequente a busca de ajuda para orientação familiar quando um membro da família perde a visão, alguém que tinha uma vida social intensa e que naquele momento esteja limitado aos espaços da família, consultas médicas e, no máximo, à igreja. Alegam que não querem expor seu pai/ mãe/ namorado, pelos possíveis constrangimentos e, por outro lado, eles mesmos (“pessoas com deficiência recente”) não querem ser um peso para seu familiar / acompanhante... Minha pergunta sempre é: – quem vai se constranger? O fato é que com a audiodescrição acontecendo cada vez mais e com a participação frequente das pessoas com deficiência nos cinemas, teatros, shows, praças, exposições, recitais, a sociedade começa a compartilhar esses espaços de forma mais consciente. Dessa forma, passa a tratar a situação com maior naturalidade, enfrentando a realidade e não fazendo de conta, disfarçando, achando que está sendo educada ou gentil ao falar que nem havia percebido que ela/ele tinha alguma deficiência. É muito bom que, ao término do espetáculo, a pessoa com deficiência esteja em sintonia com a conversa e as interpretações de cada um, sem que se isole, ou seja isolada, por não ter compreendido as cenas. Sem contar quando há o constrangimento daqueles que cismam em querer explicar e/ou justificar. Meu grande sonho é que, em breve, a audiodescrição seja uma prática disponível em larga escala e que todos possam ter acesso a tudo que lhes provoque o interesse, seja na TV, no teatro, no cinema, na internet, nos seminários, nas apresentações, nas aulas, nos museus, nas exposições, nos parques... E com a palavra os audiodescritores do Teatro Vivo Carlos Eduardo Marçal da Silva, Marli Fernanda Nunes, Milena de Oliveira Leite, Pilar Garcia Alava, Rosilene Cortes Almeida A audiodescrição é uma atividade desenvolvida no Teatro Vivo pelos funcionários da empresa que, para serem audiodescritores, fazem um curso de formação de 40 horas. O conteúdo programático do referido curso contempla aspectos referentes à inclusão cultural da pessoa com deficiência visual, ao conceito, histórico, panorama mundial e brasileiro, princípios da audiodescrição, leis e decretos, técnicas de sumarização, elaboração de roteiros, equipamentos e procedimentos para a implementação do recurso, além de atividades de locução. Os depoimentos dos profissionais da Vivo que trabalham como audiodescritores voluntários revelam seu envolvimento com a atividade e o quanto o trabalho também repercute em suas vidas pessoais e profissionais. Direito de Cidadão Carlos Eduardo Marçal da Silva* A audiodescrição foi a ferramenta que me ajudou a concretizar minha vontade de realizar um trabalho que me inserisse no mundo da acessibilidade. Lembro-me como se fosse ontem. Na empresa, recebemos uma convocatória por e-mail, sobre o curso de audiodescrição, e ao ler, apesar de não saber exatamente o que significava, me motivei e fui à aula de apresentação no miniauditório. Fiquei encantado com o trabalho e decidi, naquela aula, que era o momento certo de me inserir no mundo da acessibilidade. As primeiras experiências foram muito marcantes, com destaque para a audiodescrição realizada na ADEVA (Associação de Deficientes Visuais e Amigos), com o filme Nossa vida não cabe num opala. Fizemos a audiodescrição sem microfones e na mesma sala onde as pessoas estavam. O resultado foi fantástico! Foi muito marcante, no final, o depoimento de um cego que passou o filme todo calado, sem expressar qualquer sentimento. Esperávamos dele uma reação negativa, mas foi com um suave sorriso que ele falou: “eu consegui ver todo o filme!”. A partir daí pude perceber o que significava acessibilidade para pessoas com deficiência visual e que todos os esforços e contratempos eram, naquele momento, meros detalhes. A minha primeira audiodescrição realizada no teatro VIVO foi na estréia do espetáculo Vestido de Noiva (Nelson Rodrigues). O nervosismo era algo inerente à estréia, devido à complexidade do texto, e à forma como o espetáculo foi montado (misturando as cenas entre os três planos: Alucinação, Memória e Realidade). Na saída do teatro, alguns cegos queriam nos conhecer e agradecer pessoalmente pelo nosso trabalho. Atos como esse me deixam ainda mais motivado. A última experiência, a qual eu denomino como marco histórico para cidade de São Paulo, foi a audiodescrição da Ópera Cavalleria Rusticana, realizada no teatro São Pedro. Foi lá que pude concretizar, por definitivo, tudo aquilo que aprendi, ampliando para os cegos o entendimento sobre aquilo que é possível transformar em voz, e igualando seu direito de cidadão. Arrancar sorrisos e lágrimas com a ajuda de um roteiro e da minha voz, junto com as vozes dos outros audiodescritores, foi sentir algo não sentido anteriormente… muito gratificante. A prática da audiodescrição, em si, traz vários benefícios pessoais. Dentre eles, pude aprender como me comportar corretamente e adequadamente na presença ou companhia de uma pessoa cega. Além disso, a cada espetáculo, através dos roteiros, recebo novas informações que enriquecem meu vocabulário. Também aprendi técnicas para elaborar um roteiro de audiodescrição; e a cada filme, seja no cinema ou em casa, ou espetáculo teatral que assisto, me deparo sempre prestando mais atenção nos detalhes e imaginando como eu montaria o roteiro. Tenho certeza de que a cada apresentação sempre aprendo algo novo. É um processo contínuo de aprendizagem devido à variedade de eventos em que este recurso pode ser aplicado. Não me resta dúvida de que a audiodescrição permite que o cidadão cego possa ter o mesmo direito de um vidente. Por isso, o que mais desejo é que este recurso seja a cada dia mais divulgado, que a iniciativa privada possa investir muito na acessibilidade para que ela chegue à casa de cada cidadão brasileiro. Paixão pela Audiodescrição Marli Fernanda Nunes* Quando iniciei o curso de audiodescrição, não tinha conhecimento detalhado deste recurso. O curso me auxiliou e apresentou todas as técnicas de elaboração do roteiro, das falas, dos conceitos, enfim, todo o material necessário para a prática da audiodescrição de uma peça, teatro, filme, espetáculos, óperas e outros. A cada aula me encantava com a importância do trabalho, mas ainda faltava a estréia, a primeira experiência. Aconteceu no Natal de 2008: ganhei este presente inesquecível. Fiz a audiodescrição da peça A Arca de Noel, na cidade de Gramado. Incrível!!! Algumas pessoas com deficiência visual estavam assistindo a uma peça, com o recurso da audiodescrição, pela primeira vez. Tinha uma preocupação muito grande em fazer o melhor para proporcionar o maior entendimento a todos. Importante ressaltar que mesmo preocupada estava tranquila, pois havia ensaiado muitas vezes. Recebi o DVD da peça e o roteiro com uma semana de antecedência para poder estudar o material e me familiarizar com o roteiro. Esta preparação é fundamental e proporciona uma segurança maior no momento do espetáculo. Ainda não comentei, mas na semana que antecedia a minha estréia, estava com uma inflamação na faringe que me deixou roca, quase sem voz, mas com muitos cuidados e muita água, tudo correu bem no dia. Outra dica importante é sempre cuidar da voz. No curso tivemos orientações de uma fonoaudióloga. Ao final da peça estava ansiosa para saber se tinham gostado, quais os pontos positivos e negativos, enfim, queria ouvir o retorno deles. Quando saí da cabine estavam todos sentados aguardando para conhecer os personagens bonecos. Comecei a conversar com todos, perguntar o que acharam e foi naquele momento que descobri a paixão pela audiodescrição. Ouvi diferentes comentários, mas foi unânime, entre eles, a satisfação de ter a liberdade de entendimento, de terem informações que lhes possibilitam entender a peça como todos os demais. O momento mais esperado para o audiodescritor é sempre o final de cada espetáculo, pois é quando reconhecemos a relevância deste trabalho. Ouvir frases como: “por um momento foi como se eu voltasse a ver”, “os audiodescritores são nossos olhos neste momento”, este tipo de comentário sempre me emociona e proporciona uma felicidade de saber que pude ser um instrumento mediador do entendimento. A minha vida mudou, a menos de um ano após o curso de audiodescrição. Além do teatro, também aplico as técnicas aprendidas no curso, no meu dia-a- dia: no trabalho, nos estudos e nos relacionamentos com os amigos e com a família. A audiodescrição pode mudar a vida de muitas pessoas, pode contribuir muito com a sociedade, pois é um recurso fundamental para as pessoas com deficiência visual e também pode ser vista pelos empresários como um negócio a ser desenvolvido. Este recurso pode ser incluso nos cinemas, nos teatros, museus, e demais casas de espetáculos de todo o Brasil. Aplicação das Técnicas Aprendidas Milena de Oliveira Leite* Minha experiência como audiodescritora começou há pouco mais de 6 meses. No início, fiquei curiosa com as aulas e técnicas aprendidas. É um tema que ainda é desconhecido para muitos com ou sem deficiência visual. O interessante é que fui percebendo, com este trabalho, a traduzir o que vejo e o que sinto. Com a audiodescrição é possível descrever gestos, movimentos, objetos, cenários, entre outros. Procuramos os detalhes, tudo o que antes passava despercebido, não só características materiais, mas o significado das coisas agora precisa ser traduzido. Essa tradução é resultado de um trabalho que requer paciência e autocrítica. Cada um tem um jeito próprio de viver e enxergar a vida e a diversidade é o que nos torna tão diferentes e, ao mesmo tempo, completos. Ao final de cada trabalho recolhemos o feedback das pessoas com deficiência visual e sempre se ouve algo novo e motivador para a continuidade do trabalho. Uma vez ouvi o depoimento de um rapaz que tinha perdido a visão recentemente por uma fatalidade do dia a dia: “obrigado por me fazer enxergar novamente, achei que isso nunca mais seria possível”. Para todos que sempre nos entusiasmam com sua alegria e satisfação, digo: “obrigada por me fazer enxergar o que antes eu não era capaz”. Quando falo do meu trabalho como audiodescritora, muitos se interessam pelo assunto e se surpreendem: “Nossa! Mas que legal, não sabia que isso existia”. Para mim, a audiodescrição é mais do que acessibilidade. Não estou querendo exagerar, mas é que para mim esse trabalho realmente tem um significado maior. Você já parou para observar uma paisagem? Qualquer uma que seja? O que você conseguiu enxergar? Volte e olhe novamente e depois de novo e perceba quantas coisas você deixou de perceber na primeira vez. Depois experimente conversar com alguém que já viu a mesma paisagem, será que ela percebeu as mesmas coisas que você? Para mim essa resposta é não. Mas, se você pudesse contar a ela o que viu e ela pudesse replicar a você as coisas que para ela fizeram mais sentido você perceberia que ambas deixaram de enxergar detalhes importantes. O trabalho do audiodescritor é um tanto detalhista e procura complementar o que os ouvidos escutam, porém de uma forma imparcial deixando para o ouvinte a interpretação e sentimentos que só ele pode agregar. Igualdade de Oportunidades Pilar Garcia Alava* A empresa em que trabalho decidiu apoiar a causa da deficiência visual. Contratou uma funcionária cega e foi então que eu comecei a conhecer um pouco mais sobre este tipo de deficiência. Confesso que antes disso, o único contato que tive com uma pessoa com deficiência visual foi um dia em que vi um cego tentando atravessar a rua e prontamente o ajudei a atravessá-la. Em 2006, fiz um curso de audiodescrição pelo Instituto Vivo e foi onde realmente eu me encontrei. Desde então exerço o trabalho de audiodescritora no Teatro Vivo. É muito prazeroso e gratificante realizar este trabalho. É fantástica a sensação de entrar na cabine, sentar à frente do microfone e audiodescrever as cenas, ouvir os depoimentos após o término da peça, participar das discussões sobre as cenas. Nunca pensei na dificuldade que seria para um cego, assistir a uma peça de teatro, a filmes, e exposições. Hoje, quando assisto a um programa de televisão, fico analisando a dificuldade que um cego tem, para entender o que se passa na TV. Eu acredito que todos devem ter a mesma igualdade de oportunidades. O meu trabalho contribui para isso. É uma pequena atitude, que significa uma grande mudança. O poder está em nossas mãos. Audiodescritora Apaixonada Rosilene Cortes Almeida* Quando recebi o convite para o curso e soube que seria a primeira turma a receber este treinamento aceitei sem saber o que seria e o que traria para minha vida. Não tinha noção do que era o curso, mas a cada aula que eu assistia ia me apaixonando pelo trabalho. Começamos a prática na peça O Santo e a Porca que, aliás, é muito engraçada e com profissionais excelentes. Tínhamos colegas com deficiência visual que serviram de “cobaias” dando opiniões e nos ajudando a aperfeiçoar as descrições. Quando recebi o certificado de conclusão do curso, me senti muito feliz e, ao mesmo tempo, preocupada com a responsabilidade que me foi dada, de repassar os meus conhecimentos para pessoas que esperam de mim o entendimento da peça. Sinto-me orgulhosa de me identificar como audiodescritora e apaixonada pela iniciativa. Uma vez recebi o depoimento de uma pessoa com deficiência visual, com o qual me emocionei muito: “Vocês são meus olhos. Isso não tem preço, é uma emoção única”. Este recurso tem ajudado muitas pessoas com deficiência visual a assistirem às peças com melhor entendimento, sem ter que ficar perguntando aos acompanhantes o que está acontecendo e incomodando os outros colegas ao lado. Espero que este recurso se estenda para outros meios de comunicação e diversão como um direito das pessoas com deficiência. Audiodescrição no Centro Cultural São Paulo Ana Maria Campanhã, Ana Maria Rebouças, Camila Feltre, Carmita Muylaert Moreira, Iris Fernandes, Lizette T. Negreiros, Maria Adelaide Pontes* “Não podemos esquecer de manter a insustentável leveza do ser.” Inaugurado em 1982, com uma área de 46.000 m2, o Centro Cultural São Paulo, órgão da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, oferece à população eventos multidisciplinares, como oficinas, palestras, debates, cursos, exposições, espetáculos de dança, espetáculos teatrais, cinema, web radio e shows. Possui importantes acervos, como a Coleção de Arte da Cidade, a Discoteca Oneyda Alvarenga, que inclui a coleção da Missão de Pesquisas Folclóricas de Mário de Andrade, o Arquivo Multimeios, além de um conjunto singular de bibliotecas, entre elas a Biblioteca Louis Braille. Após a implantação em 2007 do Livre Acesso – Programa da Acessibilidade do Centro Cultural São Paulo – em parceria com Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida e o Instituto Vivo, a instituição equipou-se, entre outros, com vídeo ampliador, linha braille e diversos softwares (openbook, jaws, magic, acessibility works), que possibilitam à pessoa com deficiência visual o acesso aos acervos disponibilizados pela instituição. O site tornou-se acessível e, além disso, o prédio foi adaptado com a instalação de pisos e mapas táteis, telefones, elevadores, banheiros acessíveis. Por meio do programa Livre Acesso, o CCSP foi o primeiro espaço público a utilizar a audiodescrição em sua programação cultural, projetando-se como pioneiro na prestação desse serviço às pessoas com deficiência visual. Comunga assim com o ideal de inclusão, bem como o da acessibilidade integral à Cultura e às Artes. Neste sentido, não só tem correspondido às necessidades das pessoas com deficiência como também a diferentes sensibilidades e distintos modos de percepção e conhecimento encontrados na diversidade sócio-cultural de uma megalópolis como São Paulo. Como ponto de partida para que este serviço de audiodescrição fosse implantado no CCSP, funcionárias de algumas áreas fizeram o curso no Instituto Vivo, ministrado pela profa. Lívia Motta e que teve a duração de 40 horas. “No início não sabíamos exatamente como seria o curso, mas no decorrer das aulas, ficamos admirados porque mudou a forma de observarmos os detalhes que antes passavam quase despercebidos e que para uma pessoa com deficiência visual ou baixa visão faz toda a diferença para o entedimento do espetáculo”, declara Lizette Negreiros. A seguir, relatos das recentes experiências em audiodescrição no Centro Cultural São Paulo: Espetáculo teatral Amor que é de mentira ou mentira que é de amor? Data: 24/01/09 Direção: Sidmar Gomes Audiodescritoras: Ana Maria Rebouças, Iris Fernandes e Lizette Negreiros Pela primeira vez no estado de São Paulo, foi apresentado um espetáculo teatral com audiodescrição num espaço público com a participação de voluntárias do CCSP. A peça que inaugurou esse recurso de acessibilidade foi Amor que é de mentira ou mentira que é de amor? com autoria e direção de Sidmar Gomes, da Cia. dos Ditos Cujos, um dos projetos ganhadores do Edital de Ocupação das Salas do CCSP para uma temporada de dois meses na Sala Jardel Filho, na categoria Teatro infanto-juvenil. Passo a passo: - Conhecimento do texto através de várias leituras. Encontro com o diretor do espetáculo para obter mais informações sobre o trabalho e saber como foi esse processo de criação que envolveu atores e músicos. - Participação em ensaios com o texto do espetáculo e um pré-roteiro como base: os primeiros ensaios aconteceram em uma sala de aula, sem cenário, sem figurino, apenas com poucos elementos de cena, os atores, o diretor (que também é ator) e os músicos. Durante o ensaio, pudemos notar que muita coisa do texto já havia mudado e, consequentemente, isso alteraria o nosso pré-roteiro. As mudanças mostravam que haveria necessidade de assistir a outros ensaios. A falta dos elementos cênicos dificultou bastante a observação das marcações e dos movimentos. - Encontros para reavaliação do roteiro. Foram feitas as alterações anotadas no ensaio e sugeridas outras modificações com base em uma discussão sobre o que era mais relevante. - Preparamos a ficha técnica, a descrição das características dos personagens e do cenário. O diretor enviou nova versão do texto com as alterações da peça. - Preparamos a descrição do figurino e da maquiagem, acrescentamos outras informações que completaram o trabalho. O roteiro sofreu alterações com novas informações quase o tempo todo. Nova releitura, novas alterações. A partir disso, começaram os ajustes para a versão definitiva. O roteiro foi elaborado por Ana Maria Rebouças, Iris Fernandes e Lizette Negreiros, com acompanhamento da professora Lívia Motta. Foram feitas cinco versões e, se houvesse mais tempo, chegaria à sexta versão. Segundo Lívia Motta, sempre haverá ajustes. - Finalizamos e distribuímos o roteiro que foi dividido entre as três audiodescritoras: a primeira parte, que consistia na abertura, informações sobre a peça, ficha técnica, descrição dos personagens e do cenário, foi realizada por Íris Fernandes. Já o espetáculo foi dividido entre as audiodescritoras Lizette Negreiros e Ana Maria Rebouças, que se intercalaram na descrição de algumas passagens para haver diferenciação de voz e proporcionar maior dinâmica. Pontos positivos: - Houve responsabilidade, atenção, dedicação, cuidado, vontade de acertar, sensibilidade, companheirismo, igualdade no trabalho. Não houve imposição de idéias: as mudanças eram discutidas e melhoradas sempre que necessárias. - Entendimento de trabalho: o ideal é fazer a audiodescrição em conjunto: duas, três ou, talvez, quatro pessoas. Fazer sozinho não é impossível, porém com mais pessoas, pode-se dividir tarefas, opiniões e um olhar mais aguçado sobre o que se faz. É um trabalho minucioso, que requer atenção desdobrada nos mínimos detalhes, poder de síntese e vocabulário substancioso. Precisa- se ler e reler várias vezes o roteiro, entender o mecanismo das mudanças para não colocar o desnecessário ou ser redundante. Se houver possibilidade, assistir a mais de dois ensaios do espetáculo completo. Não basta somente a dedicação; disponibilidade de tempo é fundamental. - Audiodescrição é um trabalho prazeroso que exige integração, tempo, conhecimento da obra nos mínimos detalhes, diálogo amistoso com o grupo ou companhia, respeito à obra. O aprimoramento da técnica se consegue com – foi o que pudemos perceber. A primeira experiência foi válida. Cabe à equipe, cada vez mais, aprimorar o trabalho executado. Audiodescrever uma peça de teatro realmente exige domínio do roteiro, conhecimento profundo sobre a obra e agilidade para inserir mais algumas ações, gestos e expressões que podem acontecer de improviso no palco. Visita mediada com audiodescrição à exposição “Aurélio Becherini: São Paulo em Transição” Data: 06/05/2009 Audiodescritoras: Ana Maria Campanhã, Camila Feltre, Carmita Muylaert Moreira Mediadores: Breno Morita, Caio Marinho Maimone, Juliana Rosa e Patrícia Marchesoni Quilici Escolhemos a exposição “Aurélio Becherini: São Paulo em Transição” para desenvolver a nossa proposta. A mostra contava com 45 fotos em preto e branco sobre a cidade de São Paulo em transformação, no período de 1904 a 1934. Junto com a equipe de mediação da Divisão de Ação Cultural e Educativa, desenvolvemos uma pesquisa para elaboração do roteiro e da atividade prática. Também contamos com a colaboração das equipes de fotografia da Divisão de Informação e Comunicação, e da Biblioteca Louis Braille. A audiodescrição teve a supervisão da professora Lívia Motta. A visita foi agendada para 14 crianças com deficiência visual, de 10 a 15 anos, 5 acompanhantes adultos do Instituto Padre Chico e 2 adultos videntes (que usaram vendas durante a visita) da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida – SMPED Visita e acolhimento ao grupo No acolhimento nos apresentamos ao grupo, que também se apresentou. Demos as boas-vindas, perguntamos quem já conhecia o Centro Cultural São Paulo, falamos sobre a programação e explicamos as atividades que iriam acontecer: a audiodescrição de algumas fotos da exposição, seguida de uma discussão sobre elas e uma atividade prática. Apresentação da atividade do dia Apresentamos o serviço de audiodescrição, que muitos já conheciam em peças de teatro e cinema. Dividimos-nos em 2 grupos de 10 pessoas para melhor aproveitamento de todos. Fomos ao piso Caio Graco, descrevemos a sala Tarsila do Amaral, onde estava a exposição e o tamanho das fotos. No texto de abertura, ressaltamos a importância do fotógrafo Aurélio Becherini para a cidade de São Paulo. Escolhemos 6 das 45 fotos expostas que abordavam diversos aspectos da transformação da cidade como: paisagem, construções, meios de transporte, vestimentas, pessoas, energia elétrica, além da característica da própria linguagem fotográfica. A visita foi desenvolvida de maneira participativa, de modo que o grupo fez observações e opinou a respeito do que foi descrito. Prática Concluída a passagem pela exposição, iniciamos a discussão sobre a percepção dos visitantes no que foi descrito. Foi uma discussão muito rica, em que os visitantes mostraram que conseguiram ter um panorama da obra do fotógrafo e das transformações sofridas pela cidade de São Paulo. A etapa seguinte foi a atividade prática, partindo das percepções individuais sobre a exposição. Utilizando os diversos materiais tridimensionais, músicas sobre São Paulo, sons da cidade e poesias em braille, os jovens desenvolveram vários trabalhos, poesias, desenhos, relacionados aos conceitos levantados na exposição. Fechamento No final, cada participante pôde comentar sobre sua produção e compartilhar sua opinião sobre a exposição e sobre a visita mediada. Houve muita troca, foram feitas muitas observações interessantes e até emocionantes. Terminamos entregando a programação e os convidando a voltar ao Centro Cultural São Paulo. Filme Nossa Vida Não Cabe Num Opala Data: 17/05/09 Direção: Mário Bortolotto Roteiro para audiodescrição: Lívia Maria Villela de Mello Motta Audiodescritoras - Adelaide Pontes, Ana Maria Campanhã, Carmita Muylaert Moreira e Iris Fernandes Assistimos ao filme várias vezes, sem texto, e depois com a leitura do texto, sendo o último ensaio na sala de cinema Lima Barreto. O público foi variado embora a divulgação tenha sido dirigida às pessoas com deficiência visual. Era uma sessão especial para pessoas com deficiência visual, porque teríamos uma audiodescrição aberta, sem cabine, apenas com microfone. Distribuimos vendas para que as pessoas videntes pudessem vivenciar a experiência de assistir a um filme sem enxergar. O público foi receptivo e a apresentação teve êxito. Recebemos ainda a presença de uma pessoa com deficiência auditiva e como o filme não era legendado, oferecemos a ela a sinopse e outras informações impressas sobre o filme, o que facilitou a compreensão da história. Após o término do filme, deixamos que os expectadores fizessem suas observações, sugestões e perguntas. Ouvindo cada opinião sobre o filme, tivemos a certeza da importância desse trabalho. Os detalhes de cenário, roupas e outros elementos visuais são determinantes para a compreensão do todo. Foi gratificante e compensador ouvir do público que o nosso trabalho proporcionou entendimento do filme e que eles conseguiram “visualizá-lo” e compreender melhor a trama. CONTRACAPA PALAVRA DA SECRETÁRIA: Dra. Linamara Batistella Transformação, uma necessidade e um direito A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece e assegura o direito destas pessoas em participar da vida cultural em igualdade de condições com todos os demais e enfatiza a adoção de medidas pertinentes para viabilizar o acesso aos produtos culturais em todos os formatos e mídias. Na perspectiva do desenho universal, o conceito de acessibilidade ultrapassou a barreira arquitetônica e ambiental e alcançou os meios audiovisuais, atividades da informação, comunicação, cultura e entretenimento, tais como teatro, televisão, cinema, dança e etc. Serviços e sistemas acessíveis espelham o marco legal de uma sociedade justa e para todos. O respeito à diversidade como a essência da condição humana e prerrogativa de uma sociedade livre, é enfatizada pelo desenvolvimento tecnológico, e contribui para a construção de uma imagem positiva e ativa das pessoas com deficiência, superando estereótipos e preconceitos. As barreiras de comunicação e informação são os principais obstáculos à participação plena das pessoas com deficiência em todos os níveis: social, profissional e cultural. A imagem constitui um elemento essencial na formação de conceitos, na tradução da cultura de uma nação e no desenvolvimento cognitivo da criança e do jovem. Utilizar a audiodescrição é dar acesso às pessoas com deficiência visual, mas este é também um produto cujo impacto vai além. Proporcionar educação e cultura sem discriminação é o propósito! O uso da tecnologia para garantir acessibilidade é um caminho de mão dupla, garante o direito das pessoas com deficiência e ensina a sociedade a respeitar a diversidade. Este livro registra o início de uma nova era! Profª. Drª. Linamara Rizzo Battistella Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência ORELHAS: CURRÍCULOS DOS ORGANIZADORES Lívia Maria Villela de Mello Motta trabalha como audiodescritora e professora de cursos de audiodescrição desde 2005, sendo responsável pela elaboração de roteiros e formação de audiodescritores do Teatro Vivo. Elaborou os roteiros para audiodescrição dos documentários: Vida em Movimento, Zona Desconhecida, Cidade dos Anões, Janela da Alma, Doutores da Alegria, Pro Dia Nascer Feliz, Cego Oliveira, Loki e Contratempo; dos filmes: Saneamento Básico, O Ano que Meus Pais Sairam de Férias, O Passado, Nossa Vida não cabe num Opala, O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili, Xuxa em Sonho de Menina; das peças: O Andaime, A Graça da Vida, O Doente Imaginário, Cartas de Amor, A Cabra ou Quem é Sylvia, Vestido de Noiva, Mãe é Karma, A Música Segunda, O Doido, Coração Bazar e Figurinha Carimbada; das óperas: Sansão e Dalila, Cavalleria Rusticana, Pagliacci e O Barbeiro de Sevilha; dos comerciais da AVAPE. Foi roteirista e locutora do espetáculo de dança do Candoco Dance Company, do desfile de moda realizado pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, do evento de encerramento do Ciclo de Palestras Louis Braille. Paulo Romeu Filho é o articulador do movimento pela audiodescrição no Brasil e grande conhecedor de leis e decretos sobre acessibilidade na comunicação. Colaborador do grupo de trabalho da Associação Brasileira de Normas Técnicas responsável pela elaboração da norma NBR 15290: Acessibilidade em Comunicação na Televisão. Convidado pela Coordenadoria de Assuntos Judiciais do Ministério das Comunicações para auxiliar na elaboração da Norma Complementar nº 1/2006, oficializada pela Portaria 310/2006. Criador de um grupo de discussão no Yahoo do qual participam diversos audiodescritores e pessoas com deficiência interessadas no tema. Criador do Blog da Audiodescrição. ? Marco Antonio de Queiroz é consultor em Acessibilidade Web, criador dos sites Bengala Legal e Acessibilidade Legal e autor do livro Sopro no Corpo: Vive-se de Sonhos, Rima Editora – 2005. Foi o primeiro jurado cego de um festival de cinema internacional: Festival de Filmes sobre Deficiência Assim Vivemos. ? Eliana Paes Cardoso Franco é Pós-Doutora em Tradução Audiovisual pela Universidade Autônoma de Barcelona (2007) e Doutora em Letras pela Universidade Católica de Leuven, Bélgica (2000). Desde 2002 é docente da Universidade Federal da Bahia, onde coordena o grupo de pesquisa TRAMAD (Tradução, Mídia e Audiodescrição). Já orientou dissertações e teses em tradução audiovisual, literária, intersemiótica, automática e interpretação. Publicou inúmeros trabalhos no Brasil e no exterior e lançará em 2010 um livro sobre a tradução em voice-over pela editora Peter Lang (Bern). Nos últimos anos, tem desenvolvido diversos trabalhos de audiodescrição para o cinema, o teatro e a dança. Manoela Cristina Correia Carvalho da Silva: É integrante do grupo de pesquisa TRAMAD desde sua implantação. Mestre em Letras e Lingüística pela UFBA (2009), com dissertação sobre a AD de desenhos animados para o público infantil, é graduada em Língua Estrangeira (UFBA, 2005) e em Comunicação Social pela UCSAL (1996). Atualmente é professora substituta do Instituto de Letras da UFBA e leciona em cursos livres de inglês. Além da AD, a dança e o cinema são outras duas paixões. Texto baseado em um dos capítulos da primeira dissertação de mestrado sobre audiodescrição no país: Com os olhos do coração: estudo acerca da audiodescrição de desenhos animados para o público infantil (SILVA, 2009), orientada e desenvolvida pelas autoras do presente capítulo, respectivamente. Neste trabalho, também nomeada AD. As informações exibidas nessa seção foram obtidas junto às seguintes páginas da Web: , , , , . Vale salientar que a primeira transmissão de TV com AD pré-gravada não ocorreu nos EUA, mas no Japão em 1983 pela NTV. Como a rede não contava com a tecnologia SAP a AD foi transmitida pelo canal aberto e ouvida por todos os espectadores. A iniciativa, no entanto, não se mostrou a mais apropriada e as transmissões com AD foram descontinuadas, passando a ocorrer apenas ocasionalmente. Do início da década de 40 até meados da década de 50, diversas óperas e filmes foram retransmitidos por rádio na Espanha. Para que os ouvintes pudessem acompanhar melhor essas retransmissões, os elementos visuais das obras também eram descritos (ORERO; PEREIRA; UTRAY, 2007). No entanto, essas produções não tinham como objetivo tornar os materiais acessíveis a pessoas com deficiência visual. Apesar de também serem consumidas por pessoas cegas, o objetivo dessas retransmissões era atender o público vidente que não queria ou não podia ir até o local das apresentações (DÍAZ CINTAS, 2007). KUHN, David. The use of descriptive video in science programming study. Boston: WGBH Educational Foundation, 1992. Research report. KUHN, David; KIRCHNER, Corinne. Viewing habits and interests in science programming of the blind and visually impaired television audience. Arlington, VA: National Science Foundation, 1992. Research report. KATZ, A.; TURCOTTE, J. Measurement of comprehension changes in television viewing of visually impaired persons using descriptive video study. Boston: New England College of Optometry, 1993. Research report. FRAZIER, G.; COUTINHO-JOHNSON, I. The effectiveness of audio description in providing access to educational AV media for blind and visually impaired students in high school. San Francisco: Audio Vision, 1995. A análise do modo como imagens poderiam ser verbalizadas, um dos objetivos do projeto TIWO, motivou a construção de um corpus de 500.000 palavras, extraídas de roteiros de audiodescrição de 60 filmes de longa metragem e alguns programas de TV britânicos. Análises feitas a partir deste corpus apontaram a existência de uma linguagem própria à audiodescrição. MATAMALA, Anna; ORERO, Pilar. Designing a course on audio description and defining the main competences of the future professional. Linguistica Antverpiensia, Antwerpen, NS6, 2007, p.329-344. HURTADO, Catalina J. La audiodescripción desde la representación del conocimiento general. Configuración semántica de una gramática local del texto audiodescrito. Linguistica Antverpiensia, Antwerpen, NS6, p.345-356, 2007b. BRAUN, Sabine. Audio description from a discourse perspective: a socially relevant framework for research and training. In: Linguistica Antverpiensia, NS6, p.357-372, 2007. Fels et al (2006) e Konstantinidis et al (2008) apresentam duas outras pesquisas que trazem revelações interessantes quanto aos potenciais benefícios da audiodescrição para os videntes e as preferências desse público em relação à técnica. O referido encontro, idealizado por Paulo Romeu Filho, reuniu audiodescritores de diferentes estados (Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo) para discutir a situação da AD no Brasil. Recurso através do qual as legendas em língua vernácula de materiais audiovisuais em língua estrangeira são verbalizadas para torná-las acessíveis a pessoas com deficiência visual. Três outros integrantes do grupo estão desenvolvendo trabalhos de pós-graduação sobre AD. Dois desenvolvem teses de doutoramento junto à UFBA e um terceiro realiza mestrado junto à Universidade do Estado da Bahia (UNEB). * Analista de sistemas, graduado em Administração de Empresas com especialização em Gestão de Sistemas de Informação, militante pelas causas das pessoas com deficiência e criador do Blog da Audiodescrição. *Lívia Maria Villela de Mello Motta é doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC de São Paulo e atua tanto na área de formação de professores para a escola inclusiva, como na área de inclusão cultural das pessoas com deficiência visual, com foco no trabalho com audiodescrição e formação de audiodescritores para teatro, cinema, TV e outros espetáculos, além de eventos sociais e pedagógicos. Foi responsável pela preparação dos audiodescritores da primeira peça brasileira com audiodescrição no Brasil, no Teatro Vivo, e continua formando profissionais para atuar neste segmento, além de participar ativamente de atividades para divulgação, normatização e implementação do recurso na TV. A Ópera Sansão e Dalila, de Camille Saint-Saëns, apresentada no XIII Festival Amazonas de Ópera em abril de 2009, foi a primeira ópera brasileira com audiodescrição, resultado de uma parceria da Vivo com a Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas. Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni, Pagliacci de Ruggero Leoncavallo e O Barbeiro de Sevilha de Gioachino Rossini foram apresentadas no Theatro São Pedro em São Paulo, em julho e novembro, sendo que Cavalleria Rusticana foi a primeira ópera apresentada com audiodescrição no Estado de São Paulo, uma parceria da Vivo com o Governo do Estado de São Paulo. Marcelo Romoff é o diretor do Teatro Vivo, o primeiro teatro brasileiro acessível às pessoas com deficiência visual, desde 2007, com a apresentação da peça O Andaime, sob direção de Elias Andreatto, e com os atores Cláudio Fontana e Cássio Scapin. Sansão e Dalila - divulgação na mídia: http://portalamazonia.globo.com/pscript/noticias/noticias.php?pag=old&idN=82709 Ária: da palavra italiana aria, designa uma melodia vocal isolada, de duração variável, cantada por um solista. Dueto ou duo: reunião de duas vozes solistas, frequentemente o duo de amor entre um tenor e uma soprano) (Suhammy, 2007). Récitas: apresentações. Intermezzo: intervalo musical que serve de ponte entre duas cenas ou atos. (Fraga e Matamoro, 2001). Libreto: texto de uma ópera, em verso ou em prosa. Sugestão de vídeo com a cena final da ópera Pagliacci: http://video.google.com.br/videoplay?docid=- 7074452410955318088&ei=jyJkS7y2Loz4qgLq39HNCA&q=pagliacci+opera&hl=pt-BR# Em Manaus, na apresentação da ópera Sansão e Dalila, dados não foram coletados. * Atriz profissional graduada em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e pela Casa das Artes de Laranjeiras, dedica-se desde 1998 à atuação e desde 2003 à atividade de criação de roteiro e gravação de audiodescrição em produtos audiovisuais e cênicos. Coordena a produção de audiodescrição em diversos projetos entre eles o Festival Assim Vivemos, o Programa Assim Vivemos e o portal Blind Tube. Possui vasta experiência na produção de roteiros de audiodescrição em produrtos nacionais e estrangeiros e já realizou narração de audioderscrição ao vivo e gravada em diversos projetos. Dedica-se também a formação de novos audiodescritores já tendo ministrado cursos no Brasil e no exterior. * Graduada em Letras pela UFC (1982), com mestrado em Letras Língua Inglesa pela UECE (1994), doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo (2000) e Pós-Doutorado na UFMG (2008). Atualmente é professora adjunto da UECE e pesquisadora nível 2 do CNPq. Coordena o Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada na UECE, dá aulas e ministra cursos sobre tradução, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Faz pesquisas na área de Tradução Audiovisual (TAV) com ênfase nos seguintes temas: legendagem fechada para surdos, audiodescrição e tradução audiovisual e ensino. Tem artigos publicados em vários livros (Topics in Audiovisual Translation e The Didactics of Audiovisual Translation (John Benjamins)) e periódicos (Cadernos de Tradução (Santa Catarina), META (Canada) e THE TRANSLATOR (Manchester)) sobre TAV. Editou, junto com Eliana Franco, o número especial de TAV da revista TRADTERM (USP). Para fins deste artigo, estou chamando de filme qualquer produção audiovisual. *Doutora em Literatura Comparada, Mestre em Literatura Brasileira (UERJ) e produtora de cinema, teatro e festivais. Produziu os premiados curtas de ficção Cão Guia, Numa Noite Qualquer, Nada a Declarar e Mora na Filosofia; e o longa-metragem Incuráveis, da Lavoro Produções. Dirige o Festival Assim Vivemos, Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência, desde sua primeira edição. Concebeu o Blind Tube, Primeiro Portal de Entretenimento Acessível e colabora em diversos projetos culturais com acessibilidade. Produziu todas as mostras de cinema e peças de teatro da Lavoro Produções, além do Programa Assim Vivemos, da TV Brasil (2009-2010). Produtora Web especializada em educação à distância e desenvolvimento web. Roteirista e diretor do filme Cão Guia e curador, junto com Lara Pozzobon, do Festival Assim Vivemos e do programa Assim Vivemos. * Publicitário e Professor Universitário, atua como docente no campo da Produção de Rádio e Televisão e criação para campanhas. Com experiência de mais de 17 anos na comunicação, hoje é um dos profissionais à frente da Iguale Comunicação de Acessibilidade, a primeira empresa brasileira com solução completa em comunicação para pessoas com algum tipo de deficiência. A proposta é trabalhar em parceria com os clientes, produtoras e agências de publicidade, marketing, promoção, criando projetos e tornando campanhas acessíveis para televisão, rádio, cinema, teatro, eventos, e outras abordagens que visem à inclusão desse público-alvo. Neste trabalho, também nomeada AD. Na sua 4ª edição no ano de 2009, a Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul é realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da Republica (SEDH) com a colaboração de toda a equipe da Cinemateca Brasileira e da SAC. Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência realizado desde 2003. Hot Site Natura Naturé: . Programa Secundário de Áudio Disponível em . Disponível em . * Consultor em Audiodescrição e Legenda Fechada para Surdos. Graduado em Letras pela Fapam e Especialista em Tradução pela UFMG. Tem em seu currículo participação nas audiodescrições de filmes como O Signo da Cidade, de Carlos Alberto Riccelli, Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, Alex Rider, de Geoffrey Sax. É presidente fundador da Midiace – Associação Mídia Acessível, primeira associação de audiodescritores do Brasil. * Bacharel em Filosofia pela Unicamp e professora de História do Cinema no MIS (Museu da Imagem e do Som) de Campinas. Fez a audiodescrição ao vivo na 1ª e na 2ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, em 2006 e 2007. Coordena desde 2005 o Ponto de Cultura Cinema em Palavras do Centro Cultural Braille, onde realiza audiodescrição de filmes e desenvolve, desde 2000, estudos filosóficos sobre a construção do conhecimento por meio dos sentidos. É’ agente cultural do Projeto Cine BR em Movimento, iniciativa da Petrobras, desde 2005. Com Voltaire e Rousseau, Diderot foi uma das figuras seminais do Século das Luzes e da fermentação cultural que levou à Revolução Francesa. Sua obra e suas ideias, não menos que as do autor de Candide ou do Contrato Social, encontram-se na base não só do movimento do Racionalismo francês ilustrado, como do processo de toda a modernidade filosófica, política, científica, literária e artística. Neste trabalho, também nomeada AD. Neste trabalho, também tratado como pessoas com DV ou, simplesmente, PcDV. No período de 2000 a 2004 trabalhei como voluntária e ainda não havíamos participado do edital do MinC de projetos para Pontos de Cultura, que nos proporcionou o equipamento digital adequado para as sessões de cinema. * Bacharel em Administração de Empresa, trabalha há 22 anos como analista de sistemas na Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação (Prodam), onde é responsável pelo site sobre Acessibilidade Digital, prestando consultoria e suporte a produtos específicos para pessoas com deficiência, acessibilidade à Internet/Intranet da PRODAM e da Prefeitura de São Paulo. Participou das comissões da ABNT para a criação das normas de acessibilidade para a internet e caixas automáticos de bancos. Foi membro da comissão de unificação do braille para informática nos países de língua portuguesa. Participou no desenvolvimento do acesso ao Bradesco Internet Banking para pessoas com deficiência visual. * Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB - (2002), especializada em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva pela UNEB (2007) e mestranda em Educação e Contemporaneidade pela mesma Universidade, desenvolvendo pesquisa sobre audiodescrição. É professora da Rede Municipal de Salvador e Consultora na área de Educação Inclusiva e acessibilidade. É membro da Comissão de Elaboração das Políticas de Inclusão e Acessibilidade da UNEB. Tem experiência com projetos comunitários para inclusão social de pessoas com deficiência visual. Há dezessete anos, desenvolve projetos educativos no Instituto de Cegos da Bahia, com crianças, jovens e adultos. Cf. FRANCO (2006; 2007). * Naziberto Lopes de Oliveira é psicólogo clínico graduado pela Universidade São Marcos, pós-graduado em psicoterapia winicotiana e psicoterapia breve pelo IPPESP, Instituto Paulista de Psicologia, Estudos Sociais e Pesquisas, Consultor Técnico na Secretaria de Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência de São Paulo, Coordenador do MOLLA – Movimento pelo Livro e Leitura Acessíveis – no Brasil e idealizador do site www.livroacessivel.org. * Eduardo Valente é formado em Marketing pela Universidade de Santo Amaro – Unisa e MBA em Administração de Vendas também pela Universidade de Santo Amaro – Unisa. Iniciou sua trajetória profissional na área de informática, foi bancário e, em seguida, mudou para a área comercial. Trabalhou durante 6 anos na área sócio-ambiental da Vivo, sendo um dos responsáveis pela implementação do Instituto Vivo, com vários projetos na área de inclusão de pessoas com deficiência. Atua, hoje, como assessor de comunicação e imprensa da Vivo Nordeste, tendo participado da implantação da operação da Vivo na região. Luis Fernando Guggenberger é formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Guarulhos – UnG e pós-graduado em Relações Públicas pela Faculdade Cásper Líbero. Trabalha na Vivo, operadora de telefonia móvel, na área de responsabilidade sócio-ambiental, onde lidera projetos sobre Redes para Causas Sociais. É professor universitário da área de marketing. Atuou no Terceiro Setor nas áreas pedagógica, social, cultural, comunicação, captação de recursos, desenvolvimento institucional e gestão em organizações como Fundação Gol de Letra, Projeto Casulo e Projeto Arrastão. ? Socióloga, atua na área da Deficiência desde 1976. É consultora e atual Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas. Áreas de competência: Comunicação e Disseminação da Informação com destaque para Educação, Trabalho e Sexualidade. Entre os projetos que coordenou destacam-se: a pesquisa “Pessoas com Deficiência e HIV/Aids: interfaces e perspectivas”; kit “Vida em Movimento”; pesquisa “Sinalizando a Saúde para Todos”; Reintegra - Rede de Informações Integradas sobre Deficiências; Rede SACI - Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação; Campanha Acesso de Humor e Inclusão e a pesquisa “Caracterização sociológica de indivíduos portadores de cegueira e deficiência visual”. * Tem 43anos. É casado e pai de dois filhos. Graduado em administração de empresas, trabalha como analista de sistemas e é diretor da Adeva – Associação de Deficientes Visuais e Amigos. Cego desde 13 anos de idade. * Joana Belarmino é jornalista, mestre em Ciências Sociais, doutora em Comunicação e Semiótica. Desde 1994, é professora titular do curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba.Como membro do Núcleo Mídias Digitais, Processos Interativos e de Acessibilidade, desenvolve pesquisas na área de acessibilidade na web, acessibilidade à comunicação, já tendo publicado artigos diversos sobre essas temáticas. * Elizabet Dias de Sá é psicóloga com especialização em psicologia educacional; Gerente de Coordenação do Centro de Apoio Para o Atendimento Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual de Belo Horizonte – CAP/BH; Coordenadora de Conteúdo – área da deficiência visual – do curso de Especialização latu sensu de Formação de Professores para o Atendimento Educacional Especializado da Universidade Federal do Ceará; responsável pelo site Banco de Escola http://www.bancodeescola.com. Tiflologia: nome feminino; tratado ou estudo acerca da instrução intelectual e profissional dos cegos (De tiflo-+-logia). * Mestranda pela Faculdade de Educação da USP, é graduada em Letras pela USP e em tradução pela Universidade Mackenzie. Tem bastante conhecimento em tecnologias assistivas para pessoas com deficiência visual, tendo atuado como professora de Informática e de idiomas por muito tempo. * Tem 58 anos. É cego desde os 5, analista de sistemas, músico, poeta e apaixonado pela vida. * Administrador de Empresas, Pós Graduado em Estudos Avançados de Computação, Consultor em Inclusão e Relações Institucionais da LARAMARA (Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual). * Marcos André Leandro, cego de nascença, tem 35 anos e trabalha no Tribunal Regional do Trabalho, 2a região. * Roger Martins Marques, 35 anos, é formado em Direito pela Universidade Ibirapuera. Já trabalhou no Bradesco e na Vivo e hoje é funcionário de uma empresa familiar no ramo de transporte e turismo. *Estudante de psicologia, consultora de inclusão, diretora de relações públicas da ONG Grupo Terra e palestrante em faculdades e escolas. * Nasceu e reside em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Atriz; é graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e tem pós-graduação em Interpretação Teatral pela Ecole Philippe Gaulier (Londres), como bolsista da CAPES. É responsável pela coordenação de audiodescrição do Habanero Áudio, estúdio responsável pela audiodescrição da Mostra para Deficientes Visuais do DIA INTERNACIONAL DA ANIMAÇÃO (outubro de 2009) e do filme Antes que o Mundo Acabe, de Ana Luiza Azevedo (lançamento previsto para abril de 2010). * Natural de Piracicaba, interior de São Paulo e nascido em 16 de Julho de 1976. É formado em Comunicação Social pela Unimep e em Artes Dramáticas pelo SENAC. *Rosângela Ribeiro Mucci Barqueiro. Psicóloga; Pós-Graduada em Psicologia Hospitalar e Administração de Recursos Humanos; Consultora em Inclusão e Audiodescritora. Relações Institucionais da LARAMARA – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual. ? Paraense, 28 anos, Contador, pós-graduado em Controladoria e Audiodescritor da 2ª turma do Instituto VIVO, ministrada pela profª Lívia Maria V. de M. Motta. * Paulista, 30 anos, economista, pós graduada em Gestão de Marketing, MBA em Gestão de Processos de Negócios e Audiodescritora da 3ª turma do Instituto VIVO, ministrada pela profª Lívia Maria V. de M. Motta. * Graduada em Comunicação Social com habilitação em Publicidade. Concluiu o curso de audiodescrição em Janeiro de 2009. * Paulista, 31 anos, formada em Educação Física e pós-graduada em Administração e Marketing Esportivo. Coordenadora de eventos e audiodescritora. * Casada,mãe da Helena Cortes da Silva. Nascida em Patrocínio – MG, formada em Economia. Trabalha na Vivo há 8 anos. Também atuante na Paróquia Sagrada Família.* *Ana Maria Campanhã, formada em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Braz Cubas em 1980. Atua na equipe dos cursos, oficinas e demais atividades educativas da Divisão de Ação Cultural e Educativa – DACE Ana Maria Rebouças, mestre em Artes Cênicas pela ECA-USP, pesquisadora de teatro e curadora interdisciplinar do Centro Cultural São Paulo. Camila Feltre, bacharel em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Estágio no Centro Cultural São Paulo na Divisão de Ação Cultural e Educativa como mediadora. Carmita Muylaert Moreira, formada na Faculdade Ibero Americana – Letras e Tradutor e Intérprete. Atua na equipe de cursos, oficinas e demais atividades educativas da Divisão de Ação Cultural e Educativa – DACE Iris Fernandes, publicitária formada pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, atua como assessora de imprensa, produtora cultural e professora de cursos técnicos de publicidade e propaganda do ensino médio. Funcionária da Divisão de Informação e Comunicação – DIC Lizette T. Negreiros, Curadora de Teatro Infanto-Juvenil e atriz. Maria Adelaide Pontes, formada em Educação Artística com habilitações em Artes Plásticas e Artes Cênicas, pelo Instituto de Artes da UNESP. Atua na Divisão de Acervos Documentação e Conservação. Esta é uma dica para quem quer seguir pelos caminhos da audiodescrição: descrever sem interpretar, sem antecipar os acontecimentos, selecionando palavras que facilitem a compreensão, levando em consideração a diversidade do público e seu repertório diferenciado. Certamente não iremos esquecer as lições que também nos servem para a vida e para o aprimoramento das nossas relações com as pessoas. 230